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domingo, 21 de junho de 2020

Dear Miss C Capítulo 15

     “Abrace-me forte. Chore comigo todas as dores, as minhas dores são as nossas dores! Morda, belisque, por favor, me acorde do transe perpétuo em que o corpo flutua sem destino. Venha devagar e me segure firme no chão, mas venha com aquele casaco lindo que você escolheu em nossa passagem por Serra Negra. Toque-me carinhosamente com a boca quente e insaciável, aquele mesmo toque que sempre me leva de volta aos primeiros dias. Você está tão quente e com a pele tão sedosa, parece recém-saída de um banho de espuma. Por onde andou todo esse tempo? Por que me deixou para trás? Senti tanto a sua falta... Como foi que acabamos assim?”. (Ensaio das últimas palavras de Re a Miss C.)

     Alguns meses depois na sala de espera...

     -Boa tarde Renato, por favor, entre e acomode-se para começarmos mais uma prosa do seu tratamento.

    Caro doutor admiro muito o seu jeito informal de conversar com pacientes, isso é bom, quebra um pouco a inibição e a tensão inicial. Então... Vou começar com uma frase que me marcou bastante: “Nós sempre respeitamos a sua liberdade, a sua criatividade e a sua individualidade...” Frase dita pela minha mãe na última visita me fez na clínica.
     
     Creio que esse tipo de sarcasmo àquele que se sentiu em situação contrária a tudo o que consta na frase, não era a melhor estratégia para dado momento. Lamento que seus pensamentos - assim como de outros que a acompanhavam por dinheiro - formassem uma coisa nojenta e desprezível!
    Bem... É melhor deixar para lá... Eu rompi contato com ela há bastante tempo, tempo suficiente para que eu pudesse enxergar e analisar a verdade. E agora, com certeza, enxergo tudo com mais nitidez. O retorno ao convívio social me ajudou na recuperação do equilíbrio perdido mental e intelectual. Voltei ao mesmo trabalho de antes e vou levando a vida do jeito que posso. Nem sei onde arrumo tempo para me dedicar à obra social junto aos sem teto duas vezes por semana, mesmo assim vou em frente e continuo escrevendo contos e crônicas no retorno do trabalho ou da obra social. O interessante é que até hoje não entreguei à editora o final de Dear Miss C para que o livro fosse publicado - estou guardando até que um amigo que me ajudou assuma em definitivo a diretoria da editora e mude de cargo ou demita as pessoas antigas. 
    Ahhh, uma coisa: desculpe o atraso, mas é que peguei um trânsito horrível para chegar até aqui. Fui à Avenida Paulista buscar os ingressos para o show do Bon Jovi, marcado para o estádio do Morumbi em dezembro. Vou com a minha namorada que é super fã dos caras – ela acha o Jon Bon Jovi muito lindo – vê se pode uma coisa dessas! Consegui às duras penas 2 ingressos de cortesia com um rapaz freelancer da editora. Olha... Vou contar uma coisa: o deslocamento nesta cidade está ficando insuportável a qualquer hora do dia ou da noite  nibus- ônibus e metrô nem pensar. Porém, não há o que me faça perder o bom humor hoje, já que consegui os ingressos e o Corinthians venceu ontem mais uma partida no Pacaembu – eu estava lá pulando feito louco, completamente eufórico, ficando afônico nas cadeiras numeradas, mesmo debaixo de uma chuvinha chata. Aquilo mexeu com a  minha adrenalina,  uma bagunça misturada com celebração total na hora do gol. É, na saída do estádio, muito buzinaço, rojões e sinalizadores a dar com o pau.

     O doutor apenas observa a verborragia incontida com seu olhar analítico e enigmático.

   Sabe? Apesar desta segunda-feira chata, – Tell me Why, I don´t like Mondays!” – (Não ria por favor!) - por mais incrível que pareça, nesse finalzinho de tarde, o céu está mais azul do que de costume com o pôr do Sol demorado lá no horizonte. Isso é fantástico ,a vida é maravilhosa! Quando eu vinha para cá ouvia no rádio do carro a música “Ballad of easy rider” do grupo The Byrds. O senhor conhece? Hum... Acho que não conhece, não. O doutor tem cara de quem ouve Beethoven, Mozart, Chopin...


Nossa! Eu viajei nos pensamentos com aquele som meio country, enquanto o meu olhar se fixava na linda cena do astro rei caindo por detrás daquela nuvem estreita e espichada.

   Novamente o doutor apenas observa em silêncio, passa vagarosamente as pontas dos dedos no cavanhaque grisalho e cruza as pernas.


     Logo que entrei aqui no prédio, e subia as escadas às pressas, senti na pele os últimos raios solares entrando pela janela do primeiro andar. Mesmo com toda essa beleza da natureza, - quando a mão do tempo não hesita em atormentar a gente - parece que cada minuto se torna mais cruel que o anterior, e logo a escuridão toma conta e nos tira as cores da vida, isso chega a dar um arrepio e um desespero por dentro. Acho que aprendi novamente a ter medo do escuro. Não devo estar falando coisa com coisa, né? Liga não... É por que estou feliz. Muiiiiiitooo feliiiiizzzzz!!!!!

      - Recoste-se melhor no divã, tire os sapatos e relaxe um pouco. Deseja beber um pouco de água para amaciar a garganta?

      - Não doutor, eu me sinto bem disposto e ansioso para nossa conversa.


     - Ok. Então acomode-se e continue, mas antes permita que eu pergunte algo para darmos sentido à conversa e irmos amarrando os pontos.


     - Certo, doutor. Vamos lá. Estou bem confortável agora.


     - Então, diga-me: por que se sente ansioso e com tanta vontade de falar muito?


     - Ora, ora... Ansioso, por que estava angustiado em pensar que não chegaria aqui na hora certa. Eu sou chato é um pouco metódico, penso que cumprir o horário marcado é fundamental. E a vontade de conversar é porque não me sinto tão só quanto antes. Não tenho mais aquela sensação do processo de dissolução do corpo e da alma.


    - Explique isso melhor para que eu possa entender.

    - Vou tentar. Bem... Quando criar Miss C me fez entrar em mais uma das minhas crises de abandono, eu senti que não adiantaria resistir, indo contra os meus princípios, e mais, indo contra os meus próprios ideais, me reprimindo e me isolando do mundo. Eu não sabia ao certo como seria um caminho imaginário, mas a ideia mais importante era que eu precisava de uma série de projetos novos para seguir a vida. Não valia mais a pena ficar dando murros em ponta de faca, e nem me esforçar estando ao lado da mãe, - como já houvera feito antes - pois eu era falho, não era forte o bastante para dar um basta no domínio que ela tinha sobre mim e a minha arte. Não tinha encontrado o jeito certo de como fazer parar. No entanto, logo percebi que já nem era mais capaz de fantasiar qualquer coisa bonita em relação a tudo dentro do mundo de quatro paredes que criei. A realidade  dos fatos se tornara cruel e estava ido além da conta. Porém, se nada disso acontecesse assim, fazendo da fantasia a minha realidade momentânea, a fim de tentar passar ileso pela situação de cárcere que me foi imposta, todas as páginas, sequências e mensagens não existiriam, nem meus contos ou crônicas falando de tantas personagens existiriam, tudo estaria do mesmo jeito na minha vidinha comum e medíocre até hoje. No entanto, a criação foi um divisor de águas, o destino foi mudado a partir de então.


     Nesse hiato de tempo de criação e imaginação, à minha volta, tudo se materializava de um jeito diferente. Eu me sentia como se estivesse num palco enorme, recebendo um raio forte de luz branca que ofuscava a visão. Diante de mim havia uma multidão de rostos deformados murmurando, pessoas e mais pessoas falando ao mesmo tempo coisas que eu não conseguia entender. Então eu imaginava e criava suas imagens perfeitas, ao mesmo tempo em que me perguntava: “Como pode toda essa gente ter tanto a dizer uns aos outros e a mim e ela, a minha mãe (alguém que eu queria de verdade ouvir) nada tivesse a me dizer de bom?  Então doutor... A luz branca continuou cintilando de forma intermitente nos meus olhos durante muito tempo. E não adiantava me mover para fugir do seu foco. Para cada lado que eu virava, lá estava aquele flash contínuo diretamente dentro do meu cérebro. Até que chegou um momento em que tudo se apagou e só restou a escuridão. E se alguma réstia de luz sobrou daquele foco, manteve-se oculta, tristonha e muda. Apenas o meu peito denunciava que eu ainda era um ser vivo, e muito capaz de encontrar o caminho para fugir do que transformou minha mente criativa numa mente transtornada que me oprimia. Mas eu ainda não conseguia totalmente - e até certo ponto eu me contentava com aquilo - porque uma réstia de luz era melhor que nenhuma. Eu tinha apenas que aceitar e seguir um destino traçado.


   Ah, doutor. Quando eu escrevia sobre Miss C e para Miss C era porque eu tinha a esperança que uma personagem fria e muito difícil de conviver pudesse mudar minha visão a respeito da vida. Eu gostava dela, acreditava e fazia por onde situacoes improváveis acontecessem, pois eu a criei para isso. E se  nessa história eu parecia um desmiolado ao passar a impressão que ela era louca porque não me amava. Louco seria eu em dizer que qualquer um que não me amasse, ou que não gostasse de mim, pareceria uma pessoa louca - a questão era apenas o que a mãe começará a fazer por pura ambição. Não era um caso de amor não correspondido, nada disso, nunca foi! Há pessoas que não interpretam direito e às vezes tiram um fato errático do contexto levando à conclusão precipitada. A atitude é que torna uma pessoa louca ao olhar dos outros, o desequilíbrio está nas ações impostas por tal pessoa e não pelo relato em forma de fantasia do que sofreu.


- Como assim? Achei meio confuso. Explique melhor essa parte.


- Certo. Hoje pareço acelerado....rs.rs..rs  Continuando: a minha intenção era que Miss C, em seus primeiros momentos tivesse boas intenções, talvez até bons pensamentos e sonhos singelos. No entanto, suas atitudes eram ruins, eu diria: péssimas, na hora de colocar em prática tais intenções. Poderia dizer-se que ela aparentava ser uma boa pessoa, porém, com comportamento negativo, estranho e autoritário todo o tempo, devido à sua criação familiar. Isso mudava tudo na reação das pessoas para com ela, e na minha reação com ela e também diante da vida. 
Ahhhh doutor, o senhor nem imagina como eu fui paciente comigo mesmo. Como tentei superar e entender o jeito dela dentro da minha mente... Eu mantinha esperanças que tudo voltasse como antes, quando era criança.... Sabe o que é isso, doc? Eu deixava o tempo correr, dava o tempo necessário para voltar ao normal, mesmo que não houvesse motivo algum para ter saído do prumo, exceto a pressão por prazos de publicação.


 - Por isso escreveu as mensagens como se fossem o rascunho do livro, revelando o lado oculto de Miss C que os outros, ou a mãe, não viam em você como sendo seu alter ego?


- Sim doutor. Mas não é que os outros não viam em mim. Eles viam sim, por isso fugi. Todo mundo que convivia comigo sabia de tudo que acontecia, de como eu estava preso a compromissos que nunca assumi, pois nunca fui ambicioso ou desejoso de sucesso ou reconhecimento literário. O que eles não gostavam na situação, incluindo a minha mãe, é que alguém de fora apontasse os seus defeitos ou me enchesse de elogios ao ponto de atrapalhar o meu poder de criação e os lucros deles. 


     - O que eles fizeram?


     - Quando eu pensei que já estava tudo calmo e só restavam as cinzas do que escrevi, notei que uma chama começou a se erguer vindo debaixo das brasas. Era um tipo de insolência recheada com ameaça, ódio e vontade de me punir. Caro doutor, o negócio fedeu... Acontece que aquelas atitudes da minha mãe, em sempre provocar o meu internamento como objeto de chantagem, colocou mais combustível e ansiedade. Senti que as coisas poderiam ficar piores e descambassem para um desfecho que seria ruim para todos. Diante de ameaças tão explicitas, que tempos depois já não eram mais ameaças, mas uma realidade cruel,  resolvi parar com a escrita do conto em papel e escrevia em minha mente; metalizava, eu via as imagens diante de cada situação imaginada para a sequência. Fiquei alarmado comigo mesmo por tamanha facilidade. A personagem Miss C, em minha mente, saía do estado de tranqüilidade e indiferença aparente para a brutalidade e coação, o que imediatamente mudava o meu estado de humor. Ah, doutor, se alguma outra pessoa da minha família tivesse conversado comigo talvez nada disso teria acontecido assim. Qualquer pessoa... Até mesmo minha mãe poderia ter sido companheira e me dado abrigo e apoio. Mas como o senhor mesmo pode perceber parece que todos foram cúmplices,omissos ou envolvidos pelo forte poder de persuasão e mentira -que parecem verdades - que ela tem, preferindo convencer a todos que eu merecia ser internado, que só assim me curararia do surto psicótico, com o uso da terapia da escrita, e, por consequência, lhe entregando um  livro pronto. Eu havia sido contaminado pelo vírus da ambição latente dos que desejam de mim apenas o que de bom eu pudesse oferecer - o conto pronto. Eu era o homem comum que por conta do talento virou uma fera ferida e escondida. Hoje eu sei que os conflitos familiares que tivemos, antes e depois das minhas internações, tomaram uma dimensão que não se podia conter, com ameaças e imposições. Tornaram-se situações extremamente complexas que mereciam muita habilidade para se lidar, o que foi conseguido apenas com o conhecimento de advogados especialistas, contratado por um novo diretor da editora, que souberam como me liberar do cárcere e da tortura. E apesar de ter sido muito encorajado pelos advogados eu não quis mover processo contra ela. O desprezo dará conta do castigo, tenho certeza. Por isso fico sempre pensando: “Será que alguém teria coragem de fazer o que fiz? Uma pessoa tão simples e subjugada, desejando apenas criar e burilar histórias, sendo explorado por tanto tempo por outras pessoas que se sentiam tão soberbas e seguras de si?”


    Percebo que o tempo voou, mas demorou a passar aqueles momentos em que fiquei atolado até o pescoço com excessos de prosas que pareciam ininteligíveis e pessimistas, momentos nos quais me sentia como se a psique houvesse sido infectada pelo carma da vingança e da desesperança. E quando isso acontecia, a vida passava tão lentamente como se desafiasse os meus sentidos na retidão de pensamento à beira da insanidade. Eu tardiamente descobri que Miss C não era apenas a personagem constantemente presente em meus escritos e fantasias, mas acima de tudo o motivo da insônia que me levou ao tratamento do meu comportamento. O que, se teve o lado bom, ajudou no melhor entendimento do meu “Eu” interior e de saber quem realmente gostava de mim.

     - Hummm... Acho que este ponto da mãe e do alter-ego foi bem explorado. Mudando de assunto... Como vai seu novo namoro?


     - Vai muito bem. Temos muita interação. Percebemos até no olhar o que o outro deseja. Ela é uma excelente pessoa. É super educada, gentil, dedicada e bonita para o meu gosto. O que admiro muito no seu jeito, é que ela sabe perfeitamente o que quer do futuro. Ela é uma pessoa muito convicta.

- Os seus amigos do Camping e Miss C ainda fazem parte do seu pensamento e de suas atitudes no dia a dia? Espere um pouco! Não responda agora. Acabou o tempo. Levante-se devagar e calce os sapatos. Na próxima sessão a gente continua. Até a próxima segunda-feira, ok?
Não se esqueça de passar na recepção para agendar o horário.

- Ok, doutor. A nossa conversa me trouxe um grande alívio novamente. Tchau e até a próxima.


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Cansado e Velho

Minha história gira em torno de mim mesmo, — uma vida quase nas portas do delírio na mente de muitos —, com o intuito único de conti...