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quarta-feira, 22 de agosto de 2018

O Pecado Capital Parte 08

                                    Episódio 8 (Dicotomia)     

      Sarah Rodriguez! Esse é o nome da pessoa que durante um tempo perdeu o próprio rumo. Ninguém nunca conseguia dizer ao certo quem eu era, de onde eu vinha ou o que me aconteceu. 
     Muitas vezes esqueci qual seria meu eu verdadeiro. 
     Muitas vezes em meus devaneios vagueava desconsolada e em desespero, procurando o corpo e o nome que me deram; Sarah com H, meu pai escolheu porque recebeu o conselho de uma cigana que dizia o H ser importante no nome por estar ligado ao dinheiro e posição de status na escala social, o H também denota a personalidade que se sobressai quando surge um desafio. Ele me queria sempre forte, destemida e com sucesso. Acho que ele nunca viu em mim uma mulher assim, o que me tornou uma pessoa ansiosa e amarga por um longo tempo, e por esse motivo muitas vezes procurei razões para condená-lo, pois, de uma forma ou outra, era o melhor jeito de condenar a mim mesma por me tornar como ele sem perceber. Durante muito tempo imaginei que tivesse vencido e me libertado de todo esse peso, mas com o passar dos anos percebi que nunca havia sido melhor, que tinha conseguido ser inclusive pior, pois via claramente as consequências e apesar disso fui impotente para modificar meu próprio rumo. 
     Quanto mais consciente ia me tornando menos desejo tinha de fazer as coisas - quando se está plenamente consciente tudo parece justo e não há necessidade de mudar nada. A falta de reação, como se expressa num filme chato ou numa peça teatral enfadonha, é um caminho para a morte. 
     Caso eu me afogasse numa praia talvez fosse capaz de entrar num transe teatral para partilhar a vida ativa que existe no mar até ficar madura para renascer. Aí sim compreenderia perfeitamente a transição, embora agisse em total desorientação e sem saber ao certo o que estaria acontecendo em terra firme. Por puro instinto nadaria de volta para atividade humana, até chegar à fonte do ego colossal que andava submerso, e num ato final de desespero, viria à superfície para que pudesse novamente cavalgar as ondas e mergulhar de novo até o momento de me revelar sem desperdiçar o tempo restante.
     O ato de sobreviver seria automático e as variáveis infinitas. 
     Como seria possível deter o corpo quase caindo no vazio do precipício? Seria fácil no momento fatal entregar tudo, dar o último abraço e esquecer o que ficou para trás? 
     Se ao menos eu fosse uma ave e não um ser humano o monstro da minha realidade nada seria comparado ao monstro da minha imaginação, mesmo que o monstro patológico fosse parar no fundo do precipício.
       Se tenho fantasias ao pensar na vida assim é porque possivelmente fiz tudo o que minha voz interior mandou fazer. Ela está permanentemente sussurrando no ouvido: "Se deseja sobreviver, saia da beira do precipício!". 
      Às vezes essa finíssima linha que separa meu sonho da realidade desaparece e eu volto a ser arrastada pelo vazio, recomeço a viagem do eu sem amarras e do monstro no fundo do precipício. Nessa situação posso ser perfeitamente capaz de atender às exigências comuns da vida - de encontrar um amor, de me tornar mãe, de receber amigas, de ler livros, de pagar dívidas, de trabalhar de manhã até a noite e assim por diante. Viver como uma pessoa comum enquadrada numa rotina que atende por um nome e com número de identidade e CPF. E no final, acabar totalmente impotente diante do destino que já foi traçado no dia que nasci, sendo posta a caminhar através de um enorme buraco a outro até chegar ao finalzinho da madrugada cansada e inquieta. 
     Tudo agora se reduz a proporções diminutas, inclusive o mundo que criei que vai muito além dessa linha fronteiriça, o mesmo mundo que um dia foi tão misterioso e limitado. 
     Sim, de repente tudo isso avança sobre mim como um furacão que suga as energias, me torna tão fraca e atordoada que mal consigo me manter em pé e lúcida. Eu me fecho por completo enquanto ouço o murmúrio de vozes tenebrosas tentando me dar lição de moral ou dizendo que do céu só cai água.
    Eu atravessei a linha e o mundo que considerava seguro não existe mais, então fico leve como uma pluma e voo sem me perder, vou me colocando delicadamente entre os restos do que ficou, sem, portanto, rejeitar o espanto de novas descobertas,  não sei se a meu favor ou contra mim, através de sensações agradáveis ou não, fazendo parte da vida real ou da mentira. E não foi por mero acaso da situação que fui diretamente ao osso, penetrando e esmiuçando a carne podre das dúvidas e conceitos arraigados na mente de quem conta essas mentiras e faz falsos planos de libertação num futuro próximo. 
     Tudo isso, não sei ao certo se é relevante como aprendizado ou apenas um espectro de criação imaginária; o que no fundo mais parece o fruto do lado obscuro da vida. 
    Sei muito bem que tudo pode parecer confissão para o arrependimento, ou até mesmo uma crise de hipocrisia cruel e imoral da minha parte. Mas com certeza a coragem sempre existe para desvendar com firmeza os mistérios da vida. E se para alguns as minhas vontades parecem pequenas por me satisfazer com pouco, para outros pode ser algo normal e grandioso que se aprende receber. 
     Sei que em muitos momentos estou cutucando as partes mortas do pensamento, lá onde residem as verdades que afloram assim, meio em desconexo. Lá se esconde aquele ser que busca a si mesmo em seu inconformismo. Por isso em toda essa escalada, faço com que exista algo para pensar, refletir e viver; dou e recebo o máximo que a situação permite; e a partir daí vão se abrindo os caminhos que ainda podem ser desconhecidos - (mesmo que exista e persista um tipo de rebeldia nessa vida, uma rebeldia silenciosa sufocada em lamentos interiores numa parte morta do cérebro, que nada mais é que uma lata de lixo para sensações que não têm mais significado real, mas ainda estão lá fustigando).
     Depois de mais uma noite ao lado de Gustavo, eu acordei, me levantei e, olhando para as paredes ao meu redor, não compreendi absolutamente nada do que está se passando comigo, nem me interessei se o mundo ferve lá fora ou se está na mais perfeita ordem. Em tais momentos parece que nasço de novo e sou novamente batizada com o nome que detesto: Sarah Rodriguez! 
     Tudo o que faço quando me apresento com esse nome parece meio maluco. As pessoas me olham furtivamente e fazem sinais de zombaria por trás de mim quando me viro. Contudo, essa gente não valoriza e nem sabe que diante de toda lógica da vida eu deveria estar morta se acaso a mulher que sou não tivesse sobrevivido a tantas feridas. 
     O que mais me fascina é de uma coisa tão morta e enterrada como eu ter conseguido sobreviver e superar, não uma, mas várias e várias vezes tantas situações, como a que aconteceu com minha mãe que, depois dos sessenta anos, caiu entrevada numa cama acusando fraqueza nas pernas e ossos e com esquecimento de tudo e todos. Ela nunca mais se recuperou e foi ficando pior quando as lembranças foram se apagando mais rapidamente. Às vezes repetia a mesma pergunta várias vezes como se fosse a primeira vez, em seguida reclamava por que a irmã dela, que já havia morrido há mais de um ano, não vinha visita-la. Em certa ocasião, sem firmeza alguma nas pernas, resolveu ir ao banheiro sozinha enquanto eu estava na cozinha preparando o almoço, escorregou e caiu quebrando o fêmur esquerdo. Deu um trabalhão danado durante meses com a aquela perna engessada e se locomovendo de cadeira de rodas pela casa! Um tempo depois, numa consulta médica, recebemos a notícia que ela precisaria colocar urgentemente uma válvula na cabeça para drenar um líquido que provocava inchaço e pressão no cérebro. Ela nunca se adaptou com aquilo, permaneceu com crises constantes de tontura e vômitos. Muitas idas e vindas ao hospital para ajuste da pressão da tal válvula. Passou a ficar muito mais tempo deitada na cama do quarto olhando para teto ou sentada na mesma posição durante tardes inteiras no sofá da sala assistindo televisão, que ficava sintonizada em qualquer canal; ela nunca entendia direito o que estava assistindo. Meu pai foi obrigado a comprar uma cama hospitalar com inclinação e elevação para colocar no quarto deles. Ele se esforçava e ajudava no que podia nos cuidados com ela, mas dava para perceber a tristeza e o desanimo que tomou conta do semblante dele depois que percebeu que ela não voltaria nunca mais à vida normal. Pouco tempo depois de se recuperar da perna quebrada, ela ficou mais deprimida e sem atividade, foi quando passou a usar fraldas dia e noite e precisava de alguém para dar banho. Um belo dia apareceu uma infecção urinária e o médico receitou um creme de uso interno que deveria ser aplicado por 10 dias. Eu achei que não conseguiria e pensei até em contratar uma enfermeira para cuidar dela. Mas desisti da ideia e resolvi eu mesma tentar a aplicação. Não foi difícil, ela colaborou e eu consegui - o que me deu uma certa satisfação ao perceber que realizava algo que nunca sequer havia imaginado que faria, principalmente com a minha mãe. Depois do segundo dia eu já estava bem adaptada à tarefa.    
     Por essas e outras não recuo mais diante de qualquer coisa que amedronte ou fira meus sentimentos, pois a realidade não espera consolo do que pode parecer um castigo, isso é vida! E é através dela que todos os acontecimentos se encaminham, produzindo uma grande quantidade de incertezas e julgamentos. Pois cada movimento é julgado no mesmo instante e um simples passo não é dado sem um julgamento. Tudo está incluído: uma palavra, um gesto, um olhar, um piscar de olhos, uma lágrima, um choro compulsivo, um sorriso solto, um beijo, uma verdade, uma mentira, uma traição de confiança... 
     Logo após descobrir que tudo se tornou uma espécie de purgação aos olhos dos outros, sobretudo por desconhecerem meus dramas pessoais, a vida acabou virando uma sensação trágica e frustrante em meu relacionamento com as pessoas, principalmente com Gustavo. Com ele passei a ter uma entrega constante e minuciosa na atuação teatral diante das circunstâncias do momento e das responsabilidades que recaíram em minhas costas e eu não podia abandonar. 
     Olhando o mundo tal como ele é e pensando assim, posso transmitir a sensação de algo meramente cruel, sem enfeites e sem uma bondade convencional para maquiar ou manipular. Porém, antes de dizer toda a verdade há o recuo porque ninguém quer críticas quando espera reconhecimento, recompensa ou uma dádiva vinda dos céus. 
    São esses ensinamentos que recebi da vida que entram e saem da mente quando toda informação é processada, digerida, analisada e guardada, ou quando retorna ao exterior, em uma situação limite de entrega e abnegação. 
     A vida tomou rumos e efeitos que muitas vezes distorceram a forma como o acontecimento foi recebido por mim em determinado tempo. Nem todo bem que recebi reverteu em bem e nem todo mal reverteu em mal. Muitas vezes na defesa houve um bom pensamento quando na ação havia o conflito com a razão. E a imagem passada para as pessoas nessa situação foi de total desorientação e incoerência do meu sentir verdadeiro. 
     Eu imagino que todas as pessoas têm necessidade de bem estar, de sexo e dinheiro. Por isso que no meio disso tudo me sinto derrotada. Minha filosofia de vida nunca seguiu essas regras. Pois ela vive sendo desnudada pelos lemas da rotina em que vivo com a falta de benesses, dinheiro curto e sexo como necessidade. Nessa situação todos os meus atos de coragem ou covardia são expostos e julgados a revelia do meu querer. Pode até parecer que o modo como me refiro à vida, ao bem e ao mal, seja um sonho ou uma realidade implacável, porém, sinto que nesse meu modo, fujo do plano total da vivência e de opiniões transitórias que abdicam do prazer do meu convívio porque sou assim. Mas, não há renuncia nesse meu ato de rebeldia, não há fuga e nem afastamento para a solidão. Apenas o conflito de mundos opostos, que ora se atraem e ora se repelem com energia excessiva e desnecessária. E no refúgio da mente o bem continua vivo, ele não quer se extraído se o mal prevalece em alguma atitude ou omissão. E nesse conflito nada mais há do que o próprio conflito. Um ataque interior que choca e mantém o silêncio lá dentro. O que em alguns momentos faz encarar a solidão em sua mais pura essência. E isso vai brotando como brotam os grãos de feijão em um tubo de ensaio. 
    A minha compreensão do bem continua presa em um simples pensamento cheio de regras duras e a todo momento sondado pelo mal. A dita cuja compreensão se mantém num abrigo tranquilo esperando a tempestade passar. E assim prossegue a razão permanente no mais puro viver, tentando obter abrigo e pureza daquilo que já se misturou e não se pode alterar. Resta o inconformismo como vilão e redentor no que se considera um bem para uns e mal para outros, quando no abrigo provisório a tempestade inunda a mente trazendo consigo uma lição de vida inerente à vivência de cada um e também à minha.







Cansado e Velho

Minha história gira em torno de mim mesmo, — uma vida quase nas portas do delírio na mente de muitos —, com o intuito único de conti...