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quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Uma Viagem Romântica 7

      Karla ainda deu uma rápida olhada nas últimas linhas da mensagem, com um demorado ar de incredulidade, apagou a tela do celular e enfiou no bolso. Ela, a partir daquele momento, começou a olhar para ele de outra maneira. De um jeito como se a pessoa já não visse a outra com o mesmo encanto inicial. Ela tinha intuições que em muitas fases da vida pareciam certeiras e, agora, ela enxergava nele uma sombra cinzenta acreditando que não se pode amar duas pessoas ao mesmo tempo, não de uma forma plena. Mesmo assim, ela fingiu indiferença com a situação, e fingiu bem. Não lhe restava outra alternativa naquele momento da saída para o passeio. 

     - Acha que é o caminho certo? Ela deu um sorriso amarelo.
     - Já vamos descobrir. O parque fica depois da próxima curva. 
     - Ótimo - disse ela, e recostou-se no banco do carro. 
     - Chegamos! Parece que está aberto, vamos deixar o carro do lado de fora, tem uns 200 metros até o portal, logo depois tem a trilha no meio da vegetação.
    - Você conhece aqui? Já veio antes? - Karla já com expressão rígida.
    - O quê? 
    - Eu não gosto de falar a mesma coisa duas vezes.Você  já veio aqui antes? - nível de paciência indo a zero.
    - Ahhhh, meu amor... Claro que não. Eu vi tudo pela internet e coloquei a localização no GPS.
    - Muito engraçado. 
    - É sério. Estou sentindo um "quezinho" de ciúmes em sua curiosidade.
    - Não é. Olha... Esquece. Desculpe-me - ela diz - é que de repente fiquei lembrando da mensagem para sua ex. Acho que estou me sentindo meio "mauzinha" hoje. Vamos esquecer, é bobagem, o passeio até o topo da pedra vai valer a pena. 

     Karla se sentiu ridícula em demonstrar tais emoções e desejou se encolher até sumir, evaporando e aparecendo novamente sem que nenhuma palavra que transparecesse um tipo de fraqueza houvesse sido dita.

      O começo da caminhada pareceu leve, terreno plano de chão batido com pedras naturais posicionadas estrategicamente para serem pisadas sem afundar os pés na lama. Logo adiante começava a escadaria improvisada, com piso e corrimão de madeira, local onde o trafego de pessoas afunilava e começava o empurra e empurra de quem sobe com quem desce - devido à estreita largura do traçado. Karla se esforça e respira fundo, mas dada a situação precária da subida é praticamente impossível ficar obstruindo a passagem. Ela consegue atravessar os últimos degraus desse lance e chega até um novo platô de chão batido de uns 10 metros de comprimento, que liga a uma nova escadaria no mesmo molde da anterior. Ela parece esbaforida, respiração forçada, devido à asma que a persegue desde à infância. Sente nos olhares alheios, de quem sobe e de quem desce, que o mundo deve estar vendo sua vergonha, como se estivesse escrito com todas as letras em sua testa que não chegará ao topo. 

     - Tudo bem com você, amore mio? Está muito pálida. 
     - Um pouco de dor de cabeça - sua voz sai rouca e tremula - Vai passar logo, só preciso respirar.
     - Vamos parar para descansar, tomaremos água e depois da recuperação continuaremos.
     Um sorriso seco.
       Ela me encarou por um instante e desviou o olhar. Inclinou-se um pouco para trás, colocando o rosto para cima na tentativa de puxar o ar, serviu-se da garrafa de água que trouxemos numa sacolinha.
     - Você me parece melhor. 
     - Vamos dar um tempinho aqui e conversar um pouco para depois seguirmos, desculpe-me Ronnie, tenho mesmo que descansar. 
     - Sem problemas. Vamos conversar. Quer conversar algum assunto em especial?
     - Hummm... Sabe que mulher é curiosa, não é? Você me disse rapidamente que era divorciado e não tocou mais no assunto. O que aconteceu? Eu gostaria de saber mais do seu passado.
     - Então... Bem... Vamos ver por onde começo e se consigo explicar de uma forma que não seja ofensiva às mulheres e nem massante... 
É o seguinte: Talvez o amor eterno que as pessoas tanto buscam não existe. Mas gostaríamos que não fosse assim, não é mesmo? Nós gostaríamos de coração que os amores, principalmente o amor de marido e mulher, fosse eterno. Que ele durasse todo o tempo de nossas vidas e a família permanecesse unida. Ou seja, numa finitude eterna. Por quê será que isso não ocorre? Por quê será que um belo dia uma pessoa chega para outra e diz: "Meu tesão por você acabou. Eu vou embora." E aí você que recebeu a notícia do nada, olha para o chão e cadê o chão? Você olha para o horizonte e ele vai embora sem um limite alcançável. Então você volta o olhar para dentro de si e tem um enorme buraco. E pergunta para a pessoa: "Como assim? Como acabou se até ontem você estava conversando sobre planos, viagens e passeios com nossos filhos? Lembra-se do momento em que colhíamos flores em nosso jardim e espalhávamos sementinhas? ". E a pessoa responde: "Acabou faz tempo, você que não percebeu". E a resposta: "Não pode ser... Fizemos planos esses dias de reformar nossa casa". 
Vem a frase fantástica para coroar o diálogo: 
"Você sabe que não é assim que funciona". 
Chega o choque e o argumento principal: 
"Ei, eu estou falando de amor e você está falando de funcionamento maquinal. Eu não estou nessa relação há tantos anos para funcionar, eu estou para amar. Funcionamento é para máquinas". 
E a pessoa insiste:
"As coisas vão se desgastando e nada mais funciona direito depois de um tempo".
Eis que chega o argumento com mais veemência:
"Enquanto eu esperava o amor, você esperava o funcionamento. Enquanto eu esperava dois corpos vivendo juntos você só queria sexo sem graça, maquinal". 
    
- Nossa, Ronnie. Isso é muito triste. Continue que eu estou respirando, quase normal.

    - Acho que uma das primeiras coisas que precisamos entender numa relação a dois, é quando vem a pergunta que o homem faz para a mulher: "- Acabou?" E ela responde: "Você é meu amigo. Tudo virou uma grande amizade. Eu não consigo ter prazer sexual ou tesão por um amigo. Acabou já faz um tempo!.". Aí o homem lança a seguinte pergunta: "Você tem outro? Está tento um caso com quem?".
      Pois é... Por uma dessas coisas do destino ela não tem ninguém. Este tipo de pergunta só cabe quando acontece o contrário: o homem que descasa por conta de outra mulher. A mulher raramente descasa por conta de outro homem, ela descasa por conta da situação insustentável com aquele homem com o qual ela convive. Um dia eu me perguntei: 'Será que o amor das mulheres pode ser infinito'? Respondi a mim mesmo: "Pode, mas o tesão não". O tesão de uma mulher não acaba por que ela trocou de objeto sexual, acaba simplesmente por que acabou. Ás vezes uma mulher precisa viver outra vida, precisa recomeçar, criar uma identidade própria. O homem não precisa. Ele cresce criando uma identidade para o mundo externo. A mulher cresce, desde a mais tenra infância, com uma identidade e obrigações dadas pelo homem; primeiro o pai e depois o esposo. No meu caso, quando nos casamos, nós nos amamos, e todos que nos conheciam se referiam a ela como a esposa do Ronnie.

     - Desculpe interromper. Qual o nome dela?
     - Eli. Eliete.

   - Continuando: o tempo passou e nós dois chegamos aos 28 anos de idade, sem ela nunca ter tido a oportunidade de enfrentar o mundo sozinha, por que, dentro do padrão machista da nossa sociedade, eu era o provedor e o dono da casa. Tivemos 2 filhos e as coisas, diante da circunstância da mãe que se dedica á criação dos filhos pequenos, se fortaleceram ainda mais nesse padrão de mulher dona de casa e homem trabalhando fora para trazer o sustento do lar.
      Aos 29 anos ela precisava de autoafirmação, necessitava dizer a si mesma que podia recomeçar uma nova vida com suas próprias pernas. Na minha opinião, quando uma mulher beira os 30 anos bate um desespero de que a vida acabou, que está ficando velha, que aos 20 e poucos anos, quando podia viver e ter experiências maravilhosas, ela estava cuidando de esposo e filhos. Aí ela pensa: "Estou praticamente nos 30 e não comecei nada que eu pudesse dizer que foi minha realização exclusiva, nem mesmo os filhos". 
      Sabe Karla, eu sou filho único, ela também, o filho único está acostumado a ser individualista por que foi individualizado muito cedo, foi paparicado com exclusividade em tudo. 
     - Você conhece aquele quadro famoso do argentino Quino, criador da Mafalda, que tem dois velhinhos?
     - Não, não lembro agora. Por que? - respirando fundo, puxando ar e soltando para se restabelecer.
     - Olhando aquele quadro dos velhinhos eu imagino a seguinte pergunta que se passava na cabeça dela quando pensava no nosso futuro juntos: "Afinal de contas o que nos tornamos depois de tantos anos? Nós somos irmãos, amigos ou o quê? Que tipo de grau de parentesco nós temos?". 
     Olha só, vou dizer, o nosso casamento simplesmente não acabou antes porque eu ainda gostava dela, mas ela não gostava mais de mim. Onde ela errou? Onde eu errei? Ninguém errou. O  grande problema é que nós não conseguimos acertar a finitude do amor. Nós, digo eu, não entendi como deveria aceitar que o veneno da ponta da flecha do cupido tem um término. Quando o cupido molha a flecha no veneno da paixão e te pega sem que você perceba, ele deposita o tal veneno da paixão que se espalha pelo corpo, mas o efeito um dia passa. Fica então uma grande amizade que impede que o casal faça sexo de uma maneira que se sinta plenamente à vontade e completo; tomado de amor e paixão. Também por que ninguém faz sexo com irmão ou amigo próximo. Claro, existe exceção, principalmente quando a pessoa já banalizou o sexo e faz apenas para se divertir, o que não era o nosso caso. 
      A dor da separação é a dor do luto, principalmente para o lado de quem ainda gosta da pessoa. É uma perda que é necessário cultivar a ideia que é preciso racionalizar para tocar a vida, esquecendo o que se foi.
      Eu entendo que o feminismo só irá acabar quando as mulheres não sejam mais as coadjuvantes de uma história masculina. Eu vim entender isso muito tempo depois, quando o inconformismo saiu de vez do meu pensamento. Eu pensava no tempo do casamento que ela era uma bela ilha e eu o continente, que estávamos ligados por um istmo. Mas com a separação consegui compreender que eu era a ilha e ela o continente, e ela não precisava mais de um istmo nos ligando. Quando eu entendi que o coadjuvante era eu, compreendi o recado que a vida me passou. Foi um grande aprendizado ver aquele lindo, enorme e iluminado continente se afastar de mim, aquele continente que sustentou a ilhazinha durante muito tempo e plantou nela tudo o que se pôde conquistar materialmente e, ao mesmo tempo, trabalhou o amadurecimento da minha personalidade. Tive e tenho uma gratidão imensa por tudo que aprendi e vivi. Eu penso: "Se alguém teve o que eu tive, jamais poderá dizer que o casamento não deu certo. Deverá dizer que deu certo em tudo. E para preservar o que restou foi necessário tomar uma certa distância e viver cada qual a própria vida de outro modo. É muito bom notar que a pessoa que vivia num mundinho cresceu e saiu da concha depois da separação. Eu vi que ela cresceu e encontrou dentro da liberdade de ser ela mesma a felicidade que buscava e não encontrou ao meu lado. O clichê de que a mulher termina por causa de outro não funciona mais, ela termina por que quer buscar outro tempo, respirar outros ares. Todos têm o direito de começar um novo tempo. É um principio básico da vida. Nós resolvemos isso numa boa, sem traumas ou conflitos do tipo vingancinha besta. Acho que já deu para entender, não é?
       - Sim. Claro. Os filhos ficaram com ela?
       - Ficaram, sim. Temos uma boa relação. Meus filhos sempre me pedem para assistirmos o jogo do Corinthians na arena.
       - Os dois são corintianos?
       - São. 
       - Eu sou são paulina.
       - Nem todo casal é perfeito - risadas 
       - Acho que já podemos continuar a subida. Já estou melhor. 
       - Tem certeza? Não prefere ficar mais uns 10 minutos?
       - Não, não. Falta pouco. Vamos logo. Quero tirar umas fotos da paisagem.
     
     
        
  

Cansado e Velho

Minha história gira em torno de mim mesmo, — uma vida quase nas portas do delírio na mente de muitos —, com o intuito único de conti...