quinta-feira, 16 de agosto de 2018

O Pecado Capital Parte 07

                                                  EPISÓDIO 7 (Gozo)                               
                     
       Cá estou eu! Depois de ter me vestido e demoradamente saboreado o café da manhã, decidi de repente que era melhor ficar sozinha e então, muito sutilmente, sentada na beirada da cama, segurei a mão dele e pensei em dar adeus. 
     No mesmo instante, antes de soltar uma palavra, me senti sozinha no mundo, sozinha como a gente só sente em momentos de extrema indecisão. 
     Não pensava em coisa alguma, apenas na paz que poderia desfrutar até o tempo que eu quisesse. 
     Estava tomada por uma sensação de alegria e comecei a berrar exatamente como faz uma mulher insana. 
     Era inexplicável a tal sensação de gritar sem quem ninguém ouvisse e, ao mesmo tempo maravilhoso, muito maravilhoso mesmo sentir-se completamente só! Tão o mais estimulante que aqueles intermináveis segundos que se prolongam antes do orgasmo. 
     Se Léo, do nada brotasse do chão, das paredes, ou tivesse aparecido de qualquer lugar nesse momento, talvez não o tivesse reconhecido. 
     Eu me tornara uma estranha absoluta em meio a minha própria solidão. 
     Se nesse instante todos os homens mais lindos do mundo fossem trazidos nus à minha frente, exibindo-se como gorilas de circo balançando seus membros enormes e eretos apontando para o céu, e fosse para eu escolher um, eu não teria nem reparado. Eu já tinha conseguido há pouco tempo o que nenhum outro "pau" seria capaz de me dar. O silêncio e a calma interior.  
     Isso acontecendo agora parece bastante estranho, pois algumas horas antes eu estava me contorcendo e gemendo no meio de uma transa praticamente perfeita, indo por cima e por baixo do corpo nu de Gustavo. 
     No meio da madrugada ele parecia ter saído de um sono pesado quando percebeu que eu comecei a beijá-lo apaixonadamente e fui dando mordidas na pontinha da orelha, seguindo para o pescoço, descendo pelo peito e ao mesmo tempo enroscava minhas pernas nas dele. 
     Ele murmurou alguma coisa sobre ajeitar o corpo, mas eu não quis me arriscar a deixar que escapasse de meus braços e pernas estrategicamente colocados. 
     Percebi que o "pau" já estava bem animado e em posição. Comecei acariciá-lo tão sutilmente com as mãos como se seguisse o ritmo de um blues arrastado. Notei que ele estava adorando a ideia do meu dedilhar em seu "pau" enquanto ainda estava meio dormindo e não abriu os olhos uma única vez - e a medida que ficava mais consciente seus músculos de todo o corpo iam se mostrando sob a carne pálida da meia-luz. 
     De um instante para outro o corpo dele ficou quente como o inferno e para minha surpresa ele abriu os olhos e acariciou meu rosto com a ponta dos dedos e disse sussurrando: "Gostaria que esse momento durasse eternamente. Dá uns uns beijinhos "nele"!". Atendi o pedido e comecei a acariciá-lo com a língua. O corpo de Gustavo começou a se esticar e se contorcer discretamente enquanto eu apertava a cabeça do "pau" com meus lábios e graciosamente brincava de pôr e tirar na boca. Nesse momento nem me atrevi a pensar no que ele estaria imaginando de mim ou quais seriam seus desejos seguintes. Eu pensava apenas que ele não poderia acabar logo porque eu queria demorar o tempo que fosse lambendo, chupando e fazendo o vai-e-vem até que meu pescoço travasse. 
     Às vezes parecia que ele chegava perto de gozar mas se segurava como podia num esforço de digno de Hércules ou usando de alguma tática que era intimamente sua, como um atleta se preparando para a grande prova do dia. Finalmente, depois de várias explorações com lábios, língua e dentes, e de encaixes bocais de todo o tipo, ele gozou. Foi um daqueles longos e intermináveis esguichos que parecem que vão até o teto. Apertei a boca ali com tamanha firmeza que não permiti que nenhuma gota a mais caísse ao chão ou se desperdiçasse no lençol. Tive a presença de espírito de ir guardando na boca e engolindo aos poucos um esguicho atrás do outro, até que mais nada saísse. Eu estava com a boca cheia de porra e com uma vontade louca de esfregar tudo aquilo em meu rosto, meu peito e no corpo todo para no final rir bem alto por que vi que ele estava ficando com "pau" em espasmos, como se quisesse espirrar mais porra em mim. 
    Foi quando no meio do negócio todo ele deslizou a mão e foi alisando e contornando a minha bunda de trás para frente até encaixar a ponta do dedo dentro da minha boceta hiper-molhada. 
     Ele estava grudado em mim, me fodia com o dedo e massageava o clítoris com a palma da mão como quem massageia uma bicho de pelúcia novinho. 
     Entrei num estado de êxtase indecifrável e fui tomada por um mistério de desorientação e reorientação, de subidas e descidas e de foguetes disparando enquanto ele enterrava os dentes na minha carne e me unhava superficialmente sem machucar. 
     O ar do quarto se tornou pesado quando senti que ele empurrou três dedos dentro de mim e os fazia trabalhar como se estivesse dando cartas num jogo de baralho. E antes que eu pudesse pensar ou dizer alguma coisa eu já sentia mais, eram quatro dedos dentro de mim e minha boceta tão molhada que fazia o líquido escorrer até o colchão. Consegui perceber que ele estava novamente de olhos fechados, tinha a boca meio-aberta como se estivesse conversando consigo mesmo sobre como me levar à loucura. Era como se ele estivesse programando a si mesmo para uma transa inesquecível. Não havia dúvida, eu estava dominada, docemente dominada e absorvida numa sensação que me levava ao ponto de nem saber o que fazer, exceto ficar quieta e manter a bunda erguida o suficiente para a posição confortável dos dedos lá dentro, sem bloquear os movimentos.  
     Não é sempre que se arranja um homem capaz dessas coisas, de se preocupar com a mulher e seus prazeres. Em seguida, com muita delicadeza e suavidade, ele subiu sua mão pela minhas costas e foi falando em voz baixa e aveludada o quanto eu era importante para ele. Dentro de mim havia megafones que gritavam: "Me fode mais, me fode mais, me fode até que meu útero fique em brasas!". 
     Depois de horas de todo esse movimento, sem o menor aviso, olho ao redor e não compreendo verdadeiramente nada do que está acontecendo, nem do meu próprio comportamento e muito menos se tudo que faço é certo ou considerado maluquice. 
        Pouco a pouco me lembro que fui obrigada a romper com a família e com algumas pessoas do passado, e que também fui obrigada a levantar a seguir meu caminho. E assim, tão real quanto num sonho, estou fechada num buraco negro tentando me mostrar ao mundo através da criatura que me tornei, inclusive por adorar sentir o cheiro maravilhoso que exala do ato sexual. 
     Estou pronta para o que der e vier. 
    Mantenho um monte de fantasias, ilusões e obsessões perversas, enquanto reúno pedaços soltos de delírios histéricos, devaneios, frases inacabadas e até desejos mórbidos. 
    Encontro de vez em quando nos olhares furtivos, conversas dispersas e gestos interrompidos. 
    Quanto mais submissa eu sou nesse momento, mais dedicada ao ato me mostro, quanto mais abandonada pareço, mais incerta eu fico. 
    Não há começo, nem fim, não há como resistir. 
    É enlouquecedor e alucinante. 
    Estou reduzida ao máximo da passividade com a conveniência do gozo dos deuses e também dos demônios que assolam a minha mente. 
     Depois de tudo há a realidade e a calma de cada passo nos olhos penetrantes e na disparada hipnótica dessa corrida que ninguém poderia parar. 
    Por isso que às vezes decido que o silêncio é a melhor saída quando me convenço que sou culpada e que isso basta para me arruinar. 
     No momento seguinte ouço o riso maníaco da ave migratória que busca instintivamente o seu destino. Vem de longe e é tão assustadora e tão absurda como o riso dos músculos que saltavam com extraordinária beleza na madrugada. 
     Tenho agora os grandes lábios inchados e a ideia de que nunca fizera o que desejava e por não fazer o que desejava cresceu dentro de mim essa interminável sensação do voo dos pássaros livres. 
    Acho que desde o começo fui independente, mas de uma maneira falsa. Não queria ter ninguém controlando minha vida e desejava a liberdade de fazer ou "dar" para quem eu quisesse e quando quisesse, ou apenas no momento que sentisse vontade de satisfazer meus caprichos sem culpa - essa sempre foi a ideia pela qual lutei para a minha independência. 
    A maioria das pessoas se revolta ou finge se revoltar por não terem coragem, mas eu não dou a menor importância a isso agora. 
    Os meus princípios se baseiam no esforço de ser eu mesma, ainda que alguns achem que tudo o que faço seja futilidade. 
    E se alguém me acusar de fútil, mais isso ou aquilo que acharem que sou, eu nego, pois nasci assim e não se pode arrancar essa veia de mim. 
    Durante anos estive a ponto de fazer essa descoberta, mas sempre fugia da questão por medo. 
    Na verdade nunca consegui imaginar alguém que conseguisse falar sinceramente 100% das descobertas que fez de si próprio. Acho que por isso nasci uma contradição na mais pura essência da palavra. 
    Eu não sabia disso, era sorte minha não saber e ser ignorante até então, porque agora só quero ser feliz e encontrar o equilíbrio perdido através das minhas inquietações.




segunda-feira, 13 de agosto de 2018

O Pecado Capital Parte 06

                                    Episódio 6 (Desvario)
  
      Sou uma idiota! Eu insisto em mexer e revirar tudo por dentro como uma lunática. 
      Enquanto estou na penumbra meus pensamentos não parecem certos e tenho dificuldade para prosseguir, principalmente quando meus motivos nunca são entendidos e tudo o que consigo ver é uma fatia do tempo - o tempo daqueles atos insensatos de debilidade. Um tempo em que eu dizia: “Um dia vou refazer minha vida!".
      Hoje passo ponto a ponto tudo daqui, de um lugar onde tenho o que ninguém pode tirar de mim. Estou falando da relação que existe no intervalo de tempo em que me separei do Léo e desse momento que me une ao Gustavo.
     As pessoas que foram cruéis comigo no passado ficarão surpresas ao se depararem com o livramento dos meus problemas cruciais e tudo o que me motivou a ser uma nova pessoa.
       Mãe, pai e família, eu sei que pensam em mim e estão aguardando meu retorno ao lar ou esperando a notícia de um passo em falso. De qualquer forma seria bem triste. 
     Saibam que longe de vocês adquiri a prática de enfrentar o desconhecido e encarar a vida de outra forma. Não tenho mais aquele medo porque o que vivo agora me excita. E vocês... Ahhh... Vocês me provocaram com todas aquelas atitudes arrogantes e autoritárias e mais as chantagens de todo o tipo, achavam que eu era boba. Saibam que eu superei e acabei com essa insistência de vocês em me dominar. Nem que façam uma boa ação serão perdoados do que me impuseram por tantos anos. Eu adoro ser livre! 
     É muito divertido imaginar o que passou já que estão distantes. Antes de agirem assim comigo eu só pensava na mesma coisa fixamente, mas vocês me obrigaram a pensar em duas a partir de então. Agora passo minha existência inteira imaginando como calar essas vozes desprezíveis que de vez em quando aparecem na minha lembrança. 
     Nesses vôos, em que ofusco as estrelas com minha silhueta distorcida e com esse desejo desproporcional, fujo do medo e da devastação da alma. Quero que não existam mais aflições nem falsos temores. Preciso confiar. Vocês não imaginam quantas almas se pode salvar com esse comportamento. 
     O mal que vem daí não me atinge mais. Eu agora sei que vocês não são tão fortes assim. 
     Nos momentos em que estou pensando no Léo penso em vocês. Estão todos ligados aqui dentro de mim como numa simbiose interminável. 
    Quando isso acontece, no instante seguinte, as paredes ficam com aquela cruel negritude que destaca os traços vermelhos que escorrem e refletem em meus olhos. 
    Assim todos os meus pensamentos se rebelam quando me lembro da mordaça que tentaram me colocar, fazendo de mim uma mulher totalmente destruída e inteiramente impossibilitada de qualquer decisão. Unicamente com o direito de estar presa ao mundo de padrão e costumes de vocês. 
       Continuarei, mesmo sem querer, sentindo essas imagens que permanecem ocultas no tempo, como se ouvisse as vozes horrendas trazida com ecos dos cantos escuros da casa na qual passei maior parte da minha vida.
       Quando paro diante do espelho da porta do guarda-roupas desse hotel meia-boca não tenho mais corpo, não sou mais matéria-viva e vocês não poderão atingir meu fígado como antes. 
      Como será que anda a limpeza da casa de toda sexta-feira? 
     A falsidade impregnada é quase impossível de remover com esfregão? Que pena...
     É o paraíso preferido de todos que aí vivem, isso eu sei. Um lugar cheio de conforto, jóias escondidas nas gavetas com trancas, danças juninas com a família reunida. Em destaque os sorrisos falsos estampados nos rostos daqueles que repartem a dor da aparência e da falsa modéstia. 
    Contem-me uma coisa: Quando saem mundo afora, com seus narizes empinados, ainda se aproveitam para ignorar os cachorros largados e os menos favorecidos? Continuam comprando a admiração das pessoas com seus diplomas, carros luxuosos e saldo bancário?
       Meu Deus! Quanto arrependimento eu carrego por não ter conseguido expressar tudo o que pensava de vocês! Por medo de punição nunca pude falar uma letra sequer dessa existência cinzenta e da expressão exagerada que carregam. 
     Vocês já sabem que agora não pertenço mais ao mundo que criaram, não me submeto ao rito do sofrimento psicológico, porém, mesmo assim temos uma história para contar de parte a parte, uma história triste que envolve a mim, a família, Léo e Gustavo.

     -  Ahhh... Que conversinha besta. Não tem mais o que fazer? Como tenho pena de você... Você é fraca e patética. 
     - Olha aqui Léo... Quem você pensa que é para me questionar assim? 
 - Como você é boba! Depois de anos continua a mesma idiota de sempre. 
 -    A mesma? Não. Não mesmo! – olhando a imagem do rosto dele na cortina branca – Diga-me você, seu canalha, por que nós não continuamos sendo um casal normal e tivemos que nos manter saindo escondidos como se fossemos namorados, sem sermos?
     - Por causa deles!
     - Não seja injusto. Você que me largou e foi correr atrás daquela vagabunda!
     - Você nunca quis se libertar da escravidão para dividir o mesmo pão comigo, lembra?
     - Ainda não era o momento! Você nunca soube planejar as coisas direito.
     - Então, já que deixou o momento passar, agora deite-se com aquele que está ali e pense em mim. Abra bem as pernas e na H vá fechando quando já estiver com tudo dentro. Do mesmo jeitinho que fazíamos e você adorava. 
     - Não! Você não vale nada!
     - Eu a conheço muito bem. Você aprendeu direitinho novas lições durante nosso tempo e fazia questão de dizer que tinha uma boceta normal que gostava de uma boa foda. Contava-me histórias exageradas e muito fantasiosas, que no fundo, eram relatos mal disfarçados dos seus desejos do passado com outros homens. Um dia, no canto da última fileira da sala de cinema, quando você usava um vestido colado, chegou ao ponto de pegar meu dedo indicador para enfiar pela beirada da calcinha até onde coubesse, só para conferir o quanto estava molhada e ainda era bem apertada. Quando consegui tirar a mão dali, você chupou e lambeu todos os dedos devagar. Em seguida trouxe meu pescoço para perto e me beijou com a boca melada enquanto com uma das mãos procurava meu pau duro que já estava estourando a braguilha. Botou "ele" para fora e começou a manipula-lo de um jeito como se quisesse que a cabeça dele saltasse diretamente para dentro da sua boca e a enchesse de porra. Vi tudo aquilo como normal e atribuí a situação ao seu desejo incontrolável de sentir sensações diferentes em lugares públicos.   
   - Filho da puta! Eu odeio a mim mesma por um dia ter estado com você em qualquer lugar. Sei muito bem o que quer de mim. Quer que eu fique louca e que não tenha mais força de vontade para nada nessa vida. Quer tudo aquilo que mais zombou o tempo todo: minhas fraquezas por você. 
   - Eu? Não...  Nada disso. Acho que você deveria arrumar outro homem. Não esse que está ali deitado. Outro cara que te fizesse engordar um pouco porque você está puro osso e pele. Assim você fica mais indefesa que uma criancinha e nem aguenta foder gostoso como a gente fodia. Por acaso perdeu o jeito e o jogo de cintura?
   - E daí? Isso não é da sua conta!
   - Bem, você não acha que é bom ter um amigo quando se precisa dele? Olha eu aqui. Aproveita! Ninguém vai muito longe sozinho... Escute com carinho, você nem imagina o que um homem bom poderá fazer por você algum dia.
   - Vá embora! Saia daqui! Não aguento mais isso!
   - Vou sim. Mas antes me diga onde está seu orgulho? Você não tinha orgulho? Não era a mulher que sabia de tudo da minha vida? Bela merda! Você descobriu o que queria e está assim agora!
   - Suma daqui! Vou fechar os olhos e você desaparecerá num estalar de dedos.
   - Isso! Feche os olhos e lembre-se que aquele que ali dorme e espera sua disposição para uma boa transa, jamais será capaz de lhe dizer palavras tão belas que, tenho certeza, você jamais esquecerá. 
     Esse aí é incapaz de escrever e declamar um poema tão interessante quanto aquele que fiz para você na noite do dia dos namorados; aquela vez que você desligou o telefone de manhã e desapareceu por dois dias. Lembra?
    - "Sarah, por trás dos seus doces lábios de pétalas de rosa tem seus dentes como se fossem engrenagens perfeitamente alinhadas e escovadas. Também possui uma linda bunda arrendondada e ajustada centímetro a centímetro.Tem o gracejo de uma alma vazia que se ergue pouco a pouco como a balburdia de macacos tagarelas no alto das árvores. 
     O ressoar de suas palavras e gemidos constantes ultrapassam as frestas de portas e janelas, tudo é levado para longe durante o sono tão profundo quanto o de um molusco. Sarah, gelada como um monumento, permanece intacta com sua genitália exposta ao público como uma flor noturna que desabrocha numa noite de geada. 
     À beira do abismo permanece em pé com os lábios cerrados, sussurrando palavras como poeira no nevoeiro da madrugada. A Sarah Rodriguez talvez esteja agora no banco de trás de um táxi se masturbando discretamente, ouvindo o tique taque do coração e as propostas indecorosas do motorista. 
     Sarah, a serpente fabulosa, feita inteiramente de desejos e paixões, caminha para a fogueira ardente com a boca cheia de chiclete. Magnífico é o seu andar. É o andar leve de quem já esteve na lua ou pisando nas brasas do inferno. 
     Ela segue o caminho em que tudo continua flutuando rumo à sombra através do nevoeiro que cega a todos. E no escuro e frenético nada da sua alma vazia permanece a minha ausência. Isso deixa um sentimento saturado de desalento em mim.  
     Em seus doces lábios de pétalas de rosa residem os últimos resíduos da brisa do litoral e da maré de lama que tomou conta de tudo em sua atemporal inocência mimada".

    - Diga se não é um poema maravilhoso feito exclusivamente para você numa data especial?
    - Vai se foder!        
   
     Olho em volta, paro e observo. 
     Existem coisas imponderáveis nesse mundão de Deus. 
    Alguém me admira?  
    Creio que apenas o Gustavo! 
    Eu admiro e amo ele também? Não sei... 
    Isso é perigoso. 
    Léo me excitou demais o tempo todo fazendo desafios e dando opinião. Quero esquecer... 
    Estou cheia de ficar sozinha, sem alguém que me faça companhia pelo menos algumas horas. Eu sei que Gustavo está sempre disponível para aquilo que gosto mais de fazer. Mas não parece satisfatório quando ele precisa descansar. 
      Lembrarei as novidades e tantas coisas importantes que nos envolvem. Mesmo que ele continue dormindo, ainda assim, poderemos trocar muitas palavras. Ele sempre me estimulou a ser uma ouvinte e confidente compreensiva. Deve ser esse o grande motivo da sua atração por mim.
     Eu estou quebrando uma regra com ele, mas é apenas um cisco no universo. Talvez seja esse o mistério que ainda nos una nesse quarto. 
     Quando passeamos no clube eu gosto de vê-lo à beira da piscina. Na transparência da água a sua pele se destaca pela brancura, mas com alguns pontinhos quase imperceptíveis de sardas. Quando ele sobe do mergulho o reflexo do sol bate em seus ombros molhados, fazendo as gotas brilharem como um arco-íris. Aquela cena produz em mim uma sensação de alegria interior. Os seus músculos, de exímio nadador, tomam destaque, então ele vem e pula no piso de concreto como se fosse impulsionado por uma força invisível. A sua saída da água poderia durar horas na minha observação, seria o momento para eu pensar em tantas coisas loucas dentro da piscina... 
     Nós tínhamos todo o tempo do mundo e, no entanto, eu ia perdendo um pedaço de mim a cada vez que ele fazia o seu voo. Mas eu sabia que era o momento para escrever em definitivo o meu nome em sua existência. E naquele momento, olhando da borda da piscina, eu me alegrava que fosse tudo assim. 
     Nunca tínhamos muita dificuldade nos caminhos retos, o que pegava mesmo eram as curvas das nossas motivações interiores. Durante muito tempo eu cheguei a pensar que ele não existia de verdade. Cheguei a duvidar que ele tivesse um corpo, um nome, uma profissão e até que fosse um perfeito exemplar do sexo masculino. Mesmo com todas as minhas lamúrias e angústias ele me fazia acreditar que as memórias tristes do passado iriam se apagando aos poucos. Ele nem sequer imaginava que pequenos problemas tornam-se grandes confusões quando se tenta reconstruir uma velha história em outro lugar e com outra pessoa. Esse era meu caso. Caso perdido!
    Quando eu percebia que isso acontecia comigo, eu me imaginava olhando para ele com os olhos de outra personalidade, alguém com o qual ele não tivesse qualquer intimidade e nem soubesse do tipo de sensibilidade com a vida ou comprometimento com o passado. Uma personalidade comum como tantas outras que poderiam andar num shopping center ou fazer da vida um hobby para viajar por mar, terra ou água. Alguém que apenas olhasse e buscasse algum prazer em seu visual. Isso sem qualquer esforço ou observação mais apurada. Alguém que encontrasse um descanso descomprometido através do apenas pensar e curtir. 
     Imagino o quanto seria difícil para ele diferenciar eu de eu mesma. Talvez só se colocando em meu lugar por algum tempo. Não que eu necessariamente desejasse isso para quem quer que fosse. Afinal não é fácil ser despojado dos sonhos, das ideias e formas como seriam colocadas em prática numa vida que já se foi há tempos.  
     Hoje existe entre nós uma espécie de murmúrio e troca de olhares certeiros quando o diálogo se esgota por cansaço. É isso que nos move e cria a interação. 
    Olha só que coisa mais engraçada que me ocorreu agora: Eu consigo pensar em tudo isso com racionalidade. Eu existo e não existo, eu sou e não sou. Tenho cabelos pintados, rosto pálido, olhos fundos, uso uma máscara pregada o tempo todo e respiro ofegantemente ao passar o olhar pelos cantos. 
     Do nada, sinto o cheiro de café entrando por debaixo da porta. Estou diante de um halo de vapor que sobe e some. 
     Engraçado como a minha vida tem uma série de rituais repetidos freqüentemente.      Na bandeja plástica há biscoitinhos recheados com goiabada, pão francês, manteiga, geleia, açúcar, adoçante, frutas de época e  2 copos de suco de laranja. O café recém-passado veio no bule e o leite na caneca.        
      Esses flashes repentinos custam a satisfazer minha nostalgia.
      Tudo volta a ficar calmo de um instante para outro enquanto Gustavo dorme imóvel debaixo do lençol. 
    Eu me mexo da posição estática, dou dois passos, viro e finalmente encontro um lado confortável para apreciar os primeiros raios de sol que entram pela janela. 
     A imagem do Léo some de vez.
         Não há mais vozes e nem um lindo homem saindo da piscina. 
        Agora é o silêncio, somente o silêncio da minha alma vazia que cala esses lábios de pétalas de rosa e se esforça para seguir em frente mantendo a cabeça erguida. 

                                                                                      (Continua)

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

O Pecado Capital Parte 05

                  Episódio 5 (O paradigma Filosófico)  

      Sei que as minhas imagens poderiam ser mais belas ou sem cargas emocionais tão densas que confundem um pouco; pena que não seja possível.
     Tudo foi sentido de uma forma intensa e cruelmente triste por mim desde o rompimento com o Léo.
     Mesmo que ainda existissem muitas controvérsias, a única coisa que restou foi viver seguindo a trilha traçada pelo destino até o tempo de conhecer Gustavo.
     Assim as coisas aconteceram no ritmo certo e eu pude novamente dar andamento ao que havia ficado parado.
     O que fiz e como agi poderia até parecer uma forma simples demais para justificar certas atitudes. Todavia, foi a única forma que consegui encontrar para driblar a depressão.
     De vez em quando sinto que estou caindo, sempre caindo.
     Em pensamentos loucos vou imaginando as minhas partes internas apodrecidas, ressecadas e esfarelando como se existisse um câncer se espalhando e devorando sem trégua.
     Do nada tudo some da cabeça e de relance vejo que os panos brancos estampados com motivos eróticos, que forram a cabeceira da cama, estão manchados com tinta vermelha escorrida da madeira velha que cobre a parede.
     Nada aqui nesse hotel é como antes.
     Toda matéria-prima foi sendo lentamente destruída pelo tempo.
     Não sei quantos anos já se passaram da última vez que estive nesse mesmo quarto com Léo. Talvez, uns dois, cinco ou, quem sabe, oito anos; época em que eu ainda podia ouvi-lo sussurrar meu nome em seus sonhos. Agora o ambiente parece esquecido e com um clima constante e incansavelmente triste.
     O tempo presente é de Gustavo e corre sem marcação alguma.
    Não existe mais aquele relógio de pulso do Léo em cima da mesinha de canto, bem ao lado dos nossos celulares e com minha bolsa jogada por cima ou, muito menos, qualquer outro detalhe particular daquelas ocasiões cheias de entrega e prazer. Tomam lugar, só os nossos objetos de agora escondidos à meia-luz.
     Agradeço ao Gustavo por ajudar a superar meus traumas.
     Ele, com muita insistência, me fez enxergar que existia uma nova possibilidade depois do acontecido com o Léo.
     Sou muito agradecida pelo que fez.
     Penso duas vezes como vou conduzir nossa situação daqui em diante, mesmo porque nosso relacionamento começou em segredo, devido aos meus pais acharem que eu precisava me curar e, principalmente, amadurecer emocionalmente antes de  me enfiar novamente de cabeça em algo sério com alguém - eles em hipótese alguma queriam presenciar e, muito menos, administrar uma nova fase de sofrimento com um rompimento inesperado.
        A novidade é que a cada encontro com Gustavo sempre descobria coisas diferentes nos projetos inusitados que elaboramos juntos. É uma pena não ter tido aonde pudesse anotar tudo o que ele me falava com tanto entusiasmo. Como teria sido bom um bloquinho e uma caneta nos passeios ou ao lado da cama nesses momentos!
     Quando dou por mim reparo que o único amor que possuo é o amor por esse lugar decadente e as lembranças daquele passado com o Léo, ainda que o Gustavo esteja a ponto de acordar para novamente nos entregarmos ao sexo com tanta disposição como se o mundo fosse acabar amanhã.
     Tentei várias vezes mudar de local nos encontros com Gustavo, mas não adiantou - estou presa aqui como se estivesse num buraco.
     Eu me sinto como se fosse uma enorme árvore com raízes firmemente fincadas ao chão. Apenas esse chão de hotel tem a enorme capacidade de emitir sinais que são captados por minha intuição infinita.
       São por esses lapsos de fantasia e imaginação que tudo insiste em parecer tão complicado e ao mesmo tempo tão simples em minha mente.
     São as eternas imagens do céu e das estrelas em confronto de sombra e luz, misturadas à escuridão que me rodeia e, aos poucos, vão se apresentando como o baile das galáxias se chocando nos princípios do meu eclipse notívago.
    Tudo parece eterno e sublime na mais pura distração nostálgica do tempo.
      Essas imagens são tão comuns como dos corpos nus e dispostos a tudo em busca do prazer.
     Ao redor, os vidros embaçados do teto e das paredes laterais continuam formando as imagens distorcidas dos movimentos; os dois corpos nus vão rolando e praticamente caindo pelas beiradas.
     Há o som das molas rangendo e do ritmo batucando no alto-falante ao estilo da nova dança.
    É então que os corpos aquecem o ambiente no momento em que as pernas se entrelaçam e buscam posições confortáveis. Nisso vem o puxar e empurrar mais forte para dentro, cada vez mais dentro e fundo. Ficando mais apertados e grudados como as duas faces de um velcro. Quando as pernas afrouxam um corpo sobe e outro desliza e se separa. Num estalo aparecem como o concavo e o convexo e se chupam, se lambem até que todo o líquido de cada um se grude na boca, no rosto e por toda a face.
     Cada qual, muito cuidadosamente, com a ponta dos dedos tocando as partes mais sensíveis e interessantes por algum tempo e em seguida, incontrolavelmente, se colocando novamente entre as pernas um do outro, erguendo os quadris como num balé, agarrando e escorregando as mãos pela cintura e pelas costas.
    Então, os pedidos daqueles desejos que se tem apenas nessa hora, aparecem sutilmente quase como apelos que vem do fundo da alma:
     - Eu gosto mais devagar e depois mais rápido. Assim, assim, assim... Isso... Força! Mais força! Isso! Venha por cima de mim como um cavalo de raça porque agora sou sua égua!! Me chama de sua puta!!! Grita meu nome bem alto!!!
     - Diga para que eu possa ouvir: "Sarah você sempre será minha!".

     Olhos nos olhos, os corpos tremendo, balançando.

     - Assim, assim... Isso... Se ajeita melhor! Não pare! Passe o dedo nos meus lábios... Quero um beijo... Um beijo longo...  A sua língua bem dentro da minha boca...Eu adoro esse cheiro de sexo que vem dos movimentos...

     A cavalaria chegando em galope, o toque leve no bico do peito...

    Apertando sem machucar... Molhada por dentro e por fora, êxtase, tesão...

    Mais uma vez tudo travado lá dentro como a cadela no cio que apela ao chamado do instinto natural.

     - Assim... Mais um pouco... Fechando as pernas... Quero sentir "ele" me apertando... Tá machucando? Tira e põe se incomodar ...
     - Agora. Assim, assim mesmo, mexendo devagar, não deixa sair... Mais um pouco... Forçaaaaaa!!! As minhas coxas te bloqueiam? Isso....“Ele” está deslizando bem, entrando, saindo.... Não deixa sair! Vou aliviando a pressão só um pouquinho... Isso... Hummmm que delícia!!! Eu quero sempre desse jeito... Seja carinhoso comigo, por favor, não pare agora, aperta minha bunda... Fique imóvel por um instante, só apertando... Não se mexa... Ainda não... Pronto!  Agora vaiiii!!! Mexe rápido, me aperta, mexe mais rápido até eu gozar.... Não pare....

     O meu céu parecia repleto de fogos de artifício e estrelas cadentes. Uma viagem onde se vê o sol numa planície além do mar e todo o cosmo. Não existem mais fronteiras nessa hora, nem razão para o sofrimento, apenas a razão em si norteando minhas sensações nos movimentos e no instinto da natureza com a graça do prazer.

      Enquanto os corpos iam no sobe e desce, o meu olhar estava em busca do infinito; como se fosse aquele momento da consagração da vida eterna no céu e na terra.
     A nossa poesia não era escrita e nem declamada, era feita de imagens silenciosas nas impressionantes atuações.
      Na verdade todo esse momento faria mais sentido quando visto em várias dimensões - de onde se pudesse movimentar os ângulos e as energias atemporais que comandavam o nosso desejo.
     O nosso tempo natural era o nosso tempo sem fim na entrega dos corpos e dos carinhos que poderiam ser perfeitos - único lugar onde nos encontrávamos reconciliados e preenchidos pela dança da esperança de um novo alvorecer.
     Era a fé na vida e na eterna dualidade que nos movia por sinais divinos do mundo que criamos.
     Projetos humanos e intuições poéticas preenchiam o momento em que Deus esteve presente em nossos pensamentos e nos nossos atos.
    A visão de Deus profetizou o apocalipse dos nossos sonhos na eternidade.
     Então fomos levados para transcendência de um tempo que jamais compreenderemos -  porque ir além dessa lógica atingiria diretamente a alma em trânsito.
    Um novo nonsense absoluto em nossos atos foram vistos e revistos por esse prisma futuro na dobra do tempo!
     A minha origem cristã nunca chegou a compreender a verdade do caminho da graça e do perdão.
     Por isso, tudo novamente me foi revelado de forma consciente e sutil nos sonhos; reconheci sua presença na sombra oculta da vaidade humana e no verdadeiro significado do paradigma filosófico da vida através das minhas loucuras.
                                                 
                                                     (Continua)

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

O Pecado Capital Parte 04

                                    EPISÓDIO 4 (OCASO)

     Todas as imagens agora são perfeitas. Lembrando de tudo vou afirmando com certeza absoluta que estamos mortos. Durante essa noite, recebi toda a carga de informações nas sensações corporais. Coisas que nem sequer imaginaria que pudessem um dia ter acontecido comigo. Eu sei que eu senti amor, mas a luz do sol se esvaiu depressa quando a noite caiu em sua habilidade geométrica. Isso pareceu uma coisa tão caprichosa que por uma fração de segundo me senti tomada pelas leis que se formaram dentro de mim e que conduziram adiante nesse espírito inelutável. Mas logo tudo mudou, sob essa sombra seguiram-se pilhas de cadáveres e zumbis lançados pelo mundo afora que logo teriam um pensamento igual ao meu. Cada um em seu pequeno poço nojento e pegajoso me fazendo companhia no cosmos da energia invisível.  
     Muitas vezes pode parecer a um desavisado que vejo tudo por um aspecto sombrio. Eu nem me importo mais com a impressão dos outros. O que importa é que as figuras estranhas espreitando o meu estado espectral, ainda não notaram que estou contida em lembranças entrecortadas pelo prazer sádico desse momento. E que estou completamente tomada por um tipo de  vontade descoordenada que nunca termina. Sei que de vez em quando parece que sinto um tipo de amor sofrido e nostálgico com a terra começando a girar em seu eixo supremo. Enquanto todo o imenso esgoto das imagens revoltantes continua gorgolando furiosamente pela geografia dos continentes imaginários que criei, onde tudo é a pura essência sólida daquilo que sempre se torna depois de ingerido e digerido, mas a tampa está bem fechada, as portas aferrolhadas e tudo nessa minha vida se tornou apenas uma poesia débil. Essa vida que falo continua sendo construída sobre um poço vazio onde fervilham vermes que devoram minha racionalidade. Parece que assim nasci e assim me criei. Aqui, onde uma raiva cega devora o meu cadáver na cama da eternidade em que ele está deitado sob o lençol, há coisas que não posso compreender, por isso, ainda de pé e enrolada no cobertor olho de novo ao redor com olhos mansos. Só assim percebo que tudo aquilo que parece estranhamente sufocante enobrece a alma com esperança. Esse é o lugar e a pessoa ao qual pertenço, não há mais dúvida. Mas quando me entrego me sinto como se fosse um cadáver sendo alimentado por lembranças soltas que cutucam fundo. Uma alma sem qualquer noção de tempo e espaço. 
      Os meus pensamentos continuam se espalhando do quarto para o  mundo, enquanto isso, algumas ações fogem de mim  e eu permaneço completamente ausente de tudo. Por um motivo qualquer, sinto que não há mais nada a esperar que possa mudar essa situação. Durante anos, dentro da realidade de sonhos, vivi a vida esperando que algo acontecesse, que algo alterasse o meu tempo de espera e o meu lugar dentro dele. Mas, na mais absoluta desesperança fiquei com tudo de ruim que tomou conta de mim, e o que restou foi o instrumento para destruir ilusões. O que sobrou foi aquilo que  me tornei. Queria poder alterar um único elemento dessa natureza. Algo que fundamentalmente mudasse toda a história que ainda não foi contada. Sem saber dessa sina cheguei até os extremos de limites imagináveis para preservar as migalhas do que ficou. Mas minha resistência chegou em seu ápice, então tive que saltar na tentativa de encontrar Deus do outro lado. Mas o meu salto não foi suficientemente grande. Abandonei um mundo e me enjaulei em outro intermediário, só soube disso quando me dei conta que emocional e espiritualmente estava morta. 
        O mundo que abandonei ressurgiu. Um mundo de rivalidades e inveja onde as almas famintas sobrevivem encantadas por bajulação e orgulho. Elas gostam disso. Isso as conserva como são: perversas e sem humildade. Essas almas que me perseguem se perdem numa futilidade esmagadora me fazendo crer  que o sexo que pratico vale muito mais que a lealdade que deveria ser oferecida. Meu Deus! Como odeio essa situação! Quanto mais importância se dá a isso, maior é a perseguição no meu pensamento. Há algo tão perverso em mim. Alguma coisa como uma superficialidade intelectual que rumina um tipo de tortura psicológica avançada, algo que destrói todo e qualquer convívio em qualquer tipo de ambiente. Gostaria de não ser tão infernalmente crítica para comigo mesma. Imaginando isso é que me fortaleço no dever de continuar, ainda que saiba que ele não dá a menor importância a tudo que vem acontecendo e se esconde protegido por suas falas descaradas. Portanto, faço e continuarei fazendo reflexão de todas as malditas coisas que ele me fez. E como fez! Isso de uma forma absolutamente original e perfeita, muito bem calcada na maldade. 
      Sei que quando tomo conhecimento desses pensamentos fico mais desdenhosa com tudo que nunca foi revelado abertamente e agora está aqui tão presente em mim. Porém, hoje tudo se inverteu daquilo que foi antes. Sou eu a tirana, aquela que, sem o menor sentimento de culpa ou constrangimento, o fará sofrer. O que há de errado em mim por ser assim num instante? Todos os elementos da nossa união foram expostos. E poxa vida, como éramos íntimos! Como éramos confidentes e cúmplices de revelações! Éramos como duas engrenagens cheias de dentes onde uma corrente sincronizava o movimento, mas de vez em quando essa corrente escapava e era o caos. Nenhum toque de mão divina ou humana poderia conserta-la. Só o tempo poderia fazer com destreza. E quando recolocada no lugar tudo voltava a ser exatamente igual ao que era antes. E dia após dia nós poderíamos dormir e acordar tendo a certeza que a engrenagem estaria azeitada, juntamente com todos elementos inalterados que não faziam parte do mecanismo de aproximação, mas eram fundamentais. As explosões, colisões e catástrofes acabavam sempre controladas pelo sexo. Essa era a chave de tudo. Sexo sem parar, de manhã, de tarde e de noite. Sexo com vírgula e ponto e vírgula. Sexo com café da manhã, almoço e lanche da tarde. Sexo na claridade e na escuridão. Sexo sob aquela mesa com pernas de ferro ou sobre a grama fria de uma noite de primavera. E depois vinha um imenso vazio, mesmo que tudo ainda se mantivesse numa aura romântica de sombria satisfação. Lembrando disso começo a pensar se faria alguma diferença caso não tivesse escolhido o caminho que trilhei, ou se faria alguma diferença ter essa criatura irrequieta ao meu lado por mais algum tempo. Ele sabe muito bem que eu o conheci profundamente, talvez melhor que ele mesmo. Quando eu dizia: “Venha cá e me beije”! Ele me beijava e eu sentia no seu carinho a súplica do desejo. Então eu o apertava e implorava aquele pouquinho de amor. Por isso que agora, quando sinto que foi desprezado e ficou com a imagem despedaçada, é que imagino o sofrimento e a miséria interior que vive por causa da outra. Talvez hoje já não lhe agrade mais humilhar com palavras de superioridade. Quem sabe os seus métodos mudem por que o milagre da natureza se expressa no efeito de sobrevivência e amplitude. Todo o meu Ser respira o seu perfume. É impossível continuar sem sentir a elevação da memória dos cheiros, dos toques e dos momentos inesquecíveis de aconchego. Toda pessoa possui o dom de dissolver sua figura, perpetuando a sua própria imagem por detrás de tantas minúcias que vão do orgasmo ao caos. Muitas vezes ouvi longos recitais dos musicais fantasmagóricos perambulando por dentro da cabeça, não era só música, eram descobertas em cada passagem por reinos intermediários que se revelavam na imaginação. Eu via um mundo que ia adoecendo e morrendo aos poucos, tal qual a eterna criação do cosmos que depois de pronto continuou em constante mutação e se deteriorando passo a passo. Assim, embora instintivamente, o meu intimo me dissesse para parar a caminhada à toa, isso em busca do amor sem amor, eu insistia em marchar adiante, uma marcha batida e determinada. 
     Meus pensamentos confortadores me trazem de volta a tudo isso. É realmente fascinante ser apanhada desse jeito. É uma onda de nostalgia quase anacrônica e fora de propósito. Onde toda confusão, desordem, pensamentos devastadores, vibrações malignas e sentimentos ilusórios carecem de significação plausível. Sei que o fato de parecer estúpida me desalenta um pouco. Mas no estágio em que me encontro existe uma identidade básica e indissociável que se estende pelas garras do tempo. Todo o contorno dado a essa situação se norteia por motivos específicos que foram criados por palavras, olhares, atitudes, desinteresses e traições. Tudo foi baseado na falta de compromisso com a verdade, regras e códigos de conduta. Agora sei que estou atuando através de uma demanda concreta que partiu de atos agressivos, também concretos, que sofri. Mesmo que tudo esteja ocorrendo de uma forma totalmente simbólica e planejada, o que também pode ser visto por outro ângulo é que tenho que seguir em frente.  Durante um período de tempo imprevisível tudo o que foi feito a mim será o motivador desse jogo dramático, um jogo que culminará no cumprimento daquilo a que me incumbi.  Estou ficando enojada com esse destino cruel ao qual me submeti. Eu quero ouvir música, escrever tudo num livro ou sonhar com as ambições do passado. Por quê essa existência não me permite nada disso imediatamente? Que vantagem há em vaguear de lugar em lugar e fazer novos planos? Por quê não fui destinada ao mesmo caminho de todas as outras mulheres felizes e radiantes? A minha origem está se perdendo na obscuridade de um Ser vagante que nunca consegue se sentir no comando. Eu queria tanto voltar ao mundo comum da vida que sonhei. Queria tanto sair de onde o vento gelado sopra e tudo se torna obscuro e deserto no pensamento. Eu queria a transição; viver o sonho que ainda não conheço e me dissolver no ar para desaparecer definitivamente. 

O Pecado Capital Parte 03

                                       EPISÓDIO 3 (VISLUMBRE)

       Depois do sexo relaxamos por alguns minutos, ele se aconchegou em forma de conchinha, jogou o lençol por cima dos nossos corpos nus e dormiu com a boca perto da minha orelha. Não estava tão frio de madrugada e mesmo assim eu não conseguia pegar no sono. Olhei o celular e já eram mais de três e meia no silêncio do terceiro andar do hotel. Eu necessitava respirar ar fresco. Resolvi levantar e me enrolar no cobertor para dar um passeio na pequena sacada que dava para a rua. Senti mansamente no rosto um pouco da brisa da madrugada soprando da serra da cantareira. Olhei para cima e fiquei admirando o céu limpinho e cheio de estrelas com a lua iluminada perto do horizonte. Por um instante lembrei de um passeio que fizemos com o meu pai para uma colônia de férias em Caraguatatuba. Eu tinha 16 anos. Nesse ocasião ele fez com que todos nós ficássemos acordados até mais de meia-noite e meia para observarmos a chuva de meteoros que aconteceria até às 5 da manhã. Minha irmã e minha mãe não aguentaram a espera e foram dormir enquanto meu pai e eu procurávamos um banco de madeira comprido que ficava atrás da cozinha comunitária para dali enxergarmos melhor todo o firmamento, incluindo o horizonte leste. 
"-Pai, que estrela é aquela no centro do céu?
- É a estrela cachorro. Reparou que ela tem brilho mais forte que as demais?
- Sério? Pensei que fosse um planeta, talvez Vênus.
- Não, filha. Vênus está mais para o horizonte oeste.
- O senhor parece gostar bastante dessa estrela. O que ela tem de tão importante?
- Filha, eu acho que todo mundo tem certa admiração por ela. É a mais brilhante do céu e mais próxima da terra, pode ser vista em qualquer hemisfério do nosso planeta. Dizem que se você viajar na velocidade da luz chegará lá em pouco mais de oito anos e meio.
- Certo. Mas o que isso tem a ver com a nossa vida aqui na terra?
- O seu olhar não deve ser exatamente para ela e sim para uma irmã anã que orbita em sua volta. É chamada de Sirius B e não pode ser vista a olho nu.
- Se ela não pode ser vista então por que estamos olhando?
- Para tentar desvendar mistérios e caos.
- Caos? Mistérios? Tá maluco? 
- Eu acredito que tudo na nossa vida tem que ter um significado cósmico. Há cerca de cinco mil anos os africanos já conheciam Sirius B. Eles não só sabiam da sua existência, mas também da sua localização e órbita. Naquele tempo não havia instrumentos astronômicos capazes de um tipo de descoberta assim. Todo conhecimento era transmitido por ancestrais, de geração a geração. Isso não é incrível?
- Interessantíssimo, é mesmo um mistério intrigante, mas por que você está com essa obsessão agora que viemos ver os meteoritos?
- Não tem obsessão. Estou imaginando o universo macro e micro e a lógica que existe nisso.
- Pai, acho que você está ficando maluco. Tomou daquele remédio de novo?
- Presta atenção filhota! Os nossos ancestrais receberam o conhecimento detalhado da existência de Sirius B, isso através de alienígenas que visitaram a terra, assim como toda ideia complexa sobre cosmologia. Esses seres vieram do sistema de Sirius A, que é uma estrela com cinqüenta por cento a mais de tamanho do sol e com luminosidade mais intensa vinte e três vezes.
- Por que existe a certeza que vieram de Sirius?
- Apenas pela proximidade. Só isso. Eles estão esperando a nossa evolução. Talvez espiritual... Um dia o mundo será habitado por uma população feita de plasma, gases ou de alguma energia desconhecida.
- Que absurdo!
- Talvez seja isso mesmo, ou talvez não. No fundo eu acho que existe algum tipo de porta, uma rachadura na realidade que ainda não somos tão desenvolvidos para alcançar. Uma passagem que questionará muitas de nossas filosofias fundamentais: religião, ciência e historia. Proezas de uma percepção possível que não dominamos e que poderia nos levar a outra realidade. Um lugar onde o que vivemos aqui talvez fosse invertido. Tudo é um enorme enigma. Inclusive as mensagens que recebemos por telepatia acreditando em mediunidade.
- Sei, sei. Tô entendendo tudinho... 
- É sério, filha. Nós nos comunicamos permanentemente com o universo e suas forças. Alguns são mais capazes, outros menos. Todos têm essa capacidade. Pode acreditar que viemos do espaço e para ele voltaremos.
- Meu Deus! Sinto muito, mas não consigo acreditar nisso. Acho até que existem entidades invisíveis tipo fantasmas ou coisas assim, mas levar esse tipo de pensamento como lei não é nada lógico.
- Menina, a lógica está em acreditar na evolução e no conhecimento. A lógica está nos nossos pensamentos. Os extraterrestres me contaram e agora eu conheço meus medos e amarguras. O meu pensamento foi jogado no universo há tempos e flutua pelos ares. Tenha cuidado com os seus. Pense antes de fazer qualquer coisa e imagine tudo o que tem a perder se for fraca. A vida é um enigma, encontre a solução e vá adiante. Encontre o seu ponto de equilíbrio. Veja lá aonde está Sirius, ela é como a projeção da nossa alma em transito, ela energiza o nosso mundo de pensamentos de forma positiva. Sinta a energia dela e do cosmos e desperte seu espírito para uma vida tranquila."
    O vento começou a soprar mais forte na sacada e me fez espirrar. Resolvi entrar. E justamente por toda essa lembrança mística e cheia de encantos, que pude começar a pensar em finalmente me libertar da camisa de força, do escuro. Fechada em meu eterno mundo de medo e solidão, foi de onde pude me agarrar a uma nova esperança real e positiva. Estava agora diante de algo substancialmente sólido; algo me reintegrando ao que era significativo no período em que tudo de bom aconteceu conosco. Depois desse tempo talvez eu nem tivesse mais identidade própria e pairava permanentemente num vácuo que não me levou a lugar algum. O dia a dia era muito firme diante de uma única imagem - a que refletia apenas um falso mito criado por mim. Essa imagem era da figura lendária e com toda a beleza reconhecida nos detalhes físicos de cada traço de seu rosto bem desenhado pelos deuses: cavanhaque, bigode e sorriso irresistível. Você agia com tamanha maestria que era impossível lhe questionar suas intenções. Depois de um tempo passou a ficar constantemente de prontidão diante da minha curiosidade, mesmo quando dormia. Como bom estrategista descobriu que a melhor defesa era o ataque, e, com toda boa vontade dos meus esforços incontinentes em ouvi-lo, acabou tornando-se cada vez mais delirante em suas confissões convenientes. Foi justamente por esse motivo - algo extremamente delicado e embaraçoso - que nossa relação foi mudando aos poucos sem que eu percebesse ao tipo de gravidade que isso levaria. E quando você dormia, eu apenas observava, a metade da sua mente se elevava aos céus e a outra metade aos mais baixos labirintos do inferno. E eu, olhando assim o seu rosto inocente e puro, jamais seria capaz de descobrir tudo o que cercava os seus pensamentos nessa hora. Você, naquele transe praticamente mortal, parecia mais fascinante ao meu olhar. Através dos seus poros eu sentia que tudo o que escondia escorria se diluindo pelo ar; para depois voltar e cair sobre nossas cabeças. Às vezes, quando medito sozinha imagino tudo o que aconteceu e sou tomada de um pavor imediato e permanente. Tento convencer a minha consciência de que nada foi construído sobre o alicerce do cinismo. Em vão!
    Eu sabia que a sua aura se tornava fascinante e esplendida quando você queria e eu poderia mergulhar nela para nunca mais voltar, porque me sentiria seguramente a caminho do paraíso. Ao admirar o seu corpo descansando na cama do hotel, eu via através dos seus contornos que estava bem desenvolvido, musculoso e flexível, parecendo possuir um peso que não se podia medir a olho nu, no entanto, tinha um ponto de equilíbrio mais que humano, poder-se-ia dizer como de um pêndulo marcando o infinito. A sua respiração parecia tão profunda quanto o seu sono, como se estivesse acima ou abaixo da criação humana, da vivência animal ou da expansão vegetal: na verdade você era alguém afundando no mundo mineral onde a vida estava apenas a um degrau da morte. O que eu me perguntava era como conseguia dominar tão bem essa arte de ser impostor até mesmo nos sonhos, sem que em nenhum momento se traísse balbuciando inconfidências. Eu achava que estava dominando alguma técnica de controle desses sonhos, pois, quando eles vinham, automaticamente, você se desligava para o nada. Se qualquer pessoa tivesse o dom de abrir o seu crânio durante o sono, veria que ali residia “o nada”. Os seus segredos mais perturbadores nunca eram armazenados por muito tempo; tudo lá dentro parecia morto, humanamente morto e envolvendo o seu mundo ao redor de todos em loucura. Nesse momento, poderia viver eternamente com um universo criando falsas ondas de paixão e ilusão; através da indução de brilhos lunares e planetas etéreos, dando diferentes nomes aos falsos sentimentos que já vagaram na sua órbita suicida. Dentro dessa tenebrosa morte no sono, a sua pior intenção ficava magicamente intacta, e depois se renovava através de seus pensamentos em vida. E nesse sono os seus olhos tremulavam sob as pálpebras, mostrando o seu único sinal aparente de vida quando já parecia próximo de baixar ao túmulo. Logo em seguida, abrindo os olhos, ficava muito vivo e desperto, levantava num sobressalto, como se a luz lhe causasse um choque elétrico. Imediatamente entrava em total atividade, reclamando sem parar que a luz o aborrecia. Na minha mais pura verdade, eu acho que qualquer luz o aborrecia. Então você andava nu de um lado para outro em busca do vazio. O que mais me admirava é que você se mantinha perfeitamente controlado enquanto todo o nosso passado desfilava à minha frente, detalhe por detalhe, ditada pelo fino capricho em ser ouvida por mim mesma. Diante de mim a imagem da liberdade em busca de um tempo que nunca conseguimos vencer. 
     Na luz da manhã que já clareava a janela do hotel as coisas corriam bem, enquanto a impressão foi que estava vendo tudo de outra dimensão; um lugar de onde pendia o espectral silêncio da insanidade de um mundo esgotado por tanta carnificina dos maníacos e lunáticos de plantão, incluindo você e eu. Enquanto lá fora se desenvolvia toda a atividade diária do mundo mundano, nós comemos e ronronamos como dois gatos no cio. E você comeu desesperadamente como um súcubo que sempre necessita de energia para sustentar o vício. Que noite feliz! Com toda nossa carne ficando à amostra, regada à saliva, esperma e sucubação infinita havia muita pele para arranhar e carne para enterrar os dentes; ou, até mesmo, o pau duro procurando o meu buraco uterino para se encaixar. Acima de nós existia apenas o sonho do mundo irreal - filtrando a luz do céu com cor de sangue na minha imaginação e tom de bálsamo do mar para acalmar as dores. Iluminados por cores e calor, nós nos comemos mais e mais à vontade até nos fartar, ainda que o amanhã chegasse e nos encobrisse outra vez com seus raios sinistros, nós nem percebemos o tempo que passou. O seu semblante parecia o de quem nada pensava ou desejava, exceto, partilhar o sexo diante das paredes da nossa célula de sobrevivência. No momento seguinte eu imaginaria novas teorias e conspirações, ou um único grão de verdade, caso, isso fosse necessário para desvendar todo mistério. Mas as verdades que encontrei, juntando os grãos, não eram mais as minhas verdades, elas serviam para a vida de outra pessoa, alguém que talvez um dia voltasse a viver com você ou apenas aparecesse para fazer algo prazeroso após um telefonema. Assim ficamos à beira de um precipício que ligava dois pontos de um caminho, você e eu, como já disse, mas o vão sempre foi largo demais e o precipício apenas uma ficção. Vivemos num entreato, onde de um lado ainda restou a certeza de sempre voltar ao ninho do amor em qualquer tempo ou lugar e, do outro, demônios batendo suas enormes asas apontando o caminho da superfície - sem que eu soubesse o grande vazio que conheceria depois. 


  

O Pecado Capital Parte 02

                                           EPISÓDIO 2 (COMPUNÇÃO)

     Eu vi algo em você que jamais havia observado em outro homem. Vi o reflexo distorcido da minha própria imagem quando eu era apaixonada por ele.
     Tentei a todo custo não acreditar nisso com seriedade, pois seria como revelar o meu verdadeiro segredo - aquele que passei a vida inteira tentando esconder de mim mesma – as loucuras que fiz por amor.
     Eu sempre quis mostrar a você que eu era forte, não porque fosse uma mulher de opinião, mas sim porque sabia fazer o uso da força mental a meu favor. Porém, eu sabia que se me deixasse dominar com seus encantos, eu me sentiria totalmente capturada por seu charme. Talvez, por medo, fui pelo caminho errado e os pensamentos transformaram o belo em horroroso. Eu imaginava que seria melhor uma atitude monstruosa que liberta do que uma vida monstruosa que acorrenta alguém para sempre. Eu estava louca! Eu me sentia grande demais para parecer satisfeita com um relacionamento comum, precisava de mais. Precisava ir além daquilo que chamamos de dor. Eu queria fazer alguém sentir a dor da alma que senti, a dor de ser rejeitada por ele. Queria transferir por união química todo o veneno que me corroía por dentro.
     Eu sei que poderia ser bonita por fora, tinha todas as virtudes femininas admiradas pelos homens nos meus trinta e poucos anos, mas, o receio de demonstra-las publicamente me deixava estranha. Eu passei a ter uma postura dura que ia contra o que uma mulher busca do amor terno e da aceitação masculina.
     Eu reconheço que havia em mim toda a força do desejo na prática sexual com você – eu estava me soltando aos poucos no tempo que ficamos juntos. Acontece que por dentro eu estava tentando provar a mim mesma que era mais esperta que qualquer homem na face da terra. Eu me gabava da minha esperteza e me sentia grande demais para compartilhar da mediocridade alheia. Como fui tola! Nunca tinha parado para pensar que não era tão inteligente o quanto parecia. Por que, se fosse, jamais teria vivido por anos subjugada mentalmente por ele e, ainda assim, me achando dona da situação. Nunca teria esperado por ele tanto tempo desnecessariamente. Tempo para me  formar na faculdade, tempo para trabalhar, tempo para juntar dinheiro, tempo para esperar um momento mais adequado para casar. Jamais teria dado todas as minhas economias, nem emprestaria o meu nome aos seus parentes para compras a crédito, tampouco, acreditaria nele em nome de uma causa maior. Jamais teria aceitado a traição e agiria como se nada tivesse acontecido. Não diria a ele que nunca havia pensando em outro homem e que ele era o meu único sonho de vida.
     Nunca me dei conta que era escravizada sexualmente e mentalmente por ele, nunca pensei que fosse apenas parte de um jogo sedutor para dominar minhas vontades, porque simplesmente eu o amava.
     Eu não deveria me render como fiz – eu tinha tantas armas na mão. Só que ainda não havia aprendido que o mais importante era tentar dominar a mim mesma antes de tentar dominar um homem inteligente como ele. Abri mão de ardis femininos e aceitei suas tramas elaboradas. E mesmo que tivesse recolhido todo o meu orgulho intelectual por um tempo, jamais teria me submetido a tal situação. No fundo eu estava pior que uma pessoa cega que caminha sem bengala por uma rua esburacada. 
     Depois de todo o caos que eu vivi, passei a ser do tipo que não se deixa enganar por falsos encantos, muito pelo contrário, passei a ter um objetivo traçado em cada passo. Caso aceitasse um novo homem em minha vida, seria porque estava carente e sentia necessidade de sexo e atenção. Mas se ele fosse uma porcaria na cama, como foi aquele cearense meio bronco com quem saí umas duas ou três vezes, com certeza, não daria muito certo. Confesso que durante um tempo passei a usar os homens apenas como um instrumento da minha satisfação. Eu tinha sido tomada por um estranho impulso que nem sei de onde surgiu. Mas como a minha vida sempre foi feita de incidentes inexplicáveis nem me perturbei tanto com essa questão. Jamais eu saberia explicar porque tais coisas aconteciam comigo. Sei que é ridículo dizer algo assim, mas é a pura verdade. Se qualquer pessoa me contasse uma história como essa eu não acreditaria em uma letra sequer. Mas estou certa que nada disso me aconteceria caso ficasse presa dentro de casa esperando o destino bater à minha porta. E o pior de tudo é que sempre encontrei  pessoas com as quais me identificava, mas da classe social que a minha família ignora. Parece que tenho algo que as atrai, ou que ao mesmo tempo faz com que se submetam a mim. O fato de ser muito curiosa em relação à vivência dessas pessoas traz um certo charme misterioso na atração que elas têm por mim e eu por elas.
     Mas, quem eu queria não conseguia atrair de forma definitiva, por isso me chateava com facilidade. Ficava tão deprimida com as negativas dele que acabava ficando com vergonha de mim mesma. Não me sentiria assim se recebesse o valor que sempre esperei ou se ele tivesse me dado algum valor!
     Hoje minhas expectativas vão além de quem acha que um simples sorriso pode me conquistar. Todos ficariam surpresos quando me vissem correndo pela vida por pura empolgação. Talvez alguém que passou a me ignorar finalmente visse algum valor na minha mudança de atitude. 
     Com o passar do tempo chegou um pressentimento, algo que me acompanhava quando estava com o ele. Eu sabia que a qualquer momento eu o perderia e talvez nunca mais voltássemos a nos falar carinhosamente. Sabia que o perderia por amar demais. No fundo, minha conduta era de intransigência quanto aos “nãos” que ele me dava com grande freqüência e o jeito rude que passou a me tratar. O medo ia tomando forma dentro de mim, preenchia todos os lugares vazios e transbordava inseguranças. Tive muitas incertezas cruéis quanto ao seu comportamento - no inicio, ele era tão atraente e gentil, depois se tornou arredio e misterioso.
     Acontece que resolvi encarar aquela situação sem medo de sofrer, talvez tenha sido essa atitude que detonou a sua ira contra mim. Eu pensava inescrupulosamente, a minha base era o ódio misturado com o rancor que carregava dele após várias de suas tentativas de rompimento definitivo. Com esses ingredientes atropelaria quem me encarasse. Mal ele sabia que ninguém dá amor sem receber amor em troca, talvez, depois de praticamente 13 anos ele já houvesse esquecido essa lição. Os seus atos de abandonos freqüentes cheios de dissimulação me tornaram revigorada de forma negativa quando, praticamente, eu já estava descrente de tudo. Depois de meses de afastamento desempenhei o papel como uma boa criminosa o faz, fiz tudo no silêncio da dissimulação que aprendi com ele. Agi assim mesmo sabendo que esses atos fossem deploráveis e de intensa degradação para mim. O meu pai jamais poderia sequer imaginar que eu seria capaz de coisas que iam totalmente contra a educação que ele me deu. A minha mãe me alertou, eu não ouvi. Ela ficou hiper-chateada e rompeu comigo. Depois do acontecido ela estava transfigurada e completamente transtornada por eu não ter seguido seus conselhos. Falou num discurso interminável coisas que eu nunca imaginei que ouviria dela, enquanto isso, o restante da família me olhava com aquela mescla de piedade e zombaria que eu detestava. 
     De todos os males que sofri, a ausência dele no meu dia a dia era o menor de todos eles, pois eu também tinha que lidar com a instabilidade emocional desses membros da minha família que queriam a todo custo me corrigir.
     A minha caminhada em busca de novos objetivos na vida nem tinha começado, pois, havia um temor impessoal em relação ao mundo e a quem se aproximasse. Queria que todos fossem amigos das minhas tristezas. A minha cabeça estava como um porão cheio de miséria com ratos roendo restos do passado. Era uma festança interminável de tormentos que poderia durar a noite toda ou a vida inteira. Fiquei imaginando como poderia me apaixonar por outra pessoa carregando comigo a morte do meu mundo de sonhos. A noção aparente era a de que eu tinha um parafuso a menos.
    Raramente eu falava mais que duas ou três frases em meus novos relacionamentos que não contivessem alguma citação do passado. Eu me sentia como alguém de personalidade perdida no vácuo e congelada. Não havia em mim uma só fagulha de entusiasmo. As palavras eram confusas e misturadas - como se estivesse num jogo de achar palavra num emaranhado de letras.
      Por mais brilhante que fosse a minha massa acinzentada, alguma coisa não funcionava bem e precisava ser ajustada com urgência. O meu pensamento era um refém na mente irada que maltratava a carne. Eu não conseguia ordenar os pensamentos e agia continuamente sem saber a hora de parar. Não imaginava que poderia assumir um outro aspecto, ter uma outra perspectiva de vida e aprender a amar novamente. O meu grande ideal de encantamento era para o mal. O mal deixando para trás rastros de ódio. Eu me tornara alguém a ser evitada e odiada pelas pessoas. Porque, cada corpo que se deitava sobre o meu, não sentia mais que um cadáver no mármore do necrotério. O meu corpo não reagia e nada transmitia a quem se sujeitasse ao sexo sem graça que era oferecido.
     A dor daquele pensamento antigo não me largava – o meu pensamento dele com outra. O instinto me obrigava à entrega, mas meu olhar era sempre triste. Isso virou uma presença constante em minha vida. Eu ficava tão impressionada que sequer conseguia ordenar os pensamentos para o caminho certo. Olhava o que fazia e imaginava que mesmo sendo um cemitério ambulante, ainda tinha charme e poder atrativo, mas era desanimador não ter forças para mudar a dor da morte que tomava conta de mim.
      Muitas vezes eu imaginei que poderia me matar de verdade em qualquer daquelas noites, já que demonstrava todo o tempo que não tinha nenhuma razão para viver, exceto pela esperança de ter ele de volta ou, pior, poder me vingar fazendo com que ele sentisse dor pior que a minha com a minha ausência eterna. Por que eu ficava me iludindo? Eu poderia me livrar de toda a dor num simples ato de coragem. Muito sinceramente, eu achava que eu tinha essa divida com o mundo, com a minha família, comigo mesma. Deveria ter honrado! O meu pai já havia tentando se matar com uma arma de sua coleção por causa das minhas escolhas. Nada aconteceu, graças a Deus. Aquilo só ficou na ameaça. No entanto, foi um trauma para toda a família naquela época. Então, eu me imaginava dizendo: “Um dia eu farei o que ele foi covarde. eu me matarei. Sou apenas mais uma grande idiota no mundo que tem desejos impossíveis e que afetam os outros!”
     O que me segurava é que eu sabia que um dia o meu amor viria até mim em busca de um consolo, talvez viesse me pedir apoio emocional por ter brigado com a nova namorada 10 anos mais nova que eu. Mais cedo ou mais tarde ele viria chorar suas dores do amor não correspondido pela imaturidade dela. A minha sina era continuar muito viva para isso. Eu sabia que qualquer dia ele viria até mim. Nunca tive pressa. Um dia aconteceria e pronto. E aconteceu.
     Ahhh... Os ardis masculinos são diferentes dos femininos, mas também muito eficientes quando existe paixão e esperança do outro lado.
    Um belo dia ele me ligou e confessou suas dúvidas em relação aos sentimentos por ela. Então, ele parecia confuso, porém mais leve e bem calmo. Eu me senti novamente viva e disposta com a noticia. Daquele telefonema em diante eu mudei, fiquei com aspecto de gente bonita e feliz. Eu era uma mulher novamente encantada por um desejo realizado. Fiquei durante dias com  um sorriso perpétuo pregado no rosto; o que me deu total confiança na posição confortável em que me encontrava. Eu era uma pessoa entre um milhão que poderia novamente se sentir assim, eu era a escolhida dele, eu estava de volta ao jogo - ainda que fosse para uma finalidade ou outra do meu pensamento.
     Imaginei que formaríamos um lindo par romântico novamente e no futuro faríamos planos para nos casar e ter filhos, independentemente da vontade do meu pai e conselhos da minha mãe.
     Esperei muito por isso. Dentre tantos homens que me contemplaram e fizeram sexo comigo, ele foi o único que me fazia delirar com o verdadeiro prazer.
     Pois é, olhando você assim, nesse sono reparador após a nossa longa maratona de sexo, suor e rock and roll nessa noite de muita disposição, eu sei que me iludi mais uma vez com o pensamento impossível daquela reconciliação, ou do prazer da vingança que nutri tão intensamente. Imaginei que o tempo de ser acariciada no meio das pernas por algum estranho estava acabado e ele cederia aos meus encantos. Mas não foi bem assim, pouco tempo depois do que aconteceu nessa cena eu conheci você que agora inocentemente dorme ao meu lado enquanto penso tudo isso.
      Enfim... Eu sei que curti o melhor que pude aquele novo momento com ele.
     Nós armamos tudo direitinho: marcamos um encontro às escondidas da minha família e da namorada dele.
     Eu me lembro nitidamente da pele suave do rosto dele sendo tocada em meu rosto. Senti aquele tatear cuidadoso subindo lentamente pelo meu corpo naquela linguagem pegajosa que leva ao prazer. Ele conduziu a mão e os dedos por pontos cruciais que só ele conhecia. Aos poucos me elogiou e sussurrou baixarias bem baixinho no meu ouvido. Logo estávamos na cama completamente nus como antes. Ele enfiou alguns centímetros e eu me senti no céu. Estava satisfeita com o mais leve toque do sexo no sexo num pequeno tom de provocação. Abri mais as pernas e recebi tudo aquilo dentro de mim com uma emoção renovada. O meu problema era real e urgente – a distância que nos separou por tantos meses me consumiu e me deixou confusa numa profusão de sentimentos contraditórios sobre tudo. Ele parecia sentir mais tesão que antes. Isso me deixou totalmente encharcada. Eu queria gritar, mas silenciei. Interiormente pensei: “Agora estou completa, agora estou completa, me foda, me foda.... Somos dois e somos um.... Você me quer... Você é tudo de bom... Estou completa... me foda... Vai! .... foda... foda.... para sempre... Eu serei sua amante, serei seu joguinho e você será meu troféu, me foda como antes.. não pare! Enquanto você me amar talvez eu aceite ser a outra em alguns momentos da nossa vida!"   





terça-feira, 31 de julho de 2018

O Pecado Capital Parte 01

     "Amar é sofrer. Sobreviver a isso é encontrar um sentido para a vida no sofrimento. E essa tem sido a minha busca desde então". 

                                 Episódio 1 (Reminiscência)

     O nosso envolvimento começou em segredo, devido ao meu passado recente, apesar de há poucos meses eu ter completado 33 anos. 
     Acabou, muitos meses depois, em fracasso, testemunhado por todos ao nosso redor, quase meio ano após eu ter entrado nos 35. Quem saiu ganhando ou perdendo não é a questão, porque nessa situação ninguém perde ou ganha. Só existe a tristeza - apenas quem nunca amou gosta de discutir sobre quem perdeu ou quem ganhou. Apenas o tempo que um dia acabará revelando se valeu o sacrifício. Mas uma coisa é certa: viver tudo como foi pareceu incrivelmente corajoso. Então eu pensava: "Como eu vim até aqui?". Cheguei à conclusão que foi esse tipo de coisa que me fez querer ser realmente importante para alguém. 
     Fiquei acordada na última noite pensando sobre isso. E quanto mais pensava, menos entendia no que diabos virou a minha vida que se desmantelou do nada. É tão fácil entrar numa relação, mas é tão difícil sair e se libertar se você se envolve. É muito difícil... Difícil mesmo, quando a gente não se sente totalmente no comando. 
     Despertei nesta manhã com a imagem de algumas dores, que habilidosamente permearam minha mente num sonho, durante o curtíssimo período de sono. Havia um rosto. O rosto daquele que eu amei e perdi. Não aquele homem que eu verdadeiramente conhecera, mas aquele, que depois de anos de uma sofrida separação, havia ampliado a sua beleza da qual eu não conseguia me livrar. A foto dele na internet, - mais velho, mais sério, maduro – me comovia profundamente. A imagem do seu rosto na minha cabeça havia se tornado um fardo pesado demais diante das circunstâncias da separação traumática que tivemos. Todas aquelas boas lembranças  que eu preservei ainda me fazem girar lentamente na ponta dos pés. Os seus lábios se abrindo com sede do meu beijo eram extraordinariamente vívidos e quentes. Eram como lábios ansiosos de alguém que, tomado pela saudade, chega todo dia de algum lugar distante. E, assim como a dança ao vento de plantas exóticas que se contorcem à noite, nossos lábios, numa busca interminável, se encontravam num aperto sem fim. Quando eles se tocavam todas as feridas que sangravam se fechavam e não falávamos mais sobre o assunto de um ou outro desentendimento anterior. O nosso beijo afogava a memória de toda e qualquer dor, estancando e cicatrizando os ferimentos, fazendo a cura durar um tempo infinito no coração; mas, na prática era um tempo curto, um período entre duas opiniões diferentes, brigas ou apenas tudo voltando ao zero por qualquer outro motivo - fosse por insatisfação, ciúme ou desconfiança. Mas a noite era interminável para nós naquela época. E então, quando os obstáculos se colocavam entre a nossa felicidade, o que restava era a separação por um tempo. E no retorno, o que acontecia era encarar um ao outro por alguns segundos com olhar hipnótico, e logo em seguida a gargalhada da situação ridícula que provocamos. 
     Assim como anteriormente, os lábios úmidos se colavam e os olhos se fechavam como se estivéssemos unidos por uma longa corrente elétrica. Em nenhum momento parecia haver o menor domínio das nossas faculdades mentais. Tudo acontecia sem pensar, sem planejar; era a simples vontade de estar o mais próximo que pudéssemos um do outro. Era simples assim... Tão simples como o imã em seu magnetismo invisível aos olhos. 
     Nessa união quieta e carregada de emoção havia uma sensação que vagarosamente fazia as coisas se acalmarem de vez: o som da voz. Uma voz única que falava coisas que eu queria ouvir. Fácil de perceber logo de cara que naquele monólogo o que se falasse era por dois corações. Era como se os sentimentos fossem transmitidos e recebidos por duas fontes, mas com a mesma origem e finalidade.

     Então, um dia, tudo subitamente acabou. Um escuro profundo tomou conta da minha vida, era como o deslocamento noturno de uma avalanche na estrada. Eu parecia drogada, quebrada e num beco sem saída. Não conseguia voltar e nem partir. Vivia na cama com os olhos fechados e passava as imagens em repetição, como se visse uma procissão hipnótica desfilando seus fantasmas nas fronteiras do meu sono. Talvez por isso eu sempre acordava pensando em tudo como aconteceu. E lembranças estranhas de outras circunstâncias do mundo apareciam como manchas escuras e com rastros brilhantes diante dos meus olhos, como a passagem de fantasmas brancos tentando me acordar ou me levar para algum lugar de luz, sei lá... Mas no sonho sempre aparecia o rosto dele no momento em que havia me dispensado numa noite qualquer de junho. Ele a quem eu tanto amei havia me virado as costas. Ele, com seu olhar que sempre me seguia, orientava e protegia, naquele momento da notícia fatal, estava me transfixando como se fosse uma lâmina afiada – eu sabia que onde quer que eu fosse e por mais que tentasse, jamais conseguiria esquecer aquele momento. Aquele olhar, aquele segundo no tempo, permanecerá para sempre guardado na lembrança. Como eu o amava! Como eu me agarrava a ele! Como lutei por ele contra tudo e todos! E se acaso eu não​ tivesse rejeitado tantos conselhos do meu pai talvez nada disso tivesse se sucedido assim. 
      Existem dias em que o regresso a tantas lembranças é muito penoso. Ainda mais quando se está sob o domínio de certos detalhes fundamentais contra a própria vontade. É nesse momento que se aprende que a realidade, o presente, traz a percepção mais verdadeira que existe outro mundo que se prende no inconsciente e do qual não conseguimos nos libertar de vez.
      Assim, eu abri os olhos certa manhã e vi você deitado ao meu lado. Lutei freneticamente para não cair outra vez naquela condição de felicidade, que o sonho de estar ao lado de alguém tão especial me envolvia. Fiquei ao mesmo tempo tão magoada comigo mesma porque não queria que aquele mundo de sonhos, do qual fui rejeitada, voltasse a acontecer com outra pessoa, principalmente com você. Cheguei à beira das lágrimas. Fechei os olhos e tentei mergulhar novamente no mundo real para me livrar do sonho que virou pesadelo.
    "Era estranho..." Pensava comigo mesma enquanto fechava os olhos imaginando os motivos para estar ao seu lado na cama, que você, o homem a quem tanto devo a minha parcial recuperação daquele trauma, seja um livro hermeticamente fechado. Eu me perguntava o que você faria se estivesse em meu lugar. E, vira e mexe, tentava fazer a transposição de personagens - isso já havia me ocorrido outras vezes logo no nosso começo.
    Não sei porque eu pensava assim, mas tinha a sensação que você tinha sofrido alguma grande decepção que nunca me contou em algum período mais remoto da sua vida. Um grande amor frustrado, talvez. Sei lá... Mas, fosse o que fosse você não se tornara amargo. Talvez houvesse afundado e depois se recuperado para carregar as marcas que sumiram com o tempo. Mas, de alguma forma percebi, que em algum momento a sua vida havia sido alterada por algum acontecimento. Cheguei a isso juntando cada detalhe, botando de um lado o homem com quem eu estava na cama, e do outro lado o homem de quem eu capturava algumas histórias de vez em quando (em seus momentos de sensibilidade e lembranças do passado). Comparando um com o outro, seria impossível negar que se tratava de duas pessoas bastante diferentes. Todas as qualidades fortes e determinantes que você demonstrava eram como dispositivos protetores, usados não apenas por fora, mas essencialmente por dentro. Eu imagino que do mundo você tivesse muito pouco a temer. Estava nele e pertencia a ele, total e plenamente, com todo o seu vigor e disposição. Mas contra os desígnios do destino e do amor você com certeza se considerava impotente.
     Embora você parecesse ser uma criatura diferente das demais que conheci, e freqüentemente agisse como um idiota ignorante, ou parecesse esbanjar o seu tempo disponível com coisas fúteis, na realidade tudo o que você fazia ou dizia tinha uma importância determinante para a vida em andamento. E devo admitir que talvez nesse domínio você sinta ainda mais convicção por ter melhorado bastante o seu estilo. O aprendizado com a vida o havia suavizado e tornado forte. Era bom observador devido ao extraordinário interesse e simpatia pelo próximo. Imagino que nunca causaria dor em alguém desnecessariamente, não importando o que lhe tivessem feito. Primeiramente você procurava entender, aprofundar os motivos, mesmo quando eram os mais vis possíveis. Acima de tudo, devo confessar, você sempre foi um homem de extrema confiança em seus propósitos. Eu nunca consegui imaginar que tipo de tentação o tiraria do seu caminho. Outro ponto a seu favor para alguns e contra para outros, é que não demonstrava o menor desejo de ser outra coisa além do que podia ser. Quando queria a atenção de alguém começava a contar “causos” daquelas figuras que apareciam em seu ambiente de trabalho. Era capaz de contar uma história, depois outra, pulava de história para história com imaginação e riqueza de detalhes fora do comum. Eu sempre ficava exausta quando você começa a descrever algo que tinha acontecido há 2 ou 3 anos antes de nos conhecermos. Ficava cansada só de escutar, porque a cada passagem nem me dava a oportunidade de respirar um pouco e pensar sobre o assunto. Além do que, quando a história era interessante sempre havia interrupções quando chegava alguém. E eu era obrigada a esperar mais de meia hora pelo desfecho da tal cena inusitada. E, antes de continuar de onde havia parado, fazia uma regressão longa ponto a ponto do que já havia sido contado. A sua memória era prodigiosa e muito seletiva, é claro! Apesar de parecer chato aprendi muito com suas histórias noturnas das coisas que eu duvidava que você soubesse ou que tivesse algum domínio. Aos poucos fui adquirindo confiança para me abrir. E quando eu tinha confiança em alguém, ai, ai, ai... –  permitia pouco a pouco que as coisas da minha vida fossem reveladas. Confiando, é claro, que os assuntos permanecessem em segredo para sempre. Muitas vezes, no início, eu me perguntava como você conseguia criar esse tipo de empatia com pessoas, a ponto delas se aproximarem e confiarem seus segredos e intimidades. Era algo surpreendente. E eu ainda me perguntava por que demonstrava tanto interesse por criaturas problemáticas. Você era mesmo único! Acho que não cheguei a conhecer alguém, seja antes ou depois, que me abrisse os olhos de forma tão transparente para enxergar o que nunca havia percebido. Nem consigo me lembrar de alguém que tivesse tamanha paciência para moderar tão bem a crítica e o conselho. É bem curioso, agora que reflito sobre essas coisas, o quanto você simbolizava determinadas situações que deixamos passar sem notar. Parecem aquelas coisas da espiritualidade e leis cósmicas que nunca deixam de trabalhar a nosso favor. São as tais forças invisíveis que criam em nós atitudes que são implacáveis e justas, e, olhando por um outro prisma, ações que só trazem consigo generosidade.
     Deitada na cama, em mais um amanhecer ao seu lado, depois de mais uma noite de tirar o fôlego em que você bateu um "bolão", esses pensamentos tomaram conta de mim. E se algum dia eu disse que te amava era por que te amava do meu jeito, ao meu modo diferente de amar, e você precisava ter acreditado em mim. No entanto, jamais consegui deixar de imaginar que outra catástrofe irreparável poderia acontecer na minha vida. E eu tremia só de pensar em novos olhos emergindo da escuridão, tomando novamente conta dos meus sonhos e assombrando os pensamentos.



Cansado e Velho

Minha história gira em torno de mim mesmo, — uma vida quase nas portas do delírio na mente de muitos —, com o intuito único de conti...