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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Uma Viagem Romântica 12

   
    Ela está desapontada, cabisbaixa. "Ter que dizer das suas intenções no alto da pedra", poucas horas depois das intimidades intensas da noite anterior, do gozo desinibido juntinhos e do prazer revelado em gestos leves, parecia um castigo inesperado para seus planos.
    Quando ela ergue a vista, Ronnie está olhando fixamente para os degraus em busca do melhor percurso para a descida - tem a ajuda da lanterna do celular. Ele está tão perplexo com o acontecido que até se esquece de se irritar com Karla. 
    - Cuidado. Três degraus abaixo tem um vão largo que pode prender o pé. Então...Vai mesmo insistir que não há nada para ser contado? - Diz Ronnie com a voz suave.
   -  Vou, sim. - Apertando os lábios, como se ela já estivesse preparada para isso, demonstrando contrariedade e mau humor.
   - Esse seu jeito é ridículo! Fico cada vez mais desapontado. Apoie-se no corrimão, segure firme para não cair. Só faltava agora termos um acidente aqui nessa escuridão.
   - Caramba, Ronnie, não se faça de vítima, tipo homem que foi enganado por uma mulher calhorda. Quando foi que em algum momento você conversou comigo sobre sentimentos? Quando me transmitiu segurança que eu era o tipo de mulher que você queria? Você se diz um homem moderno, engajado em opiniões sobre política e comportamento, gosta de sexo sem censuras, mas é um tipo de pessoa... Qual seria mesmo a palavra certa? Impenetrável! Essa palavra pode parecer um tanto dolorosa, mas é assim que se mostra para mim. Você vive se protegendo, se escondendo em mil mistérios. Eu só queria uma relação normal, com um homem normal. 
    - Oi? Não estou entendendo. Pare um pouquinho com a descida. Segura. Olha aqui, bem dentro dos meus olhos, isso se você puder e tiver coragem. Você disse que eu estou me protegendo? Protegendo de quê? Só se for das suas loucuras. Eu não sou obrigado a saber das coisas por telepatia, osmose ou fenômenos extra-sensoriais, eu sou um ser humano normal. Que tal começar a ser verdadeira comigo a partir de agora?
    - Desculpe-me, eu achei que você podia lidar com a nossa relação de uma forma mais adulta, mas noto agora que não deveria ter feito o convite para o passeio. Eu só queria estar com você porque gostei do seu jeito desde a primeira vez que nos vimos. Mas a gente se engana... Percebo isso agora.
    - É muito irônico tudo o que você diz, pois, antes, a gente não havia dito nada um do outro. Mas pode deixar. Não jogarei novamente ao chão as suas expectativas sobre mim. 
       Ela fica parada no meio da escada, tateando com a ponta dos pés o próximo passo, sentindo a pele contrair com o ar frio. Os cheiros vindos da mata vão penetrando em suas narinas, reclama que o cheiro da dama-da-noite é insuportável. Saca o celular do bolso para iluminar melhor o trajeto dos degraus abaixo. Ela inspira e expira, embora ainda não notasse que estivesse perdendo a respiração pelo esforço - tanto pela descida insegura quanto do diálogo áspero e veloz na imposição de suas ideias. A verdade da situação talvez seja algo que ela esteja escondendo de si mesma há muito e muito tempo. 

     - Sabe, Ronnie, a vida é muito simples. Viva sem neuras, sem deduções precipitadas e sem seus egoísmos.
     - Como assim? Você que está sendo autocentrada com tantos mistérios e ainda quer dar lição de moral? 
     - As pessoas são egoístas, nascem egoístas... Sei disso desde que nasci e cresci
.
     - Afff... Não fique zombando da minha inteligência. Aquele que diz que todo mundo é egoísta é porque é egoísta e transfere para os outros a condição. Tire o "as pessoas" da frase e coloque "eu" que ficará bem melhor. Quanto mais se fala "as pessoas" mais se está falando de si. Aí, pode ser que depois de alguns anos a ficha caia, dando desespero ao perceber a dificuldade em admitir as próprias falhas na vida. Pena que parece que isso não funciona com você.
     - Olha só, Ronnie, você não está num momento de entender o que eu digo, o que eu faço, de onde venho, como eu sou ou como eu ajo. Um dia entenderá... Pode ter certeza!
     - Acho que você precisa compreender que as pessoas não estão no mundo para atender seus desejos e expectativas. A vida é inconstante e impermanente. Tem gente que acha que as coisas que estão boas agora têm que ser boas sempre. Mas não tem muito o que se possa fazer quando as coisas mudam, e elas mudaram muito desde que chegamos nessa cidade. Opiniões às vezes mudam porque a gente fez mudar ou mudam porque a mudança se apresenta e não há muito o que explicar quando a explicação nunca é satisfatória para o tanto de interrogações. 

    - Por essas e por outras, eu prefiro ficar sozinha com minhas próprias opiniões e as minhas explicações exclusivas a respeito de tudo o que acho justo. A solidão me conforta. Ainda que muitas pessoas considerem isso um problema e me achem uma pessoa estranha, e até evitam.

    - Agora sim, você está falando como gente grande. O fato de ser assim a faz sentir-se menos só ou por se sentir excluída age com essa postura dura? Convive bem com a solidão?

    - Solidão não é um problema que eu tenho que resolver. Eu não preciso desesperadamente me agarrar a qualquer coisa ou a alguém para deixar de estar só. Eu sei que para o mundo é importante que eu esteja focada em alguma coisa, tipo com uma revista nas mãos, um celular com whatsapp ou qualquer outra merda para passar o tempo. Aí, o que outros consideram um problema, eu não acho que seja. Cada um é um sozinho. O difícil é bancar essa ideia porque as pessoas não aceitam a solidão do outro e ficam com dó de quem faz essa opção. Então se metem a dar conselhos, - gente que você nem conhece diz que se você está sozinha precisa arrumar alguém. Ou então, se por acaso separou do marido aos 40 ou 50 anos não pode ficar sozinha, porque estará deslocada nos encontros com os casais de amigos que a olharão com um tipo de pena comovente, como se estivesse com toda a sua vulnerabilidade à mostra (aí que dózinha da largada!!...). Ou, então, se está gorda precisa emagrecer, ou se está chegando aos quarenta é melhor congelar óvulos, pois vai que encontra um bonitão e resolve engravidar... A solidão por livre escolha não é e nunca será um problema. Foda-se quem pensa que é um problema e me rotula como problemática. Um problema é o racismo. O estilo do penteado - dreads, encaracolados ou lisos de chapinha. A opção religiosa também pesa nos conceitos. Esse é um problema seu, meu e de todos os seres humanos. Nasceu no planeta terra já está com esse problema, ainda que diga que não. Se a mulher de 40 ou 50 anos é negra e está sozinha ou mesmo desempregada, por ser discriminada na sociedade em todos os aspectos historicamente, aí sim é um problema. Se uma criança negra brinca num parquinho sozinha enquanto as crianças brancas brincam juntas num outro brinquedo, com seus pais cuidando para que não se misturem, isso sim é um problema. A mulher que não consegue se relacionar afetivamente com ninguém porque se sente insegura com seu corpo ou acha que será passada para trás por causa disso, é um problema - ela nunca conseguirá se sentir feliz achando que o seu corpo, do jeito que ele veio ao mundo ou como ele ficou com o passar dos anos, não desperta o desejo do sexo oposto. É muito cruel pensar que é necessário estar com alguém por se cansar da solidão, mas não conseguir o objetivo por achar que não será aceita do jeito que é. Outra coisa, machismo e a dominação masculina, por pura insegurança e falta de confiança no outro, também é um problema. Discriminar as pessoas por suas escolhas sexuais é um problema. Então... Diante disso tudo, concluímos que a solidão não é um problema. Certa vez, quando resolvi passar um fim de semana completamente isolada na casa de veraneio que minha família tem na praia, eu comecei a falar sozinha quando percebi que estava 100% sozinha. A gente não consegue ficar em silêncio pensando nas coisas que aparecem na nossa mente, pois podem ser pensamentos tenebrosos e muito assustadores que chegam rapidinho do nada. Naquele fim de semana resolvi preencher o tempo contando quantas linhas de costuras havia no tapete da sala, quantos peixes de gesso estavam pendurados na parede, quantos talheres estavam na gaveta do armário e depois fui ler Harry Potter e as relíquias da morte. Eu sabia que precisava da solidão, mas tinha a necessidade de me distrair imediatamente, para aproveitar o privilégio de ter esse tempo comigo mesma.

    - Minha nossa! Certas opções na vida impõem posições que para alguns podem parecer um sacrifício e para outros um prazer, mas acabam sendo necessárias para o bom equilíbrio emocional. Eu adoraria ficar sozinho um fim de semana numa casa na praia. Bem... Sabemos que essa discussão sobre solidão, racismo e cabelos não leva a nada, porque não iremos mudar a cabeça das pessoas. Sejamos práticos e mais objetivos, sem tantos devaneios. Afinal de contas, hoje você é uma mulher vivida que um dia já foi uma menina sapeca, eu imagino. A vida lhe ensinou muitas coisas. Talvez você tenha aprendido até o que não deveria. Por isso sempre é melhor usar o bom senso ao lidar com situações, tratar bem as pessoas, respeitar a opinião diferente...

    - Nem sei o que responder. Eu já me perguntei uma porção de vezes o que poderemos fazer para salvar nossas vidas e o futuro do mundo? Talvez isso não seja importante para você ou para as pessoas idosas que acham que já viveram o que tinham que viver. Mas eu acho importante olhar para a juventude com todo o seu ritmo pulsante e seu ardor e, sobretudo, olhar para as crianças absorvidas em suas brincadeiras inocentes. Eu me perguntava sobre o que estará reservado para elas se Deus cansar-se dessa humanidade injusta. Isso eram pensamentos incertos. Mas, de uma coisa eu sei, que por ter nascido menina, ensinamentos muito objetivos me foram passados por meus pais, fui muito bem doutrinada por eles - muitos desses ensinamentos hoje considero destrutivos e outros, com meu amadurecimento, refletem essa ideia de pensar no futuro. Eles diziam insistentemente: "Filha, seja agradável, seja doce, não pode falar palavrão. Caso contrário, você não vai arrumar namorado. Você acha que os rapazes querem namorar uma menina grosseira que fala palavrão? Eles não querem. Se comporte, siga as regras e estude bastante que você terá um bom emprego no futuro". Acontece que nem sempre dá para ser legal ou doce com quem não é assim com a gente. É cruel ter de ficar tolerando grosserias ou gente burra e, no final, ainda ter de dizer: "Ah... 'Mágina'... Tudo bem...". 
      Eu fui ensinada assim e agi por muito tempo com essa tolerância, pensando 20 vezes antes de responder a qualquer coisa, fosse de namorado ou até patrão, nos meus primeiros empregos. Hoje já não me considero mais uma pessoa gentil, agradável e doce. Acho que sou até um pouco agressiva. Mas a questão é: mesmo sendo eu essa pessoa atualmente, meio agressiva, o natural não seria falar para quem me ofende, com propostas ou perguntas idiotas, "Ahhh... 'Mágina', tô de boa, nem entendi o que você quis dizer..."?
 Não sou mais assim. Eu não me desculpo por aquilo que fazem para mim... Eu não tenho que aturar coisas que não quero aturar. Tem momentos que é necessário um pouco de grosseria, isso faz a gente aprender a se defender quando a situação exige a defesa e não a passividade. Ninguém é obrigado a aceitar qualquer merda com um sorrisinho. Essas merdas que fazem com você por te acharem inferior ou uma pessoa meiguinha e inofensiva... Pior do que ser atacada e agredida é ser tachada de mal educada e ainda ser rejeitada por ter se defendido. De homem não sou capacho e de patrão não sou escrava. Também não me coloco como objeto do desejo masculino apenas para ser usada como se fosse um depósito de esperma - útil apenas para aliviar a tensão masculina. Sei que, por um lado, a minha criação e de tantas outras foi assim, para aceitar, a sociedade é assim, exigindo sempre essa posição ridícula da mulher. Afinal de contas os homens desejam sempre mulheres doces e submissas que não dão escândalo, não falam palavrão, não gritam e nem discordam do seu homem. Lembrei agora... Tem uma música antiga que diz assim: "Uma mulher tem que saber amar, saber sofrer pelo seu amor e ser só perdão". Isso é um padrão cultural, um ideia incutida na cabeça da menina, mesmo antes de nascer quando a mãe conversa com o bebê na barriga. Afinal de contas, na mentalidade de alguns (muitos), qualquer merda que façam para gente temos que ser só perdão, pois somos mulheres. Eu não preciso disso. As pessoas não têm que gostar de mim por eu me sentir rejeitada por homem, família, sociedade ou quem quer que seja, principalmente por quem não tem nada a acrescentar na minha existência, muito menos por me acharem grosseira por não perdoar gente tosca que acha que devo suportar insultos. Não, mesmo!!! Eu respondo no mesmo tom ou ignoro. Ás vezes ser grosseira é uma pequena recordação que deixamos para o mundo, e para nós mesmos, de que não temos que aturar o que nem deveria ter acontecido. Tudo bem algumas pessoas gostarem de mim, e tudo bem algumas pessoas não gostarem porque prefiro meus gatos e meus cachorros a qualquer homem, ou generalizando, seres humanos idiotizados por seus pais. C´est la vie... Voltamos aqui ao exemplo do tipo de machismo que citei há pouco, entendeu?
     - Ufaaa!!! Você está me incluindo nessa lista? Eu me encaixo na parte dos machistas idiotizados ou dos toscos?
    - Até o momento em nenhuma delas. Você é gentil, meigo, inteligente e faz amor maravilhosamente bem, sempre preocupado com o prazer da parceira. Mas não garanto que isso seja algo duradouro depois que se acostumar comigo. Os homens, você aceitando ou não, são egoístas. E nem adianta vir com aquele discursinho novamente, porque já tenho opinião formada, que é muito difícil de mudar.
    - Resolveu soltar o verbo e falar palavrão? Você parece bem revoltada com o mundo? Não estou vendo qualquer meiguice em você nesse momento, apenas racionalidades e dúvidas existenciais sobre a humanidade e você mesma... Rsrsrsrsrsrs...
   
      Karla concordou com um leve gesto de cabeça. Sabia que não era preciso responder. Parecia não se importar com nada que Ronnie pensasse sobre ela depois de expor suas convicções com tanta ênfase.

    - Olha só que legal... Terminamos um lance da escadaria... Chegamos ao lugar em que paramos para respirar e beber água na subida. Quer se sentar um pouco no tronco ou prefere adiantar o passo para chegarmos logo ao carro?
    - Estou bem. Vamos continuar descendo - Karla colocou-se rapidamente à frente, iluminou o novo lance de descida e apressou o passo.
        




   

    
         

Cansado e Velho

Minha história gira em torno de mim mesmo, — uma vida quase nas portas do delírio na mente de muitos —, com o intuito único de conti...