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quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Eterna Solidão

      Os seus olhos estão vivos, praticamente com uma vivacidade doentia. Neles se vê que tudo já foi decidido. 
     Há agora alguma doçura em sua postura soberba, talvez até uma magia estritamente sedutora. O seu sorriso é um sorriso sem dentes, algo meramente contido e reprimido pelo entusiasmo do que virá. Você ainda vive a excitação, - mais ou menos inconformada do momento mais sublime na entrega da noite passada, - e reflete agora que não foi lá grande coisa, tendo em vista a expectativa criada - pois, talvez, quisesse viajar até as nuvens ou qualquer lugar onde mais nada importasse além de um sonho de felicidade. Mesmo assim abre bem os olhos para não perder de vista feridas do passado, as quais, infelizmente, você nunca teve coragem de se desembaraçar. Relembrar é como se a morte estivesse presente. Mas você é forte, não treme e nem fraqueja com o coração sangrando.
      É engraçado como nunca chegou a imaginar que o tal amor não seria eterno, vivendo cada sensação como se o tempo fosse inacabável. Sabe agora que tudo tem seu preço na escalada do destino, e em breve sentirá uma razão maior em cada nuance da vida. 
      Os seus lábios ainda queimam e o pensamento arde com um tipo de desejo incontrolável - uma mistura de espiritualidade com êxtase sexual. A mente continua alerta, o corpo ainda vive para um tipo de desenvoltura ingenuamente aflorada ao despir-se com naturalidade e deitar-se na posição correta. Sente os cabelos beijados de maneira cuidadosa, puxados e enrolados por um punho firme, o ritmo das mãos e unhas, como um chicote em chamas, deslizando em cada palmo das costas. No toque dos dedos penetrando o seu sexo, sente no rosto a lágrima solitária desenhando o caminho já marcado por outras tristezas que sempre foram além de simples marcas na carne. Segue em silêncio nesse labirinto sem o fio de regresso, faz aos poucos a mente vaguear, pedindo misericórdia até desembocar num prazer doído e quase choroso.
    Foi-se o momento do martírio, passou no decorrer de um segundo, a angústia tardia e desesperadora tornou-se visível em seu delírio de falsa paixão.
    Você outra vez conheceu a força de vontade de seguir em frente, fosse do poder advindo do prazer da carne ou da devassidão do corpo nas solitárias lutas noturnas e secretas, - quando aos poucos suspirava e sorria pelos sonhos bons e eróticos - único momento em que se permitia o prazer sem culpa.           
    Mais uma vez respira fundo e se  prepara para nova batalha, talvez contra si mesma e seus instintos. Finalmente toma coragem e vai, segue a imaginação de cada um que chega com olhos sedutores e corpo suado, quais você se permite devorar com os olhos por horas a fio, criando situações e posições num eterno tom de suspiro e esquecimento de tudo.
     Entre frases curtas e sedutoras não esquece que um dia houve um punhal enfiado em seu coração; ainda permanece fincado lá. E desde aquele momento caiu uma névoa espessa em sua vida, vida anteriormente regrada. E no seu último sacrifício de luxúria e prazer, trouxe consigo o desejo real: a inspiração para continuar experimentando e se deixando tocar cada vez mais até sentir-se completamente saciada. Você manteve a vontade de fazer repetidamente por um tempo sem fim, até que um dia conseguisse finalmente o verdadeiro alívio emocional – o que de verdade só viria com a recompensa feita do ato a dois com o escolhido pelo coração em pedaços. 
     Nesse seu olhar vivo ainda há o silêncio daquela morte sentimental prematura. Parece que nada sobreviveu além do rancor que existe na visão a respeito do mundo e das paixões eternas. Há muito tempo se mantém assim, mesmo quando o seu único desejo aparente seja o da busca incansável pelo esquecimento do que passou. A sua atitude causa em si mesma repulsa e não há uma explicação lógica que possa salvar sua mente da dor. Você ainda sente a realidade meio entorpecida e geme como se fosse uma criança inocente num sonho profundo - a noção do certo e errado não é perfeita, pois o seu prazer foi maculado pela degradação feita naquela entrega sem mistério ou delicadeza; ação tida como ordinária, apenas pelo prazer momentâneo e depois da dor sem fim. Existe dentro de si a imagem de algo que a distancia do pensamento e a aproxima da lembrança da última fatalidade no dia em que chorou em desespero. Em sua desgraça permanente sente o efeito do remédio que criou para acalmar a própria mente que nunca se cansa de pedir justiça, - em seus lampejos brilham focos de saudade quando uma mão praticamente estranha pousa sobre seu ventre amplo e desnudo - revela-se assim todo o mistério e delicadeza de um corpo exteriormente são, no qual as memórias vão se tornando remotas a cada dia, mas continua passado na mesma rotina.
   Presa dentro da gaiola que criou se debate como um pássaro agonizante. Delira e se contorce em seu maior momento de força interior e resistência moral. Mas há um sentimento obscuro que é maior que a busca pelo desligamento - consente por alguns momentos a si mesma matar os resquícios de consciência de um passado surrado e vivido na ignorância, mas logo tudo volta como uma nuvem negra sobre a cabeça. Com esse rancor na alma, persiste na dor mais intensa, a dor da perda do mais valioso bem que era só seu, fazendo-a  tornar-se irreconhecível diante de si mesma, ou de quem testemunhou sua vida no momento de felicidade.
    Das trevas tenta liberar o seu transe humano enquanto o tecido carnal rasga, estica e cria vincos. As manchas roxas aparecem pelo corpo, em cada mancha a noção da armadilha cruelmente atroz contra si mesma, pois a vida não se expande conforme o seu desejo mais íntimo, e nem de qualquer coisa que a livre do martírio sem fim. O ódio misturado com ressentimento infiltrava-se mais uma vez em seu cérebro evoluído, tornando-o uma máquina de produzir ideias destrutivas para seu corpo, que parece um corpo sem sentidos, mesmo quando todas as vozes do mundo gritam em seus ouvidos e vão além -  ecoam distante para que os outros se aproximem, aproveitem e compartilhem sua solidão. 
     E tudo recomeça do zero.
    Em mais uma falsa excitação rumina desespero num choro interior, fica distante de tudo que parece puro e limpo; novamente se sente tão só como em nenhuma outra oportunidade da vida. Assim permanece por horas e horas cumprindo seu percurso sem fim de canto a canto do seu lar. Momento em que em seus sonhos e desejos inconfessáveis, aquele que desejar poderá ser seu dono pelo tempo que quiser.
    Quando foco novamente em seus olhos você emite um olhar que não sei se é de loucura mansa ou de ar de ausência. O seu coração parece pacificado numa ressonância profunda que emana calores e suspiros - como a última sensação de um adeus anunciado em que o cheiro impregna a pele e se firma na ponta dos dedos depois de um tempo. A poeira e o suor misturaram-se à lembrança do cheiro acre natural da excitação e do seu perfume escolhido a dedo para o momento da entrega. Você se torna distante e mais nada sei sobre a sua verdade ou os seus desejos. Por isso imagino que continua em sua busca eterna. Em cada novo toque o prazer a consome por dentro e pergunta a si mesma: “O que faço agora?”.             
      Ao sair percebi de relance que manchas amarelas estavam no lençol e no colchão manchado por sêmen da noite anterior. E você, com o coração leve por alguns instantes, arde em lamentação interior como a chama mais quente do inferno, esperando que esses momentos terminem logo.
    Mais uma vez, ao chegar em casa, você se deita devagar, absolutamente entediada de tanto sexo solitário e aborrecido, num cenário em que os vermes rastejam nus pelos bastidores do seu corpo inerte. Aos poucos oferece encorajamento a si mesma com um simples pensamento, pois o seu desgosto por essa vida parece tão grande que não consegue expressar de outra forma tanta tristeza. Em plena escuridão relaxa novamente e dá sequência ao velho vício - faz automaticamente enquanto imagina olhos arregalados tentando admirar os seus seios pequenos e suas pernas se apertando uma contra a outra enquanto elogia sua beleza e inteligência. Aos poucos fecha os olhos para que venha à mente um corpo grande balançando por cima em um ritmo alucinado - que ele faça seus quadris se mexerem juntos com o dele. O pensamento mergulha nos mais loucos devaneios esquecendo tudo o que de verdade aconteceu e acontece em sua vida. Do nada, toda a fúria se interrompe de repente e você pára, o devaneio acaba e nova maratona se inicia com o mundo belo desaparecendo sobre suas vistas. Em sua mente um membro duro e grosso rasteja e esfola dia e noite sem parar, num vai e vem contínuo e permanente de bate estaca. Você não sente nenhuma dor quando braços fortes a apertam com mais força, mais calor, mais emoção e, naturalmente, se mexe para cima e para baixo no momento da estocada mais forte. Você volta ao sonho e parece cada vez mais molhada e escorregadia ao sentir as contrações,
 - deseja desesperadamente alguém para beijar seus lábios ou tocar os bicos dos seus seios com amor verdadeiro. Os seus olhos brilham no escuro e você sorri ao perceber que algo muito intenso jorrou lá de dentro. Sente que em algum momento os seus olhos saltaram da órbita e alcançaram os céus - foi fascinante poder sentir prazer sem dar a menor importância à coisa nenhuma. Você acha tudo muito bom quando o sangue esquenta aguçando a fúria, adoçando o instinto mais primitivo, enquanto o suco ainda flui entre as pernas. Então essa coisa louca fez com que se lembrasse de outra; aquela que motivou esse momento e a fez agir como se tivesse tirando um peso da sua consciência machucada. 
     O seu mundo inteiro parece estar pronto para ser mudado do mal para o bem e do bem para mal instantaneamente, mesmo que seja por alguns segundos num desejo único, primitivo e selvagem; porque ninguém está olhando e você pode fazer o que quiser na sua eterna solidão.

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