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quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Tenho Comigo O Mal...

       Eu tenho o mal! Tenho o mal na alma que um dia foi pura. Eu tenho... 
    Há alguém na minha cabeça que não sou eu. 
    Ninguém acredita, mas a voz, como o retumbar de um trovão numa tarde vazia, mexe com a minha imaginação. 
    Sinto imediatamente o processo de rejeição ao qual sou submetido e sei que é preciso encarar todos os fatos de frente novamente - prós e contras que abalam por dentro fazendo aceitar as soluções mais fáceis como um trunfo definitivo. 
   Posso dizer que de um encontro noturno nasceram todos os desencontros... Talvez se tivesse sido um momento reservado à meia-luz não fosse assim. Foi num emaranhado de mentiras que nos deitamos para realizar a conjunção carnal bíblica, tudo de acordo com a antiga tradição. Não tínhamos rostos e nem nomes, apenas corpos febris se comportando em maluquices. Qual seria o motivo que nos levaria ao ato mais profundo do desejo da carne? Curiosidade?

     Aquele que conhece com exatidão toda essa verdade de esmiuçar curiosidades vive em outro mundo. Um mundo no qual tem a imponência do seu status de rei. Ele é o único. Aparece e desaparece no meio dos pensamentos. Ele é dramático, é quase um profeta... Chega de mansinho, dá tapas nos ombros, mostra suas garras, a doçura do seu veneno e abre caminhos.
     Virei um lunático, como ser imaginário da minha realidade, depois que nos unimos um ao outro. Ele se transformou de repente em um animal, é um gato.

     Tudo o que fui antes agora não tem mais a menor importância. 
     Ao olhar em seus olhos imóveis e seu corpo nu faço uma viagem profunda ao centro das origens dos desejos insanos. Vejo a luz abandonando seu reflexo sem uma única lágrima no olho. Vejo a carne e bebo o sangue na caminhada rumo ao desconhecido. Sou livre e perigoso. Agora tenho o mal comigo! Apresento meus desejos, mas com vícios antigos.      
     Estou numa longa marcha; uma caravana de gente sem feições; um exército de milhões de seres caminhantes, como se fosse uma maldição enquanto todos olham fixamente tentando ler meu próximo ato. Mas só se vê areia ou concreto num céu vertendo sangue em cachoeiras.

     Continuo caminhando como se estivesse num grande tapete ondulante. Um tapete que arde em chamas com tanta intensidade que transmite silenciosamente a sensação de que ninguém pode sobreviver. Mas já estou morto e meu sangue jorra no ar numa das mais cruéis experiências. Em poucos segundos estou seco e queimado; caminho como se nada houvesse acontecido numa trama de mentiras. Tento repelir os pensamentos, deixar o que foi para trás. O tempo se encarrega de desfazer pouco a pouco as lembranças do momento anterior e o meu delírio vai bem além das fronteiras da noção perfeita, pois não há escapatória, eu tenho 
o mal comigo.

     De repente toda uma legião de caminhantes entoa um canto de desespero ao sentir minha aproximação. A turba se movimenta numa dança formando um redemoinho profundo e retumbante; por ali caem os mortos. E vão caindo de forma robotizada; como se fossem marionetes soltos se movimentando no vazio, jogados de um lado para outro até desaparecem no meio do nada. E eu apenas observo do topo. 

     Lá no fundo da mente há uma explosão permanente, lugar que verte essências perversas dos corpos já decompostos, há cinzas pairando no ar que desenham lentamente uma nuvem pálida que sobe e desce. Então meu olhar percorre até uma fedorenta nuvem permanente. Lá estão pernas, braços, troncos e cabeças decompostas que flutuam. Toda essa cena parte meu coração. Vivo nas trevas. 
     Estou em um labirinto de lamúrias e peregrinações. Não vislumbro o céu azul, nem a chuva fresca ou o aroma dos lírios do campo. O sol não brilha e as plantas não brotam. Tudo é a mesma coisa, é negro e vermelho.

     Uma maldita injustiça toma conta dos pensamentos- um pensamento que poderia ter sido bonito se fosse dado algum sentido à vida. Mas eu sou sádico e inescrupuloso. Eu sou aquele que acha as palavras para as próprias tristezas e diz a si mesmo e a quem não pode mais ouvir: lamento muito! 
     Eu nem sempre fui assim: cego e burro. Eu nem sempre tive essas imagens na mente e esse brilho nos olhos. É tão curioso como isso transcorre agora sem que eu sequer tivesse desejado ver esse mundo cruel, sentindo de perto o seu hálito e o gosto da sua carne.

     Lá fora há tantos transtornos e confusões e eu sei bem o quanto meu mundo real já foi triste. Por que tenho que ver e viver esse outro mundo também? 
     Caio na gargalhada. Descubro que ainda sei sorrir desde que você partiu. Continuo sorrindo sem sair do lugar. Um aperto profundo move meu coração quando lembro da nossa conjunção carnal bíblica. Que ironia...

     Tudo parece não passar de uma simples brincadeira de criança, a criança que eu sou e que só agora percebe o desencanto da vida. A criança que nunca teve a própria identidade representada nos espaços vazios e frágeis de uma vivência simples. Portanto, só por essa semelhança com o vazio, me sinto forte e ampliado para a vida, apesar de totalmente reduzido e impotente frente aos presságios que me acometem segundo a segundo e minuto a minuto, porque eu tenho comigo o mal de ter em minha cabeça alguém que não sou eu. Eu não mais me pertenço! 
     Uma pena que meus últimos minutos não tenham sido tão altruístas ao ponto de me permitir penetrar em seu ser pela porta luminosa naquele breve instante à meia-luz.




Cansado e Velho

Minha história gira em torno de mim mesmo, — uma vida quase nas portas do delírio na mente de muitos —, com o intuito único de conti...