- Ah, Zé. Eu tenho o desejo de aprender essas coisas, mas nunca soube como fazer.
- Não importa o que desejava antes. O importante é agora que está sob meus cuidados. Garanto que sei quais são suas intenções ao retornar nessa busca interior.
- Como sabe?
- Eu digo que sei, pois tudo está em seu intimo e é transparente a mim.
- Está querendo dizer que lê os meus pensamentos?
- Pode ser que sim. Mas não sei se poderei ensiná-lo na totalidade necessária para transcender o ponto vital.
- Do que está falando?
- O ponto vital é o seu intimo mais profundo onde só o seu desejo já é suficiente para realizar qualquer coisa.
- Meu Deus, Zé. Eu não estou entendo nada. Não estou pronto para isso.
- Só algumas poucas pessoas conhecem a forma de fazer esse desejo aflorar buscando o ponto único que liga o homem ao universo. Um ponto de conforto. Eu estou no meu ponto de conforto agora, vejo que você se sente um pouco incomodado com dores nas costas. Levante-se e procure outro lugar para sentar-se. Saiba distinguir onde é o seu ponto único de comunicação plena. Agora você também sente dor de cabeça, eu percebo isso.
- Eu não sinto dor de cabeça.
- Sente sim! Preste bem atenção aos sinais.
Nesse momento um aperto de cima para baixo começou espremer o meu crânio como se fosse rachá-lo ao meio.
- Que dor é essa? Pelo amor de Deus Zé, faça parar, por favor!
- Controle a dor através do pensamento. Siga os sinais!
- Que sinais, homem de Deus! Que sinais...?
- Os sinais do seu espírito em ascensão. Murmure palavras sábias nesse momento que a dor sumirá por completo.
- Que palavras? Que palavras? Diga logo eu não aguento mais! A cabeça vai estourar, os meus olhos ardem.
Zé Louco movimenta o braço direito devagar. Coloca a mão estendida a um palmo da minha cabeça. Sinto um halo de energia passando da palma de sua mão diretamente para o meu cérebro. No mesmo instante a dor some e tudo volta ao que era antes.
Minha musa, assim começou o aprendizado que duraria mais de duas horas. E o que ficava bem obvio é que os conhecimentos de Zé Louco iam muito além do meu entendimento. E só com essa demonstração puderam se tornar evidentes e convincentes a mim. Porém, verifiquei nessa experiência que os conceitos das coisas “inteligíveis” para ele, também poderiam ser em parte transmitidas a mim. A importância disso estava em provocar um estado de percepção diferenciada naquilo que consideramos “invisível”. De acordo com o seu ponto de vista, o que importava era a atitude como única forma de receber o “poder” e separar o bem do mal.
- Agora, Re, você deve encontrar o “ponto” onde existe a troca com a natureza, assim receberá toda energia que precisa para ter o “poder”. Procure nesse chão um lugar onde possa se sentar sem se cansar. Não é qualquer lugar, existe um em especial, um corredor de energia.
- Mas Zé... Esse é um terreno enorme. Você tem certeza que tenho que ficar feito uma barata tonta procurando um ponto para sentar?
- Sim. Você deve procurar um lugar onde possa ficar sentado sem cansar o corpo e a mente. Não tente me enganar porque eu sei exatamente onde é esse lugar! Busque-o agora para que possamos começar uma conversa mais profunda.
Comecei a andar ao redor... Sentava e levantava... Eu me sentia fazendo papel de bobo enquanto ele, em silêncio, permanecia de olhos fechados e com as mãos sobre os joelhos dobrados. Eu me invoquei e sentei diante dele na mesma posição de lótus. Ele abriu os olhos e me disse que aquele era o ponto dele e não o meu, que eu continuasse procurando até achar. E me advertiu severamente que eu poderia levar muito tempo para resolver esse enigma, mas se não resolvesse logo seria melhor voltar dali mesmo direto para a minha casa, pois de nada adiantaria a minha ida até a caverna dos morcegos sem antes obter o conhecimento e a proteção necessária para um bom elo de contato com as forças da natureza.
- Aprenda com essa lição que nada é dado de presente e tudo o que se tem para aprender deve ser aprendido com dificuldade, essa é a sua verdadeira missão aqui. Não posso dar indicação ou sugestão, o seu intimo dirá onde é o lugar escolhido e onde está o seu “ponto” de contato, faça sem demora mas com paciência, nem que tenha que percorrer cada centímetro desse chão.
- Mas Zé. Todos os lugares parecem iguais. Não vejo nenhuma diferença entre os pontos.
- Então role pelo chão, fique de bruços e depois de costas, deite-se com os braços embaixo da nuca ou sobre o peito e olhe para as profundezas infinitas do céu da noite, se ainda assim não conseguir nada torne a rolar pelo chão. Experimente sensações de calor e frio, procure ouvir ruídos e outras modulações naturais; quais sejam percebidas apenas com o estado de felicidade oculto na mente. Ouça o som de harpas ou cítaras e faça uma viagem por todas as teclas do piano sentindo cada vez mais Carmina Burana penetrando em seus sentidos primordiais de sobrevivência; veja a imagem da vida passando diante dos seus olhos num promissor encontro com a natureza em seu estado virginal. Imagine em tudo isso as contradições e injúrias impostas a você por falsos moralistas. Aqueles vermes da burguesia defensora de uma ideologia hipócrita mascarada por perversões. São eles e não você os desviados do espírito de igualdade e que tratam as pessoas com diferença, que nunca seguiram ou seguirão os ensinamentos na forma do amor pleno. São os que ditam as leis onde o dinheiro é absoluto na mente daqueles que administram regras infames simbolizadas por uma cabeça de bode demonstrando o seu principal estilo de vida. É um grande e feio bode com a boca aberta cheia de moedas reluzentes. O bode é o oráculo dos seus inimigos, aqueles que fazem distinção entre as pessoas e se ajoelham diante de tal imagem pedindo mais sacrifício em nome do que professam. Esqueça desse mal que acomete o homem, que adoece a mente e apodrece a carne e que tenta tomar conta da sua mente. Celebre a maravilha do amor. Encontre o seu lugar nesse chão porque uma grande provação o espera!
- Que provação?
- Não posso revelar.
- Por quê?
- Talvez não seja agradável.
- Como assim?
- Silêncio! Sinta o vento. Encontre o seu ponto.
- Não vou procurar ponto algum. O que significa “provação”?
- Silêncio! Vejo diante de você um cão de quatro cabeças. As patas são mãos entrelaçadas. Há um homem de braços cruzados com olhar arrebatador.
- Meu Deus, Zé. Vamos parar com isso. Olha lá embaixo: Nanda e Tom estão de volta!
- Venha comigo!
- Vou aonde com você?
- Venha comigo!
- Zé, você ainda está sentado.
- Vou cuidar do seu espírito enquanto estiver aqui. Venha comigo. Feche os olhos, feche logo e diga o que vê.
- Está bem. Fechei! Vejo cores em modulação. Uma flor amarela e um pássaro preto comendo grãos espalhados no chão. Agora a escuridão ao redor está mudando e a flor amarela passou a um tom esverdeado e depois pulou para roxo.
- Agora abra os olhos e fique com eles abertos. Repita detalhe por detalhe de tudo o que viu.
- Eu vi a flor mudando de cor e o pássaro preto comendo grãos. Isso significa alguma coisa?
- Você confia em tudo o que viu?
- Como assim?
- Você confia em tudo o que viu sem enxergar?
- Confio sim, porque foi tudo imaginação.
- Você tem certeza?
- Claro que tenho! Eu imaginei essas coisas porque você me induziu.
- Levante-se e vá até atrás dessa pedra grande e olhe com cuidado, depois volte e me conte o que viu.
Achei estranho o pedido, mas fui olhar com jeito zombeteiro. Para minha surpresa no canto da pedra onde batia um fino raio de luar balançava num caule longo uma flor roxa, logo mais ao fundo um pássaro ciscava o chão no escuro.
Zé continuava imóvel na mesma posição de olhos fechados e pergunta.
- O que viu?
- Vi a flor e o pássaro.
- Agora você confia mais nos seus olhos ou naquilo que não vê, mas sente a presença?
- Eu já não sei mais no que confio.
- Por isso que precisa desenvolver esse “poder” incutido em você. Procure o seu ponto.
- Está bem, Zé, farei uma última tentativa.
Levantei-me devagar e procurei o lugar onde estava a flor e o pássaro, mas não havia nada em nenhum dos lugares, a flor e o pássaro haviam desaparecido. Fiquei apreensivo com a situação e fiz um grande esforço para me controlar, já sentia uma nítida sensação de pânico tomando conta do meu pensamento por estar envolvido com o inexplicável. Pensei que talvez ele estivesse me vigiando com o seu “terceiro olho” e me sentei no chão encostando as costas do lado oposto da pedra. Pus as mãos no peito, senti o coração pulsando rápido, já parecia um pouco ofegante de ansiedade. Veio um cansaço tomando conta do corpo. Pouco a pouco relaxei e me deixei cair encostando-me completamente na pedra, foi assim até que eu perdesse os sentidos.
Ouvi Zé louco rindo por cima de mim, acordei assustado.
- Você achou o seu ponto! Como se sente? – ele disse.
- Achei? Tem certeza que achei? Eu me sinto bem, mas com um pouco de sono.
- Sim! Você finalmente achou. Faz mais de meia hora que dorme como um bebê.
Ele garantiu que aquele era o ponto certo. O lugar onde confiei a minha alma a Deus e tornou a perguntar como eu me sentia, eu respondi que não via diferença nenhuma dos outros pontos. Ele desafiou-me a sentar em outro lugar e ter a mesma sensação. Por um incrível motivo, que talvez seja inexplicável, eu tive medo de me sentar em outro ponto. Acabei insistindo que fossemos embora dali naquele instante, que seria melhor voltarmos ao Camping para celebrarmos com os amigos. Ele concordou. Descemos o morro aos tropeços até chegarmos à margem da estrada. Talvez essa lição tenha me ajudado a perceber diferenças no meu interior de coisas que observo e sinto mas não consigo traduzir em sensações boas, coisas que eu não sabia que existiam por nunca ter feito "uma viagem"; uma exploração mais profunda do meu ser.
Sabe de uma coisa, minha musa? São essas lembranças que ainda me fazem dar algum sentido à vida. Pois, a cada mensagem sinto o quanto o meu mundo foi se desfazendo em pedaços com coisas estranhas acontecendo no meio do caminho.Você, minha musa, tinha medo. Um medo tão grande de se sentir inferiorizada que fechou a sua jornada ao conhecimento. Eu tentei desafiá-la para mudar esse “status quo” danoso em sua vida, mas não adiantava, eu sempre perdia o último round da luta. As noções variáveis eram tantas, que nunca soube ao certo quando eu estava ganhando ou perdendo, mesmo que ao final eu me sentisse exaurido em minhas forças vitais de tanto pensar. Balançado por um valor negativo que ficou dessa impressão, sigo o caminho com o coração aberto, porque estou de frente ao mundo e novas sensações. Essa é uma maneira metafórica de dizer que estou num período transitório importante da minha jornada. Uma jornada em busca de satisfação e realização. Há uma busca por algum lugar onde a mentalização me fará escolher qual a alternativa mais acessível para desvendar os mistérios do coração que, outrora, ficaram fora do meu conhecimento. São os mistérios capazes de “nos” transportar para além dos limites determinados na contínua busca da fonte de iluminação que trará clareza, pois o meu amor-próprio me obrigou a fazer essa viagem e experimentar as deliciosas sensações do renascimento. Só por isso ainda estou aqui, mesmo que algumas pessoas considerem tudo o que faço uma perda de tempo. Mas perder tempo escrevendo mensagens e as enviando a quem nunca as lerá, parece ser um ato bem menos pernicioso do que o praticado por você durante o tempo relembrado nas mensagens.
Que Deus finalmente esteja ao seu lado.
Re.