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quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Uma Viagem Romântica 9

    As coisas que por vezes lembramos  nos parecem tão estranhas. São aquelas imagens e sentimentos únicos que nos acompanham por muitos e muitos anos. Como o momento em que percebi que nunca tive ao meu lado uma pessoa tão desafiadora dos perigos. E que, ao mesmo tempo, nunca me preocupei tanto assim com o comportamento de alguém que estivesse comigo. Mas, naquele momento, tudo o que eu queria no mundo era ter um amor verdadeiro. Um amor só meu. Ainda consigo me lembrar de cada detalhe da vida que imaginei estando ao lado dela. E às vezes me pergunto o que teria acontecido se eu tivesse recusado o convite de Karla para o passeio de fim de semana. Será que teria mudado os nossos destinos? Eu teria sido feliz saindo com outra pessoa? Quem poderá dizer? Mas de uma coisa eu sei: mesmo agora, depois de todos os sinais que recebi por intuição e do instinto básico de preservação, eu teria feito tudo novamente.

       
     - Olha só Ronnie, que lindo. O sol já está se pondo. Eu preciso tirar uma foto. Será que a câmera do celular consegue captar com nitidez todas as cores do horizonte?
     - Tenta. Vai clicando que uma acaba ficando boa.
     - Que horas são? - ela perguntou.
     - Quase seis.
     - Logo vai escurecer. O povo que subiu já está descendo. Acho que só nós dois ficaremos por aqui esperando o sol ir embora e a lua aparecer.
     - Vamos ser comidos pelos mosquitos e pernilongos, isso sim!
     - Relaxa. O céu está limpo, quero tirar fotos da lua cheia.
     - Vamos embora? Vamos descendo junto com esse povo enquanto a coisa está no auge. Poderemos ter dificuldade na descida com a escuridão, sem contar que o vento está ficando bem gelado.
   
      Mal anoitecia e o parque já começava a ficar vazio, a coisa, nas ideias inusitadas de Karla, começa a se complicar a partir daí.

      - Ronnie, já pensou se tivéssemos uma asa-delta aqui? Nós poderíamos sair voando em direção ao sol e observar lá do céu a noite chegando.
     - Você tem um jeito muito doido de desejar as coisas.
     - É... Eu sou assim. Vivemos num mundo preconceituoso e ignorante, onde muita gente não aceita que uma mulher seja decidida em suas ações ou revele seus desejos sexuais. Mulheres que agem assim são vistas como aberrações por pura ignorância. Mas a verdade é que deus fez igual tanto o homem como a mulher, com direitos iguais, a sociedade machista é que impôs as regras injustas. Houve uma fase da minha vida, quando eu era jovem e indecisa, que me sentia insegura com tudo. Mas eu mudei. Compreenda bem, Ronnie, que, do meu ponto de vista, em princípio não se deve julgar uma mulher por preferir isso ou aquilo e nem o ser humano por ser assim ou assado. Temos apenas que viver o melhor que pudermos. Estou te cansado com esse papo?
    - Não, continua. Você tem um jeito bem inteligente de explicar as coisas.
Karla arqueou a sobrancelha e continuou:
    - Algumas pessoas imaginam, ou sonham, com o homem perfeito, com a mulher perfeita, que estes sejam maravilhosos e sem nenhum defeito de conduta ou caráter. Mas a perfeição não existe. Quanto a você, Ronnie meu amor, se desde que nos conhecemos eu não tivesse detectado em sua personalidade uma sensibilidade maior, eu certamente o teria rejeitado. E se, cá entre nós, eu fosse tão diferente do que você esperava encontrar, convenhamos, você também teria me rejeitado. Mas uma coisa eu te confesso, com toda a honestidade, para meu gosto e conforto, o ideal seria que seu pênis fosse um pouquinho menor, pois sinto bater lá na parede do meu útero. Acho que no máximo vinte centímetros seria o ideal.
    - Sério? Pensei que gostasse assim, do jeitinho que ele é.
    - Eu gosto. Mas essa cabeça grande em forma de cogumelo, às vezes rasga e machuca um pouco por dentro, quando não estou suficientemente lubrificada. 
    - Poxa vida... Pensei que quando voltássemos para a pousada teríamos uma sessão de sexo anal, mas pelo que estou percebendo não vai rolar.
   - Até que faríamos para satisfazer a curiosidade de ambos, mas diante das circunstâncias do tamanho do seu pênis eu fico com medo de doer e de me sentir arrombada.   
   - Ah, acho que só uma vezinha para gente ver como é não vai causar tanto estrago assim.
   - Tá, vou pensar. Mas sem camisinha, never!
   Olhando o semblante entusiasmado de Karla, com aquela imagem fantástica do sol descendo horizonte abaixo, senti-me como se estivesse numa produção de Hollywood. Arrepiado, tive um súbito flash back de algum filme de Hitchcock. Karla continuou conversando, mas eu não ouvia nada, a imagem do tal flash back maluco se fixara em minha mente com o poder de pensamento negativo e desagradável, a ponto de me levar para outro lugar, como se fosse uma testemunha invisível rondando pelo ambiente. Era o jeito como imaginava que fosse a casa de Karla diante do que já havia me contado em suas relações familiares. 

  
     "Ela esbraveja a todos que está cansada da agitação do dia a dia, o que acaba deixando qualquer um exausto e enfadado. Em outro momento diz para si mesma que estava enlouquecendo um pouco mais a cada vez que ouvia censuras ao seu modo de ser. E pensava: “Oh... My God, quanto tempo isso vai durar?” Era então que resolvia entrar na escuridão silenciosa dos reclamos e pensamentos, e demorava demais para sair se sentindo profundamente sem rumo. Ficava num labirinto de frases e palavras tentando recompor detalhe por detalhe do que havia acontecido em família para aborrecê-la tanto. Ela custava a crer que conseguiria sobreviver a tantos dramas que não eram seus. A sua concordância silenciosa ao seu próprio pesar, era interrompida pelo barulho do vento entrando pela janela semi-aberta do seu quarto. E para dar um tom de mais excentricidade, usava de um tipo de encenação, demonstrando assim, através de gestos, caras e bocas, o quanto alguém tinha sido injusto com ela. Depois de ocorrido todo o relato, feito em detalhes venenosos, ela sentia um grande alivio. Era, sim, tudo um grande engodo para ela. Quanta suspeita surgiria daí por diante! Suspeitas indo e vindo na minha cabeça com a observação silenciosa. Quanto mais imerso nesse flash back eu ficava, mais meu crânio parecia querer estourar. Foi então que comecei imaginar a minha cabeça como se fosse o ambiente em que ela vive na casa dela, eu recebendo o reflexo do seu passado misterioso. Um lugar cheio de rachaduras expostas, um piso imundo e uma varanda com grades enferrujadas. Uma sala imponente e escura, decorada com uma estante alta onde não se enxerga o que tem em cima. Mais adiante encontraria móveis encostados e cobertos com lençol, sacos plásticos, caixas e pequenos caixotes espalhados pelo meio do caminho. Então paro e penso: Isso é mesmo um Deja-Vu? Eu reconheço essa casa. Sei peça por peça onde se encaixa, até a cor da toalha do lavabo. Quantos anos o povo viveu aqui? Por que hoje não tem mais nenhum som, não tem ninguém? Parece que estão todos mortos, que estranho... Pregado na parede um prego sem cabeça ainda descansa um calendário completamente sujo de poeira. Na fechadura da porta principal resta uma chave enroscada, parece retorcida pelo desgaste do tempo. O teto completamente mofado testemunha a decadência do que sobrou. Do lado esquerdo uma escadaria em L leva ao piso superior em petição de miséria. Do lado direito, ao final da escada, há um quarto grande com janela para rua. O quarto de tão sombrio preserva o aspecto de porão ou mausoléu. Uma grande cama de casal com edredom apodrecido pela umidade, enfeita o ninho que um dia foi muito chique. É made in Italy! Os travesseiros sem fronhas destacam etiquetas grandes e reluzentes, também muito chique, made in France. Do lado de fora do segundo piso tem as calhas enferrujadas que se soltaram dos parafusos, estão expostas a mercê da vontade do vento. Uma rajada mais forte teria feito tudo cair por cima do telhado da garagem coberta com telhas compridas e furadas por pedras. São características ao mesmo tempo muito comuns e também estranhas desse local. A cama, apesar de praticamente destruída, chama bem a atenção porque parece uma cama king size fora do padrão normal. É grande e com pés reforçados, e do lado direito de quem olha há um desnível bem visível. Os armários embutidos estão carcomidos por cupins, as cortinas por traças. Continuo dando mais uma volta pelo grande ambiente com pequenos tapetes empoeirados. Na frente um outro espaço totalmente enegrecido pelas cores das paredes, é um banheiro exclusivo com um vaso sanitário e uma pia com torneira diferenciada; tudo muito sujo, mas estilizado em cor dourada. As pupilas dos meus olhos se dilatam, aos poucos vão se acostumando com a falta de luz. Com a melhor observação noto que deveria ser mais cauteloso nessa cena. O espelho do banheiro pende num formato parecido de um coração. Que ridículo! Quanta vaidade foi refletida ali. Um enorme chuveiro tombado se escora na parede manchada do box, equilibra-se por um fio que transpassa o cano amarelado pelo tempo. Fico imaginando qual tipo de padrão a família dela havia estabelecido para si mesmos, a fim de uma sobrevivência harmoniosa nesse local. O que faziam para que todos não se matassem nessa casa? Qual seria o preço para estabelecer regras e montar o seu próprio mundo? De repente uma música aflora, é de uma outra imagem que se fixou em minha mente num tempo passado. O som é de saxofone em tom emotivo. Toda tranqüilidade que nunca existiu nesse mundo toma conta de mim quando olho para o chão. Há florestas de pelos pubianos, restos de cabelos tingidos e tocos de unhas pintadas formando enormes montes no meio do hall. Foi um flash rápido dessa imagem que se fixara anteriormente na minha mente e permanece colada até agora. Nessa desordem que se instalou, todos poderiam contornar, malabaristicamente, os montes feitos de lixo orgânico. Nessa hora sempre haveria uma intensa agitação com um corre-corre de pretensões artísticas e protestos contra os problemas internos e externos da casa; tudo acontecendo de uma só vez dentro desse ambiente que ela chama de lar. Imagino o filme dessas pessoas misteriosas andando de um lado para outro. Mas as coisas que aconteceram nesse lugar não fazem o menor sentido para mim - justamente pelo ar impuro desse ambiente abandonado, com aparência de lugar largado devido a tantas discórdias inquietantes. Ainda me dou o direito de imaginar e perguntar. “Ó Karla, que vida é a sua?” É por essa vida que leva que escolhe pessoas para se divertir inventando histórias e maltratando? Isso satisfaz a sua ânsia por desafios? Eu sei bem, depois de todo esse tempo, tudo está mais ou menos claro e ao mesmo tempo não está. Os meus pensamentos loucos estão fora de sincronismo, por isso continuo quieto ao lado dela. São pensamentos misteriosos que falam em códigos. Eu sei o que ela diria nesse momento se estivesse aqui dentro desse flash comigo, seria algo assim: “A sua teoria sobre mim pode ser muito lógica, aliás, bem verdadeira, mas isso não lhe dá o direito de invadir a minha casa!”. Com a reação imaginaria que depois dessa ordem pudesse me fazer readquirir a consciência perdida. Mas isso nunca aconteceria por que me recobro sozinho. E se acontecesse me traria a convicção de que durante muito tempo senti a visão tão fechada que nem conseguia me defender. Mas agora que voltei e estou lhe afrontando e me escondendo, tenho um mundo só meu onde posso finalmente reagir contra seus desafios. Mas infelizmente há muitas coisas soltas que precisam ser buscadas em nome de algo maior. Juro que gostaria de ter boas noções de esperança nessa hora. Apesar de saber que tenho ideias próprias, mesmo estando sujeito a toda essa limitação de ações, circulando por sua casa fedorenta. É tudo porque esse longo e triste corredor de incertezas está diante de mim. Sei que pouco a pouco conseguirei firmar a vista nessa escuridão. Mas olhando adiante verei flashes de claridade na passagem de saída da casa que fede. Ouço novamente o som do saxofone patético. Se Karla estivesse aqui com certeza veria, com enorme tristeza, toda essa desarrumação dos corredores por onde tanto andou, xingou e amaldiçoou a própria vida. Sem me conter por tanta curiosidade, vou abrindo porta por porta dos ambientes cheios de tons pretos. Não vejo nenhuma bagunça dentro desses lugares, porém, existe um canto especial que prima pela ordem e limpeza, e brilha no escuro. Santa ingenuidade a minha! Karla mora aqui! As pessoas dos outros quartos são completamente estranhas e desoladas. Não vejo um só rosto familiar ou que sejam parecidos com Karla. Ao se virarem, por sentirem minha presença invisível, mostram os seus rostos mutilados e a pele do corpo queimada. Medrosamente pretendem esconder os seus infortúnios por detrás das portas trancadas. Passam privação, mas não se mostram como são.  A neblina fina começa a cair mansamente. Dou uma última olhada pela janela do quarto da frente da casa, vejo que alguém anda procurando algo no chão. Sinto o clima e desço pelas escadas que me levam para a liberdade desse flash back, ou deja-vu ou sei lá o quê. Agora me sinto só. E, apesar de insistir em tentar eliminar essa lembrança, me arrepio diante do pavor de ser empurrado da beira do abismo. Não obtive maiores informações, foi só até onde consegui chegar, juntamente com todos aqueles que fazem parte da multidão em burburinho que
acabou de descer do alto da pedra por uma questão de segurança". 

    - Ronnie. Ronniiiiieeeeeee! - Karla estala os dedos três vezes.
    - Ah... Oi... Acho que eu estava "viajando" em pensamentos e sonhando acordado.
    - Olha só que lindo a estrela Dalva ao lado da lua.
    - Sim, sim. O céu está maravilhoso. Aqui de cima parece que somos vizinhos das estrelas. Vamos descer, está ficando muito frio.
    - Não. Quero ficar mais um pouco. Quero ver se aparecem meteoritos.
    - Putz... Se eu soubesse teria trazido um agasalho. 
    - Vamos para aquele lugar que falei que tem formato de concha? Fica bem antes da beirada. É seguro. Lá a gente se ajeita porque o formato da rocha é propício para o descanso do corpo. Espaço suficiente para duas pessoas, com sobra.
    - Você é louca!
    - Pare de me chamar de louca.
    - Pelo visto a sua mania de me desafiar está de volta.
    - Vamos, vai. Não custa nada. Podemos tirar as roupas e forrar o chão... Se vier algum vigia do parque nem vai ver a gente. Quero fazer amor sob a luz do luar para energizar nossos corpos e nossos espíritos.




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Muito obrigado por me prestigiar.

Cansado e Velho

Minha história gira em torno de mim mesmo, — uma vida quase nas portas do delírio na mente de muitos —, com o intuito único de conti...