Acho que foi num shopping Center no centro de São Paulo que nos conhecemos. Eu pedi um café expresso, ela um capuchino – ou talvez ninguém tenha pedido nada e ficamos apenas conversando. De qualquer forma prefiro dizer que pedimos cafés e escolhemos uma mesa perto da janela. Logo fomos servidos e trocamos algumas palavras sorrindo – aquele tipo de sorriso misturado com insegurança e timidez.
Na verdade, talvez, nós poderíamos ter nos conhecido numa fila de banco - na qual a espera e a falta de paciência levam muitas pessoas a conversar. Ou em alguma dessas festas estranhas na serra da Cantareira pertinho da
casa dela. Ou, ainda, quem sabe, lugares semelhantes, onde servem porções de fritas e
contra filé em fatias - um tipo de ambiente com meia luz, próprio para namorados. Pensando melhor... Talvez fosse legal num bar escuro e enfumaçado onde tocasse jazz com saxofone ou heavy metal com guitarras estridentes. É... Talvez... Poderia ser em qualquer
local onde iríamos curtir juntos pela primeira vez “November Rain do Guns & Roses”, e essa canção se tornaria a nossa trilha sonora predileta – (Poxa vida, nem gosto
tanto do Guns, mas pode ser essa mesmo! Fazer o quê?).
Não importa. A verdade é que não me
lembro direito como aconteceu, porque agora parece nao ter tanta importância.
O que me lembro é que nunca viajamos em
férias para Argentina ou Chile e nem passamos o final de ano num Cruzeiro pelo
litoral brasileiro. Não tiramos fotos um do outro, - foram pouquíssimas juntos - e
muito menos escrevemos declarações num tronco de árvore, tipo, “Eu te amo”.
Eu acabei odiado pela família dela e ela nem conheceu o meu
cachorro, que, tenho certeza, faria festa toda vez que ela me visitasse, por que, afinal, ela gosta de cachorro e leva o dela para passear pela vizinhança numa rua de ladeira - a cadela usando uma linda tiarinha na cabeça e roupinha de cachorro sob medida feita pela mãe dela.
Nunca assistimos os clássicos de Hollywood; apenas aqueles desenhos e
filmes antigos que dão sono depois de meia hora. Por isso nunca paramos para discutir
sobre o teor de qualquer daqueles filmes chatos. Justamente por não haver o que discutir
de tão ruim que eram e, por outro, porque ela não parava de falar de como é maçante ouvir sempre a mesma ladainha em casa.
Ela
fez uma única vez fondue de queijo com pão italiano, foi lá no Guarujá e, eu, nem
sabia escolher o vinho que combinasse com aquilo, – sempre fui totalmente
ignorante no conhecimento de vinhos – mas, para minha salvação, ela trouxe a garrafa certa para a ocasião.
Nunca passamos a noite entrelaçados e aconchegados – dormíamos um virado de costas para outro, quase caindo da cama. Nem
observávamos um ao outro enquanto dormíamos para sentir se aquilo poderia
proporcionar algum prazer ou admiração furtuíta. Acho que poderíamos ter dormido de conchinha ao menos uma vez. (Que coisa mais insensível não ter sido assim, não é mesmo?).
Talvez a relação não tenha sido como
deveria, pois, com o passar do tempo, não permitimos, por nossos bloqueios e preconceitos, que isso acontecesse. Não
nos envolvemos o suficiente e, lá no fundo, acreditávamos que não éramos as “pessoas
certas” um para o outro. Nem sequer nos conhecemos direito, pois escolhemos o
pragmatismo para não perder tempo com quem pudesse ser indiferente ou excessivamente apegado.
Em alguns momentos preferimos a simples
troca de ofensas ao invés da troca de carinho. Foram muitas e muitas noites com cara
emburrada e mal dormidas quando deveriam ter sido de amor, sexo e melhor vividas.
A despedida aconteceu fora de tempo para ambos. Havia à espera uma nova
vida totalmente independente. Nem pensamos que poderíamos ter aproveitado mais um final de
semana, mais um mês, mais um ano...
Deixamos tudo passar, esquecemos se algo foi
bom...
Agora nos mantemos distantes e solitários imaginando
encontrar alguém com quem ouvir “November Rain” - (Não poderia ser outra
música? Acho essa muito comprida e dramática.)Ou, quem sabe, passar alguns
dias na cordilheira dos Andes e, depois de pisar nas águas geladas do oceano
Pacifico, voltar para casa com um enorme sorriso no rosto e muita história para
contar.
Ela nunca percebeu que já tinha
encontrado esse alguém e a oportunidade passou. Mas, de uma coisa eu me lembro bem, de um
lance marcante que aconteceu em
São Pedro. F oi numa manhã de sábado no começo de Julho. Lá íamos nós passeando devagarinho de mãos dadas enquanto admiramos as árvores da praça principal, logo entramos
numa sorveteria por quilo chamada Oasis, pertinho da Igreja Matriz. Eu escolhi bolas de
sorvete sabor pistache e morango, e ela foi de creme e chocolate. Atravessamos
a rua e nos sentamos em um dos bancos antigos de madeira, que era bem desconfortável, com ripas brancas (já com a tinta descascando). Olhamos um para o outro, trocamos e
destrocamos os potinhos algumas vezes e, sem trocar uma só palavra, nos comunicamos através de olhares e gestos que determinaram cada atitude. Talvez tenha
aparecido uma ou outra frase solta meio assim: “Eu dizia: adorei esse de
pistache! E ela retrucava: não gosto muito de pistache”). Mas de resto era o
silêncio e apenas aquele olhar. Não houve reclamações, nem reprimendas,
tampouco exaltação; nada com duplo sentido ou má interpretação. Era apenas o
sorvete nos unindo de uma forma que até então nos era desconhecida.
A derradeira cumplicidade
aconteceu num raro instante: um beijo gelado, tipo selinho, bem descontraído e sem pretensão. Agora eu percebo que o começo do fim aconteceu em São Pedro , logo após aquele último selinho embalado por um gole de sorvete. Quando o sonho de ambos se foi para sempre.
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