terça-feira, 31 de julho de 2018

O Pecado Capital Parte 01

     "Amar é sofrer. Sobreviver a isso é encontrar um sentido para a vida no sofrimento. E essa tem sido a minha busca desde então". 

                                 Episódio 1 (Reminiscência)

     O nosso envolvimento começou em segredo, devido ao meu passado recente, apesar de há poucos meses eu ter completado 33 anos. 
     Acabou, muitos meses depois, em fracasso, testemunhado por todos ao nosso redor, quase meio ano após eu ter entrado nos 35. Quem saiu ganhando ou perdendo não é a questão, porque nessa situação ninguém perde ou ganha. Só existe a tristeza - apenas quem nunca amou gosta de discutir sobre quem perdeu ou quem ganhou. Apenas o tempo que um dia acabará revelando se valeu o sacrifício. Mas uma coisa é certa: viver tudo como foi pareceu incrivelmente corajoso. Então eu pensava: "Como eu vim até aqui?". Cheguei à conclusão que foi esse tipo de coisa que me fez querer ser realmente importante para alguém. 
     Fiquei acordada na última noite pensando sobre isso. E quanto mais pensava, menos entendia no que diabos virou a minha vida que se desmantelou do nada. É tão fácil entrar numa relação, mas é tão difícil sair e se libertar se você se envolve. É muito difícil... Difícil mesmo, quando a gente não se sente totalmente no comando. 
     Despertei nesta manhã com a imagem de algumas dores, que habilidosamente permearam minha mente num sonho, durante o curtíssimo período de sono. Havia um rosto. O rosto daquele que eu amei e perdi. Não aquele homem que eu verdadeiramente conhecera, mas aquele, que depois de anos de uma sofrida separação, havia ampliado a sua beleza da qual eu não conseguia me livrar. A foto dele na internet, - mais velho, mais sério, maduro – me comovia profundamente. A imagem do seu rosto na minha cabeça havia se tornado um fardo pesado demais diante das circunstâncias da separação traumática que tivemos. Todas aquelas boas lembranças  que eu preservei ainda me fazem girar lentamente na ponta dos pés. Os seus lábios se abrindo com sede do meu beijo eram extraordinariamente vívidos e quentes. Eram como lábios ansiosos de alguém que, tomado pela saudade, chega todo dia de algum lugar distante. E, assim como a dança ao vento de plantas exóticas que se contorcem à noite, nossos lábios, numa busca interminável, se encontravam num aperto sem fim. Quando eles se tocavam todas as feridas que sangravam se fechavam e não falávamos mais sobre o assunto de um ou outro desentendimento anterior. O nosso beijo afogava a memória de toda e qualquer dor, estancando e cicatrizando os ferimentos, fazendo a cura durar um tempo infinito no coração; mas, na prática era um tempo curto, um período entre duas opiniões diferentes, brigas ou apenas tudo voltando ao zero por qualquer outro motivo - fosse por insatisfação, ciúme ou desconfiança. Mas a noite era interminável para nós naquela época. E então, quando os obstáculos se colocavam entre a nossa felicidade, o que restava era a separação por um tempo. E no retorno, o que acontecia era encarar um ao outro por alguns segundos com olhar hipnótico, e logo em seguida a gargalhada da situação ridícula que provocamos. 
     Assim como anteriormente, os lábios úmidos se colavam e os olhos se fechavam como se estivéssemos unidos por uma longa corrente elétrica. Em nenhum momento parecia haver o menor domínio das nossas faculdades mentais. Tudo acontecia sem pensar, sem planejar; era a simples vontade de estar o mais próximo que pudéssemos um do outro. Era simples assim... Tão simples como o imã em seu magnetismo invisível aos olhos. 
     Nessa união quieta e carregada de emoção havia uma sensação que vagarosamente fazia as coisas se acalmarem de vez: o som da voz. Uma voz única que falava coisas que eu queria ouvir. Fácil de perceber logo de cara que naquele monólogo o que se falasse era por dois corações. Era como se os sentimentos fossem transmitidos e recebidos por duas fontes, mas com a mesma origem e finalidade.

     Então, um dia, tudo subitamente acabou. Um escuro profundo tomou conta da minha vida, era como o deslocamento noturno de uma avalanche na estrada. Eu parecia drogada, quebrada e num beco sem saída. Não conseguia voltar e nem partir. Vivia na cama com os olhos fechados e passava as imagens em repetição, como se visse uma procissão hipnótica desfilando seus fantasmas nas fronteiras do meu sono. Talvez por isso eu sempre acordava pensando em tudo como aconteceu. E lembranças estranhas de outras circunstâncias do mundo apareciam como manchas escuras e com rastros brilhantes diante dos meus olhos, como a passagem de fantasmas brancos tentando me acordar ou me levar para algum lugar de luz, sei lá... Mas no sonho sempre aparecia o rosto dele no momento em que havia me dispensado numa noite qualquer de junho. Ele a quem eu tanto amei havia me virado as costas. Ele, com seu olhar que sempre me seguia, orientava e protegia, naquele momento da notícia fatal, estava me transfixando como se fosse uma lâmina afiada – eu sabia que onde quer que eu fosse e por mais que tentasse, jamais conseguiria esquecer aquele momento. Aquele olhar, aquele segundo no tempo, permanecerá para sempre guardado na lembrança. Como eu o amava! Como eu me agarrava a ele! Como lutei por ele contra tudo e todos! E se acaso eu não​ tivesse rejeitado tantos conselhos do meu pai talvez nada disso tivesse se sucedido assim. 
      Existem dias em que o regresso a tantas lembranças é muito penoso. Ainda mais quando se está sob o domínio de certos detalhes fundamentais contra a própria vontade. É nesse momento que se aprende que a realidade, o presente, traz a percepção mais verdadeira que existe outro mundo que se prende no inconsciente e do qual não conseguimos nos libertar de vez.
      Assim, eu abri os olhos certa manhã e vi você deitado ao meu lado. Lutei freneticamente para não cair outra vez naquela condição de felicidade, que o sonho de estar ao lado de alguém tão especial me envolvia. Fiquei ao mesmo tempo tão magoada comigo mesma porque não queria que aquele mundo de sonhos, do qual fui rejeitada, voltasse a acontecer com outra pessoa, principalmente com você. Cheguei à beira das lágrimas. Fechei os olhos e tentei mergulhar novamente no mundo real para me livrar do sonho que virou pesadelo.
    "Era estranho..." Pensava comigo mesma enquanto fechava os olhos imaginando os motivos para estar ao seu lado na cama, que você, o homem a quem tanto devo a minha parcial recuperação daquele trauma, seja um livro hermeticamente fechado. Eu me perguntava o que você faria se estivesse em meu lugar. E, vira e mexe, tentava fazer a transposição de personagens - isso já havia me ocorrido outras vezes logo no nosso começo.
    Não sei porque eu pensava assim, mas tinha a sensação que você tinha sofrido alguma grande decepção que nunca me contou em algum período mais remoto da sua vida. Um grande amor frustrado, talvez. Sei lá... Mas, fosse o que fosse você não se tornara amargo. Talvez houvesse afundado e depois se recuperado para carregar as marcas que sumiram com o tempo. Mas, de alguma forma percebi, que em algum momento a sua vida havia sido alterada por algum acontecimento. Cheguei a isso juntando cada detalhe, botando de um lado o homem com quem eu estava na cama, e do outro lado o homem de quem eu capturava algumas histórias de vez em quando (em seus momentos de sensibilidade e lembranças do passado). Comparando um com o outro, seria impossível negar que se tratava de duas pessoas bastante diferentes. Todas as qualidades fortes e determinantes que você demonstrava eram como dispositivos protetores, usados não apenas por fora, mas essencialmente por dentro. Eu imagino que do mundo você tivesse muito pouco a temer. Estava nele e pertencia a ele, total e plenamente, com todo o seu vigor e disposição. Mas contra os desígnios do destino e do amor você com certeza se considerava impotente.
     Embora você parecesse ser uma criatura diferente das demais que conheci, e freqüentemente agisse como um idiota ignorante, ou parecesse esbanjar o seu tempo disponível com coisas fúteis, na realidade tudo o que você fazia ou dizia tinha uma importância determinante para a vida em andamento. E devo admitir que talvez nesse domínio você sinta ainda mais convicção por ter melhorado bastante o seu estilo. O aprendizado com a vida o havia suavizado e tornado forte. Era bom observador devido ao extraordinário interesse e simpatia pelo próximo. Imagino que nunca causaria dor em alguém desnecessariamente, não importando o que lhe tivessem feito. Primeiramente você procurava entender, aprofundar os motivos, mesmo quando eram os mais vis possíveis. Acima de tudo, devo confessar, você sempre foi um homem de extrema confiança em seus propósitos. Eu nunca consegui imaginar que tipo de tentação o tiraria do seu caminho. Outro ponto a seu favor para alguns e contra para outros, é que não demonstrava o menor desejo de ser outra coisa além do que podia ser. Quando queria a atenção de alguém começava a contar “causos” daquelas figuras que apareciam em seu ambiente de trabalho. Era capaz de contar uma história, depois outra, pulava de história para história com imaginação e riqueza de detalhes fora do comum. Eu sempre ficava exausta quando você começa a descrever algo que tinha acontecido há 2 ou 3 anos antes de nos conhecermos. Ficava cansada só de escutar, porque a cada passagem nem me dava a oportunidade de respirar um pouco e pensar sobre o assunto. Além do que, quando a história era interessante sempre havia interrupções quando chegava alguém. E eu era obrigada a esperar mais de meia hora pelo desfecho da tal cena inusitada. E, antes de continuar de onde havia parado, fazia uma regressão longa ponto a ponto do que já havia sido contado. A sua memória era prodigiosa e muito seletiva, é claro! Apesar de parecer chato aprendi muito com suas histórias noturnas das coisas que eu duvidava que você soubesse ou que tivesse algum domínio. Aos poucos fui adquirindo confiança para me abrir. E quando eu tinha confiança em alguém, ai, ai, ai... –  permitia pouco a pouco que as coisas da minha vida fossem reveladas. Confiando, é claro, que os assuntos permanecessem em segredo para sempre. Muitas vezes, no início, eu me perguntava como você conseguia criar esse tipo de empatia com pessoas, a ponto delas se aproximarem e confiarem seus segredos e intimidades. Era algo surpreendente. E eu ainda me perguntava por que demonstrava tanto interesse por criaturas problemáticas. Você era mesmo único! Acho que não cheguei a conhecer alguém, seja antes ou depois, que me abrisse os olhos de forma tão transparente para enxergar o que nunca havia percebido. Nem consigo me lembrar de alguém que tivesse tamanha paciência para moderar tão bem a crítica e o conselho. É bem curioso, agora que reflito sobre essas coisas, o quanto você simbolizava determinadas situações que deixamos passar sem notar. Parecem aquelas coisas da espiritualidade e leis cósmicas que nunca deixam de trabalhar a nosso favor. São as tais forças invisíveis que criam em nós atitudes que são implacáveis e justas, e, olhando por um outro prisma, ações que só trazem consigo generosidade.
     Deitada na cama, em mais um amanhecer ao seu lado, depois de mais uma noite de tirar o fôlego em que você bateu um "bolão", esses pensamentos tomaram conta de mim. E se algum dia eu disse que te amava era por que te amava do meu jeito, ao meu modo diferente de amar, e você precisava ter acreditado em mim. No entanto, jamais consegui deixar de imaginar que outra catástrofe irreparável poderia acontecer na minha vida. E eu tremia só de pensar em novos olhos emergindo da escuridão, tomando novamente conta dos meus sonhos e assombrando os pensamentos.



5 comentários:

  1. Quantas coisas aconteceram para que essa pessoa agisse dessa forma? Quando se termina um relacionamento de muito tempo vem a Filofobia.Dificil entrar e mum relacionamento sem saber ao certo que realmente sentimos. De repente você conhece alguem e se apaixona e aí vem o medo (Filofobia) e o que você faz? Se afasta de medo porque a pessoa talvez não tenha passado a segurança que queria. Momentos bons não serão esquecidos, ficarão na mente. Essa pessoa jamais irá esquecer a quem lhe deu tanto prazer.

    ResponderExcluir
  2. Boa noite, quanto tempo demora pra perceber, se vale a pena dar continuidade em um relacionamento casual?
    No começo tudo é novo e empolgante. Mas, com passar do tempo , o comportamento e pensamento mudam. Tudo torna sem sentido, parecendo um saco vazio. Antes, buscava apenas o sexo, prazer. Isso desgasta qualquer relação mesmo não tendo comprometimento de ambas as partes.
    A moça descrita dá à entender que não só queria noites de urgias, sim algo muito mais sublime, que poucos homens sabem oferecer .
    Quando se tem uma certa idade , amadurecemos que podemos ter muito mais que sexo.
    Andrea Cardoso .

    ResponderExcluir
  3. Desde de quando que amar é sofrer? ?Pelo contrário, está dando oportunidade de sensações inebriantes. Precisamos nos arriscar, só assim que vamos saber que estamos indo ao rumo da felicidade. E não se arrepender de nada, tudo serve como experiência na vida. Quem se fecha, só vegeta. Paula.

    ResponderExcluir
  4. Que noticia maravilhosa ,sabre que voltou a escrever seu autor! Muito tempo, longe dos seus contos. Sou fã de carteirinha. Leticia

    ResponderExcluir
  5. Patricia Ramos Sodero27 de agosto de 2018 às 21:42

    Olá,Sr.Autor!Que prazer em rever seus contos!E voltou com força total,hein?Bom...Vamos falar do conto.Uma mulher que hoje está em uma relação que lhe traz confiança,segurança,porém,seu passado ainda lhe incomoda,por justamente o medo ser maior que seus sentimentos.Medo de se decepcionar,sofrer,por se envolver,sem saber ao certo de quem se tratava.Tudo era muito perfeito,mas assustador.Bastava um minuto de quietude para que as lembranças voltassem.O que ela tinha que ver e pensar,é que são dois homens totalmente diferentes em suas atitudes;mas que na cama...Talvez,por ela se "abrir"mais agora do que antes,tenha medo de que ele a abandone,sabendo sua estória.São experiências diferentes.E quem disse que amar não é sofrer?Não podemos viver do passado,claro.Mas quando encontramos um amor verdadeiro,onde se espera o mesmo,demora a entender que podemos encontrar um alguém que podemos amar e ser feliz novamente.Temos que acreditar em nós mesmos.Isso que está dificultando a vida dessa mulher...o conflito em seu subconsciente.
    Muito bom esse conto.E pelo visto,teremos muitos capítulos a frente.Muita coisa para acontecer.
    Parabéns e agora espero que continue a escrever.Bjs e até o próximo.

    ResponderExcluir

Cansado e Velho

Minha história gira em torno de mim mesmo, — uma vida quase nas portas do delírio na mente de muitos —, com o intuito único de conti...