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quinta-feira, 7 de maio de 2020

Dear Miss C Capítulo 02

       Em algum lugar próximo de Águas de Lindóia.   
            
      Miss C.
      Ando sem tempo para escrever porque tenho viajado muito. Fui levado por outros de um lado para outro e quando me dei conta já nem sabia onde estava. Há poucos dias cheguei nesse lugar totalmente novo. Estou numa casa simples e silenciosa, um local rodeado de árvores altas onde se sente a pulsação da vida de um jeito diferente. Os moradores se deliciam com ar puro e fresco vindo das flores que ladeiam o caminho de chão. A noite tem a cantiga monótona dos sapos na lagoa adjacente ao caminho de entrada - para mim é uma cantiga linda e diferente q chama a minha atenção! Algo q parece tão comum para esse povo daqui. Muitas vezes, num fim de tarde, saio para o quintal de braços abertos e paro por um instante como se fosse uma estátua; sentindo o sopro da brisa passando entre as árvores e finalmente libero os pensamentos. Assim fico encantado. Se nunca ninguém passou por isso não sabe a alegria que proporciona esse tipo de torpor bom. Esse lugar parece longe do centro da cidade, distante dos habitantes fazedores de barulhos e criadores de estresses. 
     Dizem que esse lugar me deixa mais calmo e que passarei aqui algum tempo q poderá ser até o final deste ano. Eu me sinto em casa, é um lugar onde posso criar e escrever sem me preocupar com a rotina de horários e obrigações; ou das infinitas contas para pagar. Hoje, porém, está difícil escrever, pois ando com as mãos tão cansadas que se pudesse ditaria para alguém aquilo que eu gostaria que chegasse até você. Espero que a última mensagem que lhe enviei você tenha lido com atenção. Primeiramente, quero que saiba que me deu um enorme prazer ler suas mensagens que estavam salvas no celular - as quais eu ainda não tinha lido - finalmente vi algo de concreto em suas atitudes. Quanto mais examino suas palavras mais acho que são efetivamente reveladoras; nelas descubro muitas coisas boas. Fiquei imaginando a cena da perseguição doméstica tão fielmente relatada - já que um dia me disse que perambulava dentro de casa pelo meio de tantas mentes vazias - as quais se abalam pelos mais incríveis temores; e que ainda se sente, porém menos, sendo seguida por aqueles olhares como se a quisessem devorar. 
     Mudando de assunto: não sei por que, mas de repente me lembrei do seu incrível gosto pelo mar. Aquele cheiro do mar e o barulho das ondas quebrando na praia a noite... Que saudade me dá daquelas ondas incontroláveis molhando a areia branca da pequena praia deserta com enormes pedras nas laterais! De repente me vejo de novo naquele eterno silêncio que tomava conta dos nossos pensamentos enquanto mergulhavamos
 no escuro. Sim, lembro dos nossos velhos tempos enquanto cantarolo versos da música do Lulu Santos que você tanto gosta que fala da lua e seus encantos insondáveis.


Jezabel, princesa de Babel
de Babilônia e Xanadu
Meu Xangrilá és tu
tesouro do Eldorado
Sou teu guerreiro de Esparta
teu guardião
Selena que me ilumina o céu
e organiza os oceanos
É teu meu tempo e mais
é tua a minha história
é teu meu reino da memória
Ó Feiticeira de Judah
que me incendeia e faz voar
Sereia do meu mar
astronave do meu ar
Edelweiss do Himalaia
tu és maia, tu és má
Tu és a deusa da ilusão e eu te amo...

    Voltando às mensagens: o que mais gostei é quando descreve a forma grandiosa de caráter e comportamento que vêm adotando. Percebo o quanto acertei ao tentar conduzir por uma via de aconselhamentos, os problemas quem lhe afligiam. Se eu pudesse usar a palavra felicidade para definir o meu estado de espírito por causa disso, estaria sendo pouco generoso com a situação. Saiba que pensei muito em você nesses dias que passam devagar, fico imaginando como agora deve estar calma a fortaleza solitária em que você vive. Pelo que vi qndo aí estive imagino que seja muito difícil, à medida que o tempo passa e a imensa solidão que sempre tomou conta de ti se tornou fortalecida por uma indescritível impotência para mudança ou tomar um rumo diferente. A vida feita desse jeito começa a parecer como uma casa construída sobre areia fofa. Entretanto, mesmo afundando cada dia um pouco, ainda dá para enxergar com profunda exatidão que há muito mais que um simples arranhado na superfície das coisas que a cercam; o que, eu creio, ainda dá para ser consertado. Não se entristeça se demorar a passar, nem por isso deixará de novamente ter um terreno firme de onde verá novos horizontes. Você me disse que nada mais restou na lembrança dos nossos momentos, senão, um grande descontentamento traduzido nos primeiros e graves conselhos - ainda no tempo em que não entendia o sentido de tudo estar acontecendo daquele jeito - recebendo palavras como se fosse tapa com luva de pelica. Saiba que eram os meus desejos de manter, com a ajuda de Deus e das minhas palavras, a intenção de senti-la um pouco perto de mim. Embora sabendo que na sua falta de polidez deturpasse as verdadeiras intenções do que eu quisesse dizer. Enquanto nos mantemos distantes procuro tratar todos os dias esse ferimento invisível a olhos nus causado em mim por você e em você por mim. Saiba que uma ideia acudiu-me, mesmo que seja ela originada do próprio ferimento: "É preciso que me aproxime cada vez mais, e pouco importa se para isso eu busque uma solução primária". Você bem sabe o quanto em palavras duras e afiadas se desfez de toda a minha vida, de toda minha família, de toda rotina miserável de trabalho que eu levava; inclusive fazendo alusão às maneiras impostas pelos meus costumes diferentes dos seus ou, até, do meu esforço em tentar compreender os seus dramas aparentes, dizendo a todos que eu era uma pessoa muito boazinha. Mas no final tudo se inverteu, não foi? As mesmas desfeitas, palavras duras e opiniões formadas voltaram pelo caminho que vieram. Sei que ainda faço um pouco disso em nossas mais recentes comunicações, mas não faço por mal, sei que houve um tempo em que aconteceram longas semanas de duras revelações para você: coisas cegas aos seus olhos e que abriram os olhos de outros do que parecia um bem aparente e uma relação sólida. Durante um tempo eu me sentia tão alucinado e, com certeza, bem mais cego que você. Não enxergava nada que não fosse o meu próprio ferimento sangrando. Depois de ter ouvido tantas zombarias me recolhi daqueles que riram e  pareciam nem sequer se importar com o fracasso que me arrasou. A tarefa de executar tudo o que fiz foi sobre-humana e parecia estar além das minhas forças. Eu desterrei tudo sem poder me comunicar com ninguém. Rezei para que pudesse encontrar naquelas palavras, mensagens duras, ou olhos mais atentos que tomassem lugar da audição que nunca recebi de você; mantive a esperança que surtiria efeito - mas foi apenas mais um modo frágil de combatividade para reagir. Enquanto cavava desterrando tudo a curiosidade de todos aumentava; um, dois e três foram aparecendo para dar atenção aos métodos que não pediam em troca agradecimento, apenas respeito e compromisso com a responsabilidade do caminho escolhido. Surpreendido, hoje volto os olhos para reler para as mensagens mandadas a você e principalmente para aquelas que me mandou; o que na maior parte do tempo me leva a horas de desespero, porque no fundo eu ainda combato o demônio interior extremamente cruel e violento que sopra no ouvido os motivos da minha cegueira. Essa que me fez demorar a enxergar que foi você a pessoa mais filha-da-puta que conheci em toda a minha vida. 
     Enquanto o tempo passa vou criando um tipo de desgosto que mina a admiração que ainda restou  Chega num ponto que não tem mais volta e a única solução é o lamento. Sei que isso aconteceu conosco porque nunca me deixou uma escolha onde prevalecesse o respeito e a amizade. Você ainda se lembra do meu olhar? Aquele olhar às vezes magoado, outras vezes humilde e resignado? Pois bem, saiba que aquele olhar ainda é o mesmo; um olhar trancado na solidão que só serve para agravar cada vez mais a minha situação. Causa em mim um tipo de repugnância essa espécie de intimidade mental que ainda temos. A sua solidão é a minha solidão e a sua dor é a minha dor. Mas isso aconteceu conforme já temíamos um dia: o orgulho fez de nós intrusos na vida um do outro; o egoísmo nos colocou vendas e a vaidade ergueu muros. Vendo as coisas assim reconhecemos a verdade que desde o início já sentimos um tipo de aversão indisfarçável um pelo outro - com sensações impossíveis de evitar quando o caráter dominador prevalece mutuamente. A curiosidade nos fez esquecer essa tal aversão, revelando em nós certo espírito de camaradagem aliado ao senso prático, tornando a vida mais suave e criando ilusões temporárias. Cremos com isso que acenderíamos uma fagulha, reavivando as cinzas apagadas, mesmo que fosse esse o nosso último sopro de esperança depois de uma dura frustração. Era uma ideia que estava fixa em nossas mentes, mas havia coisas que eram muito difíceis de serem feitas apenas com palavras, era preciso força de vontade na atitude - sem a qual o inferno estaria à espera, assim como aconteceu. Puxa vida, durante grande parte do tempo você tinha atitudes que não concorriam de forma alguma para conquistar amigos ou manter um amor. Você semeou a dúvida a todo instante. Tantas exigências provocaram brigas sem fim e, quanto mais era exigido menos era dado, dos dois lados. Talvez de nada sirva que eu analise uma por uma daquelas brigas agora. O que eu poderia dizer agora a respeito da sua tendência para eterna dúvida ou da sua incapacidade de harmonizar o que acontece dentro e fora, ou tudo aquilo que ainda a oprime? Seria mais uma vez repetição do que eu já disse. No entanto, reforço a ideia que poderá tornar-se uma pessoa muito boa se educar-se novamente, se prestar mais atenção no que a rodeia. Quanto aos sentimentos: se aprofunde naqueles que guarda dentro de si, mas se forem impuros, do tipo que deformam o seu caráter, livre-se deles. Toda intensificação do que é bom tornar-se melhor. Compreende o que quero dizer? Agindo assim, os seus pensamentos sempre serão os seus melhores colaboradores, ajudarão na construção da sua vida com uma existência firme e concreta. Seja em que ambiente for - no meio do seu deserto particular, ou na mais esplendida devoção às grandes coisas da natureza que tanto aprecia - pratique bons pensamentos. Tome como exemplo essa nobre arte a qual se empenha tanto da hora que acorda até a hora que vai deitar-se. Ela exige paciência e atenção, é o seu caminho para viver moldando-se à vida. Cedo ou tarde saberá que nela está o seu mais forte abrigo diante de tantas circunstâncias negras e passageiras. É nesse dom artístico e profissional, somado à inteligência que nasceu com você, que irá educando a sua atenção na melhor observação de tudo que opera a seu favor. Faça disso a sua mais linda maneira de viver, mesmo que a solidão ainda não possa ser definitivamente riscada da sua vida (falo daquele pedaço que sempre julgamos estar faltando). As causas sempre estão dentro de nós, é ali que devemos procurá-las e assim ir conduzindo o temperamento. Mesmo que em algum momento sinta que um clima de neurose se estabeleça fora de controle ou que a limite com esse medo que não a deixa sair de casa ou a faz voltar correndo para ela, tornando as sensações do mundo de fora menos flexíveis e mutáveis, lute contra isso! Se continuar assim esse medo a engolirá por completo, mesmo que ainda insista em manter essa expressão de austeridade estampada no rosto. Tente! Esse exercício irá purgá-la das misérias humanas tão comuns na vida de qualquer um. Quando o seu pensamento se elevar o seu coração começará a cantar, ainda que pense que não se pode amar aquilo que já foi destruído. O seu nome me sugere uma série de recordações doces e fluídas ao mesmo tempo dolorosos pensamentos. Recordações sempre agravadas pelos ecos transviados dos sons penetrantes vindos do mundo exterior ao nosso. Eu entendo que algumas tentações não podem ser combatidas agora, que a única coisa que resta é fechar os olhos para fugir do que sufoca. O maior alívio que sinto nessa hora não é o da fuga de mim mesmo e nem de você, muito pelo contrário, vou sempre me impulsionando para frente como se estivéssemos juntos, sentindo que as palavras de conforto que encaminho aos seus cuidados também servem para mim. É como uma troca, percebe? Faça o mesmo, ainda que em pensamento. Seja generosa alguma vez, por que as únicas marcas que merecemos levar pela vida afora talvez sejam as recordações das mordidelas de amor e nada mais. Sei que a qualquer momento poderá perguntar por que estou nesse círculo vicioso já que me considera tão inteligente. E afirmará ao final que sente vontade de rir ao ler minhas palavras. Não seja tão severa e irônica. Isso não é uma aula, nem lição de moral, são apenas palavras regadas por pensamentos amáveis destinados a você e que vão como resposta a tudo que também já escreveu no momento de abrir o seu coração.
     Os meus pesares me incomodam tanto quanto os seus. É certo que nem pode imaginar quando muitas vezes acordo no meio da noite, torturado por maus pressentimentos, e saio do quarto para ficar longos minutos sob o luar pálido da madrugada. Quando olho para aquela claridade percebo uma sombra, uma imagem fixa e sofredora se esvaindo suportando infinitas tribulações. Isso é o que me dá toda a força para continuar, pois esses pensamentos não mais me pertencem e em breve chegarão outros. Por que diante dos meus olhos brilha essa paz prateada, num caminho manso e discreto, de onde recai sobre mim toda luz que absorve o sentido de estar novamente aqui pelos motivos errados.

Desejo que leia e se puder releia essas palavras e viva as partes boas com toda intensidade e carinhos possíveis.

Os meus bons votos e saudações.

Do seu admirador

                           Re


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