Enquanto ouvia a música suave no rádio a conversa com Gustavo não tinha fim.
- Você estava tão bonita hoje quando nos encontramos!
Nada respondi e ameacei chorar.
- Por que ficou triste? Não gosta de elogio?
- Você quer mesmo saber por que eu quase choro?
- Sim, Sarah. Claro, quero saber, diga.
- Porque, olhando você assim tão carinhoso, me dou conta do tempo que perdi.
Sei que talvez tenha sido por teimosia ou minha vaidade tola, mas demorei a perceber que deixei de viver por remoer coisinhas dentro de mim (eu sempre fui boa nisso, infelizmente!). E ainda, para completar, envenenei as pessoas umas contra as outras, porque elas não faziam nada de acordo com minha vontade. Ahhh... Provoquei tantas situações para me sentir forte, superior - agora vejo o quanto fui prepotente e intolerante com os defeitos dos outros.
- É só por isso mesmo que chora ou tem algo a ver comigo? – Gustavo parece meio incrédulo e sem entender a situação.
- Sim, é isso! Eu sei que nunca fui má pessoa. Mas ai de quem discordasse de mim e dos meus objetivos! Eu “arrepiava” mesmo. Pois eu me "achava....”.
Tive alguns namorados, mesmo que não me achasse bonita, eu tinha o meu charme especial e podia levar a situação do jeito que queria.
- Mas você é bonita, hoje parece mais bonita a cada dia.
- Eu sei, confesso, eu me acho mais bonita agora devido ter me cuidado. Mas não posso negar que fui responsável por algumas relações frustradas e até mesmo perda de amizade. Porque, na verdade, eu queria mesmo era a busca do meu prazer com os homens e não me importava com as consequências. Outro dia eu comecei a contar para você, e não deu para terminar a conversa, que namorei uns rapazes bem burrinhos. Eu aproveitei, deitei e rolei com eles, fazendo cada um de marionete com meus joguinhos emocionais, porque eu me sentia forte o suficiente para não me apaixonar e ficar boba - minha mãe sempre dizia que alguns homens são mesmo bichos muito burros que pensam ser mais espertos que as mulheres, mas sempre são facilmente manipuláveis. Pior para qualquer um deles quando acabava nas mãos de uma mulher como eu, que aprendeu rápido como aproveitar de todos que tivessem o mesmo desejo incontrolável e instintivo: uma voracidade pelo sexo. Sendo fisgados facilmente, fazendo suas besteiras e se submetendo a demonstrar o que não são a troco de uma transa.
Sabe, eu nunca pensei em ter filhos, passei muitos anos pensando se seria ou não bom, pois isso abalaria meu psicológico e meu físico. Olha só, pega aqui! Sinta como meus seios ainda são firmes e meu abdômen íntegro. A minha única e principal preocupação sempre foi com a passagem dos anos. A idade, depois dos 30, com a aparição das marcas de expressão, foi acabando aos poucos com a minha vaidade. Eu tive medo que poderia não ter os mesmos atrativos de antes para os homens. E dá-lhe creme no rosto e tratamentos! Isso foi me deixando possessa, é claro. Mas, ao mesmo tempo, me fez repensar muitas coisas que nunca havia prestado atenção antes. O que me ajudou muito depois...
- Depois, quando? – perguntou
- Ahhh... Depois que mais uns 2 ou 3 anos se passaram, me deixando mais madura com o peso de uma vida inteira sobre mim. Eu já não podia fazer nada diante da minha imagem distorcida.
Hoje em dia não tenho ninguém para me acusar, sou eu de frente comigo mesma. E é claro que ainda tem coisinhas que me fazem não gostar do que vejo! Mas depois que me conscientizei deste peso dentro de mim, tudo aflorou de uma forma verdadeira... E, devo dizer, foi bem feio o que senti. Logo chegou a depressão que me pegou de jeito e me fez cair numa espécie de letargia interminável, onde eu via as cenas dos meus enganos a todo instante me fazendo sentir culpada de tudo! O inferno estava o tempo todo dentro de mim e, assim, aos poucos, eu me perdia no mundo. Sabe uma concha?... Pois é, eu estava em uma, prisioneira dos meus absurdos e das minhas escolhas. Eu não sabia se um dia conseguiria escapar e nem uma prece conseguia rezar sem errar, pois, nessa fase, já não acreditava em nada! Além disso, mal entendia como estava viva. Achei que ficaria assim para sempre... Como pode notar eu ainda ameaço chorar com o que me emociona, mas não é mais de desespero como antes; o meu choro é de alívio emocional. É um choro saudável, pois me limpa por dentro.
Hoje eu choro como uma pessoa verdadeira que tenta reconhecer aonde errou, e me sinto bem melhor por isso (imagine só como eu era arrogante: antes eu chamava de fracas as mulheres que eu via chorar por perderem seus homens, um amor!)
Eu vivo uma condição de buscar um canto ou o ombro de um velho amigo para chorar quietinha. Não é por amor não correspondido, arrependimentos e nem por fraqueza. Isso apenas me fortalece e quebra o meu antigo orgulho. Sei que daqui a pouco estarei rindo novamente, mas não será mais das imposições que fiz aos outros e sim de mim mesma. Apenas assim estarei curada e serena de vez, mergulhada na paz comigo mesmo que busco a tanto tempo.
O meu choro, que você percebeu, é também de agradecimento. Pois, além de você, muitas pessoas me ajudaram em meu crescimento, me apoiando nas horas mais difíceis da minha, o momento da perda de alguém que tanto amei, que me apoiou e me deu um norte (alguém que nunca me julgou e nem me cobrou nada).
- Sabe por que estou aqui nesse hotel com você?
- É porque gosta de mim? - Gustavo responde meio inseguro...
- Sim.... É porque gosto muito de você e principalmente porque seu apoio é muito importante para mim. Se um dia encontrar alguém como eu, que passou o que passei, ajude a pessoa. Veja bem: eu nunca quis ser exemplo, pois não vale a pena manipular os outros, ainda assim fiz coisas erradas. E aprendi que no final as consequências são terríveis. Eu, que um dia fui desejada por vários homens, hoje sou apenas alguém querendo crescer e ser feliz verdadeiramente. Eu sei que vou conseguir. Peço que continue torcendo por mim. E quando você escutar essas músicas românticas outra vez, lembre-se dos nossos momentos aqui no hotel.
Apesar dos meus defeitos, é importante que saiba que eu, de alguma forma, amo o tempo que passamos juntos e a oportunidade que me dá para desabafar. Isso me estimula tanto... Sempre lembro de você na hora da minha terapia em grupo. Eles conseguem me resgatar de mim mesma. Eles abrem meus olhos, penetram em mente e me tratam muito bem. E assim me fazem compreender de um jeito que nunca imaginei tudo o que já aconteceu comigo. Eles são de uma paciência imensa com os que ficaram presos em si mesmos diante de um trauma. Eu não demorei para me adaptar e logo fui melhorando, passo a passo, até chegar nessas condições em que você me vê hoje (ainda me tratando, mas bem melhor e mais consciente de quem realmente sou e das situações que ainda preciso superar). Ah, meu amor (posso chamá-lo de amor?), eu adoro estar aqui com você. Quando eu voltar à sessão de terapia na próxima semana, direi à todos que hoje é um dia especial da minha vida. Agradeço tanto por você me escutar e acreditar que um dia teremos uma história juntos. Quero que saiba que desde o dia que a morte acolheu minha irmã Solange em seus braços, de uma forma tão prematura e injusta, eu me senti completamente estranha e me vi mais viva além do corpo - sinto tanto a falta dela por respeitar minha individualidade e por nunca ter me cobrado nada além do que eu podia oferecer e, também, por nunca ter me julgado por qualquer situação.
Estou tentando ser eu mesma, sem tirar nem por, com meus próprios pensamentos e emoções renovadas.
E, em seguida que isso aconteceu, antes de seguir em frente, tive uma força interior misteriosa me impulsionando, o quanto e para onde você nem seria capaz de imaginar...
