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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Uma Viagem Romântica 13

     Continuamos descendo como se estivéssemos à beira de um abismo. Imagino o passado temendo o futuro, enquanto isso Karla se apressa. Acho que terei de chamar algum médico ao chegar à pousada, pois sua velocidade deixa sua respiração esquisita e ruidosa.  
      Peço que me espere para que eu possa tocar delicadamente o seu rosto, então, um novo semi-transe toma conta de mim. Novamente me reencontro com o passado, que nem parece tão distante assim, e uma angústia profunda e incontrolável com o presente me faz tremer pelas consequências. Em outro estalo do pensamento chegam os dilemas e as incertezas que aparecem juntamente com a frustração e o desânimo.  No mergulho do semi-transe eu me sinto tão desorientado e confuso, tão ou mais transtornado que uma figura patética perdida no meio da escuridão. Tristeza...

    Eu, intuitivamente, imaginei que no futuro teria uma boa história para contar dessa aventura. Claro que não pretendia me manter à margem de tudo, ou me retrair passando muito tempo remoendo os fragmentos do que não me agradou quando tudo terminasse.  
     Eu adoro a ideia do jogo de sedução e mistério impostos por Karla. No entanto, reconheço e imagino, coisas totalmente diferentes por ela ter motivado meu desencanto após a subida até a pedra. Faço um esforço enorme para mudar a sintonia, imaginando que "algo mais" poderia novamente me fascinar em todas as expectativas que criei a respeito dela.

     De uma coisa tenho certeza: quando o momento da revelação do verdadeiro amor chegar eu estarei pronto e apenas ela não perceberá que o tempo passou.
     Agora estou praticamente solitário por sua linguagem dúbia. Mesmo que a vida seja uma coisa totalmente transitória para todos nós, parece que suas histórias nunca vão se acabar aqui, ou em qualquer outro lugar imaginário em sua mente criativa.
      Porém, ela querendo ou não, a herança ilustre deixada pelos antepassados, a qual imagino que deva honrar com muito afinco, está presente em seus atos. E quando por um instante ela parece desorientada na descida, deve dar graças a Deus que eu esteja ao seu lado. Porque, apenas assim, ela conseguiu encontrar um ser humano louco e sonhador que se parece tanto com ela, e faz de tudo para desvendar seus enigmas.

     - Ronnie, me conte por que você é tão teimoso? Eu tenho muita curiosidade em saber mais de você. Mas você não se abre nunca. Não fala do seu passado. Eu preciso saber se você é confiável.
        
     - Ahhh.... Eu não sou tão misterioso assim. Até me considero bem mais falante que no passado, estou sempre tentando que me aceitem como eu sou. Eu sempre soube que sendo uma pessoa comum, dentro de padrões normais, jamais alguém iria me olhar com desconfiança, mesmo que em algum momento eu fugisse só um pouquinho daquilo que desejassem de mim. Mas, por minha única e exclusiva culpa, carreguei durante anos uma vida completamente ausente de sentido e consciência. Uma vida só com significação para mim e mais ninguém. Afinal, tudo o que poderia haver de mais importante estava em meus pensamentos e nas tolas convicções de ideias preconcebidas a respeito de qualquer coisa.  O modo correto era que tudo teria que ser muito simples e direto, sem rodeios ou esperas intermináveis que me irritassem, ou deixassem a minha paciência no limite. Nunca me interessei por métodos estabelecidos e tampouco regras. Pois, eu criava a minha regra, assim como, a forma de executar qualquer coisa ou expressar um pensamento. 

       - No passado você era falador ou retraído? Era tímido?

       - Poxa... Nem sei... Várias vezes fui acusado de fazer um grande desperdício de palavras. Alguns diziam que eu falava demais e queria explicações de tudo. O que as pessoas nunca entendiam é que eu tinha uma aptidão para a comunicação. Queria apenas me comunicar; entender, explicar e receber de volta as respostas. Mesmo que disso resultasse uma longa lista de minuciosos detalhes sórdidos ou cômicos. Sempre fui dominado por uma grande imaginação e deduções, só assim consegui tocar a vida com certa leveza de espírito tentando não ser enganado pelos considerados mais espertos.

     - Eu também me senti assim durante um tempo, mas durou no máximo até os 18 anos. Eu, além de deduções, agia com base no que ouvia e ficava nervosa, ria sem parar de nervoso quando vinha a insegurança. 

     - No meu caso, o curioso é que desde muito pequeno eu já me apegava numa visão diferente dos objetos, das palavras e das pessoas. Quando eu era pequeno nunca me conformava com respostas sem sentido - eu tinha uma curiosidade imensa pelo conhecimento. O que eu queria saber deveria ser explicado com exatidão, caso contrário, eu entrava em um emaranhado de perguntas até encontrar a resposta que me satisfizesse por completo. O mais interessante é que, ao mesmo tempo que eu tinha grande facilidade para entender algo, por mais complexo que fosse, jamais conseguia adquirir a habilidade de explicar, com palavras claras, o que havia entendido; carrego essa falha comigo até hoje.

     - Eu não me considero bem resolvida na prática das coisas. Parece que as coisas que eu considero entendidas na teoria não funcionam na prática e eu fico frustrada. Eu sempre fiquei com a sensação de quanto mais eu aprendia sobre qualquer coisa menos eu sabia. Parecia que sempre estava faltando algum detalhe. Ainda tem água na garrafa? Quero um gole. Estou com a garganta seca do ar frio e de falar. Falta muito para chegar na guarita da portaria? 

     - Ainda tem sim... Falta pouco, só o último lance da escadaria. Cuidado para não derrubar a tampinha no escuro. Vou te contar uma coisa que achará interessante.

    - Conte, pois preciso parar um pouco de falar.

    - Durante um tempo tentei expandir meu conhecimento por coisas ocultas. Busquei em outro mundo as noções que me faltavam aqui - foi por insistência e orientação do meu pai. Em suma, aprendi que deveria ter o domínio desse e do outro mundo também, mas nunca tive de nenhum; nem queria que vissem os meus dons como ciência ou superstição. Nessa época eu tinha vôos solitários, passando de um nível a outro, enxergando coisas que nunca tentei descrever totalmente para alguém. Eram figuras disformes, numa espécie de transe maluco, que beirava o sonho que se tornava enfumaçado de uma hora para outra. As figuras disformes se movimentavam por dentro da cabeça, iam tomando o espaço e me fazendo crer que tudo que eu acreditava existir existia de verdade. Muitas revelações me foram expostas dessa forma através dos tempos, frequentemente dos meus 8 até meus 30 anos. Mesmo naquele tempo de infância, em que eu nada compreendia a respeito do sobrenatural, eu tive muitos motivos para acreditar que o futuro promissor estaria na minha força de pensar e agir e não em minhas escolhas. E, de um jeito qualquer, por não ter o amadurecimento e entendimento suficientes, estava desperdiçando visões proveitosas que me traziam ensinamentos em mensagens que poucos tinham o privilégio de receber. Mas eu era medroso, tinha receio do que estava por vir e nunca agia, mesmo aos 30 anos não conseguia escolher o caminho que a intuição mostrava - deixava tudo passar como se nada estivesse acontecendo, tentando a todo custo ignorar. Talvez estivesse nesse meu medo aquela falta de fé e foco que meu pai fazia questão de mencionar quando ele estava bravo comigo.
      Poucas vezes eu vi situações se repetindo numa visão (por mais paradoxal que isso possa parecer) e me deixava ser subjugado pelo transe - fazia apenas por ter um tipo de curiosidade mórbida. Mas, quando pretendia entender a significação predominante da visão, recebendo o crédito por ser especial, acabava sendo rotulado como um retardado a quem eu contava uma pequena parte do que vi. Eu era chamado de uma pessoa sem qualquer noção real da vida. 
     Mesmo sendo ridicularizado eu me sentia como se tivesse recebido uma missão dos céus e, através dessa iluminação, acreditava que recriaria o meu mundo ou modificaria o mundo de alguém para melhor.

     - Estou surpresa de saber dos seus dons. Você ainda os pratica? Teve algum tipo de iluminação comigo em seus sonhos? Será que a sua missão nessa vida inclui me transformar em uma pessoa melhor?

     - Eu não sou tão pretensioso assim....  Posso dizer que hoje, quando me levantei fiquei me perguntando se você gostou de fazer amor comigo. Senti umas sensações confortantes nos momentos seguintes à transa - um pouco antes de cairmos no sono. Não consigo me lembrar se mantivemos uma conversa tola sobre qualquer coisa nesse meio-tempo, mas tem umas coisas estranhas que ficaram no meu subconsciente. 

     - Que coisas?

    - Eu me via ali, meio-acordado, meio-dormindo, olhando para o teto enquanto tocava aquelas músicas românticas do Bon Jovi e do Aerosmith em repetição, as que você mais gosta, sentindo que você brincava com o meu pênis murcho e eu segurava carinhosamente o bico do seu peito com a ponta dos dedos. Eu acho que a partir desse momento eu comecei a sonhar que contávamos nossas histórias em um tom meio jocoso, enquanto ao mesmo tempo eu insistia no bico do seu outro peito, com aquele tipo de estimulação que fica sempre no mesmo local sem compromisso. Você falava baixinho no meu ouvido que ainda estava muito disposta e cheia de energia para desfrutar todos os prazeres possíveis. Insinuava que gostaria de sair da cama e viajar para qualquer lugar para fazer amor em locais perigosos e inusitados, como por exemplo dentro do meu carro em movimento, de preferência de madrugada, numa estrada de serra cheia de curvas fechadas para direita e para esquerda - corria dentro do meu ouvido um sussurro baixinho, fantasiando e detalhando tudo o que poderíamos fazer na estrada a 80 km por hora. Aí você parou a conversa de transa com sensação de perigo e tentou me encantar dizendo que já havia viajado pelo mundo e que recentemente esteve na Itália para ver o Papa de pertinho e também na Suíça para provar vinhos e queijos. Isso me fez sorrir dormindo, porque eu também gosto de viajar e andar pelo mundo para ter muitas histórias para contar. Quase fiquei com inveja das suas aventuras. 

     - Eu não fiz nada disso enquanto você dormia. Eu dormi também, e foi só! Eu estava acabada da nossa viagem e meio-bêbada do vinho.
     
    - Será que não aconteceu mesmo? Eu senti tudo como se fosse real. Eu ouvi a sua voz nitidamente como ouço agora. Não acabou aí. No momento seguinte você começou a rir sem parar e soltou meu pênis. O meu olhar foi de interrogação e pedi: “Por favor, por favor... Tente se controlar. Do que tanto ri?”
Com essa pergunta você deu tantas gargalhadas que as lágrimas chegavam a escorrer pelo rosto. As gargalhadas aos poucos diminuíram, mas de um jeito esquisito; consegui que parasse para reforçar a pergunta: “Responda a pergunta sem rir, por favor. Eu fico preocupado quando você ri assim. Parece uma louca que acabou de sair do hospício”. E você respondeu: "Quando eu rio assim é porque estou louca mesmo, fico louca de vontade de chorar de rir pelo lado cômico e trágico da sua situação de dureza, essa de não poder viajar para nenhum lugar por falta de grana. Eu posso ir onde eu quiser.  Eu fico triste quando imagino tudo o que penso de você e fico preocupada comigo mesma, imaginando o que você seria capaz de fazer se sentisse raiva de mim ou não se achasse capaz de me acompanhar, pois nem mesmo tem como pagar a pousada. Será que você iria me dispensar por eu ter mais que você? Você um dia agiria comigo como todos os homens agem com as mulheres? Serei apenas mais uma na sua lista?".

     - Nossa Ronnie... Estou abismada. Não veja tudo dessa forma, não seja tão duro consigo mesmo e comigo. Você sonha e imagina coisas impossíveis. Não sou nada disso. Eu sou simples até demais. Pare de sonhar com besteiras. Já estamos perto da saída? Estou morrendo de dor no dedinho do pé esquerdo. Poxa vida, você pensar assim de mim, ainda que seja num sonho, é mesmo muito chato... Não me incomodo em ficar explicando novamente o que for preciso para você ter certeza, ou para se sentir seguro, mas só quando chegarmos à pousada e eu puder tomar um banho; esses tênis estão me matando. Eu sei muito bem que você faz aquilo que acha que é certo fazer e tem todo o direito de ter suas dúvidas, até devaneios loucos sobre mim. Mas, menos, né? Bom... Mudemos de assunto. Você é perfeccionista?

     - Por que pergunta isso? É algum tipo de provocação? Caramba, Karla, você sempre muda de assunto abruptamente e vem com alguma pergunta com duplo sentido quando estou tentando falar dos meus sentimentos e das minhas inseguranças relativas a você.

     - Não! Imagina... É que reparei que você gosta das coisas planejadas, tudo do seu jeito... Até as conversas são assim. Isso é bem típico de quem tem muita organização e senso de perfeição. Não é uma crítica, é apenas uma forma de constatar o seu jeito de ser.

     - A minha resposta mudaria alguma coisa na sua visão sobre quem eu sou? Ou, na verdade, você tem medo de gente que é organizada porque quem é organizado cobra organização?

     - Bem... Entenda... Estou te perguntando isso porque minha mãe me ensinou a ser organizada. Ela nunca admitiu nada sujo ou fora do lugar, o lugar que não fosse aquele escolhido por ela. Ela não aceitava mal-feitos ou desculpas quando eu tentava separar os talheres, porque ela gosta de tudo misturado na gaveta.

     - Se for só isso, eu não sou perfeitinho, não. Sou bagunceiro e desorganizado. Mesmo assim sempre sei o lugar das minhas coisas. Minha bagunça eu entendo". Nem vou falar mais nada, percebi que você não quer saber como sinto, deseja apenas ouvir o que satisfaz a sua curiosidade.

      Daqui em diante o foco é outro. Karla se cala, não se mexe enquanto se agarra ao corrimão de madeira. Estou preocupado com ela. Ela respira fundo, segura o ar e expira, se solta do corrimão e continua a descida em silêncio sem nem olhar para os degraus.

      Tudo nesse passeio parece sem começo e sem fim, inclusive os diálogos, - ainda que eu tenha ficado muito contente como nos comunicamos nesses minutos de descida - uma conversa cheia de significados importantes, com uma forte tentativa de ambos se adaptarem ao jeito um do outro. O que eu não sabia é que toda essa realidade estava sendo exposta de um jeito totalmente diferente que eu não compreendia. Como se fosse um fenômeno que me desorientasse totalmente, algo que me desviasse do objetivo primordial da vida e me levasse a um tempo de perder totalmente a identidade genuína. Há uma sensação muito estranha crescendo dentro de mim, um aviso. Fatos nunca vívidos e sentimentos nunca antes sentidos. Eu espero em cada novo pensamento uma nova chave para desvendar o segredo. Há um mundo paralelo surgindo do nada em modulações sequenciais se expandindo, tomando para si tudo que entra em contato - principalmente meus pensamentos no momento em que olho os movimentos apressados de Karla em direção ao portão de saída. 
     Com isso os sentidos vão se tornando mais aguçados quando meu ser interior toma forma no pensamento. O que impulsiona minha alma é o desejo. Em apenas um piscar de olhos me livro desse mundo ilusório e cheio de fantasmas que me assombram. Percebo que estou imbuído de mim mesmo numa missão com Karla ao meu lado. Sinto que fui trazido até aqui por algum motivo que foge ao meu entendimento. Nada mais flui nesse momento além do pensamento vindo do desconhecido. Sou por um instante seguido  pelos olhos de algum anjo decaído que espreita a nós dois, para ele não existe fronteira nem limitação. Age como se verdadeiramente fosse a grandeza infinita de algo insondável que habita a minha mente e o destino de Karla. Ao passar por isso sinto de leve o meu mundo real, ainda que estejamos completamente presos num universo paralelo de imundices terrestres. Sei que se me recusasse a crer que essa encruzilhada existe, ainda assim desejaria ficar no meio dela por mais tempo, mesmo sem poder enxergar o destino correto - bastaria o prazer da novidade, como ela tanto gosta. Viveria das sensações, ainda que fossem formas vagas e obscuras nas quais meus olhos nunca vissem qualquer milagre nascendo num momento de criação, de passagem ou da morte espreitando. Nesse meu mundo misterioso ainda reside a autêntica substância que desejo para ser alguém além do que sou para ela. Estou certo que toda a minha realização mora em mim e tenho a consciência que tudo ainda está vazio e completamente deserto aqui dentro, exceto pela presença de Karla que ativa meus sentidos. Falo a mim mesmo que nesse pensamento nem tudo tem começo ou fim bem explicados. O mundo paralelo da encruzilhada serve para amainar a chama que começa a se erguer ou erguê-la antes de se apagar. Tudo vai bem mais além da metade em diante daquele sonho da última noite - o sonho com flor de cerejeira. Ainda que eu me esforce para mais nada recordar a respeito do que sonhei, ou do que vivo nesse exato momento com Karla, sinto o aroma das flores e suas pétalas multi-coloridas cobrindo nosso caminho até o infinito, com sensações e emoções insondáveis.






Cansado e Velho

Minha história gira em torno de mim mesmo, — uma vida quase nas portas do delírio na mente de muitos —, com o intuito único de conti...