quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Uma Viagem Romântica 8

       Segue-se o silêncio, até o final do último lance de uns 40 degraus bem inclinados. 
     As narinas pulsam e os olhos admiram cada palmo de chão plano com desníveis naturais - igualzinho há alguns anos, quando da primeira vez. 
     A névoa passageira, em meio ao sol do começo da tarde, percorre o horizonte e não permite reconhecer ao fundo as cidades, as árvores e tudo mais que traz recordações do passado. Escorrega o calçado na pedra lisa enquanto segue em direção à beirada, guardando primeiramente um limite de segurança de vários metros, de onde não se consegue enxergar o fundo do abismo. A atenção se volta à uma grande ave que faz voo rasante em círculos, próximo da copa da árvore mais alta do precipício - que fica mais de 100 metros abaixo do topo da pedra. Sem o objetivo da ave que prende a atenção, e que se perdeu em meio a folhagem, o pensamento volta ao momento trivial.

     - Ronnie. Vamos fazer um pacto? Olha só que coisa mais linda esse visual. Eu revelo um pouco de mim se você me disser por onde voa o seu pensamento, nessa imensidão que se vê aqui do alto. 
     - Eu gosto da sua presença e do seu corpo quando está próximo ao meu, do jeitinho que estamos agora, um segurado no outro. Por isso admiro o sol, a lua, o horizonte, as árvores, os pássaros e toda a natureza. Quando me lembro do gosto que seus lábios deixam em mim, consigo tecer tramas e ideias fantásticas. São enormes desejos que posso confessar só a você. Quando olho para o horizonte me volto para dentro de mim, consigo perceber compartimentos que há tempos estavam trancados e agora podem ser abertos com um sopro. Um sopro que me dá a noção de equilíbrio. O seu sopro. Nada se parece com o que sinto aqui dentro, nem o que vejo lá no infinito. Apenas penso o que posso ser para você e o que você demonstra sentir por mim. Nada se parece com o que imaginamos e não conseguimos enxergar lá no meio da névoa no horizonte distante. O que vemos daqui é o que vem do céu e que virou minha vida; é o que recebo de você no topo do mundo. Chegamos no topo, finalmente!!! Olhe lá longe, o gado pasta compassado; parecem formiguinhas percorrendo trilhas. Consegue enxergar o rio que corre lento daquele outro lado? Observe atentamente lá adiante, abaixo dos galhos secos e troncos retorcidos. Vê as copas renovadas e as flores vermelhas apontando para nós? Garanto que tem um significado, tanto pelo tipo da flor como pela cor. Naquela árvore tem um ninho de filhotes da ave com penas amarelas, a mesma que passou voando a pouco sobre nossas cabeças. O ninho parece fora de lugar, pendente, se move de um lado a outro pelo vento. Veja só: dois grupos de pássaros acabam de pousar nos galhos e balançam no mesmo ritmo do ninho. Você viu?
       - Estou vendo. Caramba! Você decorou esse dizeres ou leu em algum romance? Aproveitou a oportunidade para me dizer aqui no alto da montanha? 
       - Não, não. Falei porque é o que sinto de verdade. É o que observo. Vem espontaneamente. 
       - Ok. Vamos tirar uma selfie de nós dois, com o horizonte ao fundo, quem sabe os pássaros aparecem na foto. Sorria e segura o sorriso, mas sem parecer forçado. Isso assim. Você fica mais bonito quando sorri!
        Quando nos viramos para a selfie percebemos dezenas de pessoas fazendo suas selfies, outros batendo fotos de amigos, adolescentes saltando no ar com pernas, braços e boca abertos para imagem no Instagram e Facebook. Também fotos de família reunida com estranhos manuseando, por grata gentileza, os celulares dos fotografados. Há uns 10 metros do nosso local uma mulher prepara-se para se sentar no chão, - previamente forrado por uma toalha florida -  ela repousa a mão esquerda na perna direita do seu acompanhante. Segura um leque azul-marinho com motivos orientais a retratar alguma paisagem japonesa. Ela usa um vestido longo, com pregas largas, alças finas nos ombros e sandálias baixas com cordão nos tornozelos. Ela tem um olhar enigmático, desesperadamente silencioso e angustiado, como se pensasse na ambivalência da luxúria feminina. Olhando mais atentamente, depois de um tempo, ela me pareceu familiar. Mas foi só impressão. Fujo do pensamento como no passado, sem estar convicto de que tudo o que penso, digo ou faço tenha qualquer interesse ou importância para Karla. Sou como um animal em prisão doméstica que observa a civilização em doses controladas. E abranda os instintos violentos através da doutrina que recebeu e ainda recebe da sociedade. Por isso que meus olhos seguem um traçado, vêem imagens que se misturam às outras e perseguem as coisas até encontrá-las. Ainda que esses olhos se enganem e não decifrem  os enigmas que a vida traz eu sigo, mesmo que eu não perceba a tempo os significados dos sinais. 
        - Karla, você está indo muito para a beirada da pedra, eu vou parar por aqui. Se quiser siga sozinha. Você não tem medo de cair? 
        - Sim, na verdade ás vezes eu tenho um pouco de medo, principalmente quando muito próximo da beirada, mas eu sei o meu limite. Quero tirar umas fotos diferentes.
        - Tome cuidado, a pedra é lisa e escorregadia, se cair nesse abismo "já era"!
        - Se eu cair você diz para minha família que me suicidei e quero ser cremada. Meu último pedido foi das minhas cinzas jogadas ao mar.
        - Você é louca! Saia dai, por favor.
        - Venha comigo, vamos chegar mais perto, venha olhar lá no fundo. Descobrir mistérios.
        - Eu não! tô fora!
        -  Tá com medinho? Quando você era menino tinha medo de beiradas ou dos limites impostos por seus pais? Você quer que voltemos para a pousada agora? Podemos ir e fazer amor como na noite passada. Que tal? Ou melhor... Venha cá. Vamos dar uns "amassos" bem aqui no perigo. Encontrei uma saliência feito uma concha profunda, podemos ficar escondidinhos dos que não tem a nossa coragem. Venha! 
        - Não. Você é louca. Quero que saia da beirada da pedra. Se não sair vou chamar as outras pessoas que estão passeando e avisar que você está querendo se jogar. Vai passar vergonha.
        - Tudo bem, eu saio. Mas só se você vier me buscar.
        - Poxa, não brinca com essas coisas. Isso já está ficando chato. Eu não vou. Tenho medo de altura. E mesmo que não tivesse não iria.
        - Então tá. Se você não vier eu vou ficar aqui olhando a paisagem até o pôr do sol chegar. Não vamos tirar selfie de ambos admirando a beleza da natureza. Fica aí, medroso.
         
       Depois de certa hesitação, decidi que seria melhor sentar e esperar por Karla ali mesmo, na parte segura da rocha, até que ela resolvesse finalmente voltar. Algo estranho se passou em minha cabeça nesses minutos de espera: "O que poderia ocorrer se eu fosse ao encontro dela na beirada do abismo, já que não a conhecia o suficiente para saber o que pensava"? Então apoiei as costas na curvatura da pedra e esperei, ficando atento para captar qualquer movimento ou sussurro dela. 

     A névoa do horizonte desapareceu e tudo ficou limpo, claro como o céu de brigadeiro. Dali de cima, lá longe, os edifícios das cidades do vale, as estradas serpenteando em meio aos morros, algumas de chão batido e quase trilhas de carroça e, outras, rodovias asfaltadas. A cor predominante embaixo, nas copas das árvores, era o verde-luminoso, verde-acinzentado, verde-listrado e verde-escuro. Conforme ia esticando o olhar o verde ia ficando amarelado até na linha do horizonte, se chocava com azul clarinho do céu que, subindo para o meio do firmamento, fazia sua tonalidade ficar mais púrpura. Os telhados das casas distantes e os longos canteiros de verduras estavam a perder de vista, fazendo parte daquele tipo de paisagem que de tão bela não sabemos para onde olhar. Eu podia imaginar como alguém que nasceu ali e morasse a vida toda sem nunca ter ido à uma cidade grande, passasse bem devagar entre os canteiros, suspirando e conferindo a beleza da colheita imaginando como seria a vida numa cidade como São Paulo. Doce ilusão!
     Quanto a Karla, não importo se algum dia alguém venha a saber que estou aqui de castigo e ela lá me desafiando ao perigo. Não me importo que debochem, pois, apenas ela e eu sabemos o que todos não sabem. 
     O vento começou a soprar mais forte, até que enfim Karla se virou e resolveu sair da borda, seus cabelos e roupas começavam a ficar esvoaçantes demais, mas não deu nenhum passo. Ela me chamou seguidamente com um sinal de mão. Eu não sabia qual das duas possibilidades era mais assustadora: ignorar o chamado que talvez fosse um pedido de ajuda para sair da beirada ou, ao contrário, encarar corajosamente meus medos e ir atrás para desvendar o que poderia ser seu aceno tão insistente. Titubeei e novamente veio o pensamento esquisito: "E se for uma armadilha perigosa"? O medo e o desespero já começavam a perturbar meu coração e pressionar a respiração como se um sapato de chumbo pisasse no meu peito. 
     Por fim Karla resolveu tomar a iniciativa e caminhou em minha direção. O que me deixou extremamente aliviado.
       - Ronnie, você perdeu a vista maravilhosa que tem dali. Consegui ver o fundo também. Tem um montão de urubus no chão e alguns pousados nas árvores. Será que alguém caiu recentemente e virou banquete de urubu?
       - Você não tem juízo, isso sim. Vamos ficar onde é mais seguro.
       - Não subi até aqui para ficar parada e nem para ficar em lugar seguro. Olha lá, tem pessoas seguindo por aquela trilha. Vamos junto ver o que é.
       - Tomara que não leve a outro abismo.
       - Creio que não. Tem crianças acompanhando.
       
       Caminhada difícil entre troncos, um traçado estreito e sinuoso que serpenteia até o alto de outra pedra gigante com escarpas íngremes e cheias de vegetação, e, depois, continua por trás da pedra em deslizamentos perigosos. Logo surge diante dos nossos olhos um paredão, é a encosta da pedra, Karla fica estática e pensativa alguns instantes diante daquele obstáculo quase intransponível, imaginando o que fazer. Uma nova sensação estranha e misteriosa se passa pela minha cabeça, algo como se ela já houvesse estado nesse lugar em algum momento do seu passado. Será que algum dia a cena aconteceu e ela permaneceu estática diante desse mesmo paredão como faz agora? E, assim como nesse exato instante, havia se perguntado se seria melhor prosseguir ou voltar? Afinal de contas, pensando bem, não foi ela que sugeriu o passeio, a cidade e a pousada?... Fez mistério, disse que seria surpresa e blá blá blá... Muito esquisito o que acabei de sentir.

      Então sugeri a ela:
      - Deixa esse povo "se acabar" de cansaço aí nessa subida suicida, venha, vamos voltar ao platô principal onde todos ficam observando o pôr do sol. Daqui mais ou menos 1 hora vai começar a escurecer. Lembre-se que temos uma enorme escadaria para descer na escuridão total.
     - Tá... Eu vou... Se é assim que você quer... Vamos sentar lá feito dois bonecos que esperam o pôr do sol.
     - Isso amore mio, venha. Será muito legal testemunharmos esse momento especial, já que não é sempre que temos a chance da foto do sol gigante feita do alto de uma montanha. Quem sabe damos sorte e a lua de sangue aparece hoje. Sabe que fase da lua estamos?
     - Tá bom, estraga prazeres. Olha aí no Google para ver se a essa lua é hoje ou no ano que vem. Vamos procurar um lugar e esperar. Ainda tem água na garrafa?


***** Um pedido especial do autor: Você que ainda não é seguidor (a) do blog, por favor, clique em "seguir". A sua ação é muito importante para o crescimento e maior visualização nas listagem do Google. Peço também que após a leitura deixe seu comentário. Toda postagem tem o espaço para suas impressões que serão muito bem-vindas e também ajudarão nas listagens e mecanismos de busca. Assim agindo ajudará no incentivo à arte da escrita e a este contador de estorias no direcionamento da trama.

Muito obrigado por me prestigiar.




                 

8 comentários:

  1. Bom, uma mulher com uma tendência a adrenalina forte e se machucar alguém. Nem tem problema ,meio nostálgica, e influencienciadora .

    ResponderExcluir
  2. Maravilhoso a descrição dos acontecimentos e esses pensamentos e medos dele, eles já tiveram ali antes, eu diria que sim pelos acontecimentos, em outra vida talvez,todos nós temos medo de algo e nem sempre entendemos o porque e é extraordinário essa percepção de que algo vai acontecer ou já aconteceu algum dia, eu espero o próximo capítulos.
    Fátima Carvalho.

    ResponderExcluir
  3. Adorei, tu está de parabéns e vou passar para meus amigos, espero ler mais, bjos

    ResponderExcluir
  4. Gostei demais da descriçào bem rica e minuciosa dos detalhes.
    Ela provoca ele de todas as formas, inclusive, quando percebe q ele tem um certo medo .., e que n tem medo de algo ou alguém?
    Mas, a firmeza dele em não ir ao encontro dela mostrou q ela n está no comando.
    Afinal, eles estão passeando.
    E eles ainda tem tempo para se conhecerem e e para curtirem lugares q farão partes deles depois. Sonia

    ResponderExcluir
  5. A cada capítulo lido, uma pitada de curiosidade se soma e aumenta a expectativa para os próximos. Você escreve lindamente. Parabéns

    ResponderExcluir
  6. Pelo q pude perceber, o casal tem mto a conhecer um do outro e ambos ainda estão ariscos para abrir o livro de suas vidas e revelar sua história com angústias, medos e segredos!
    O passeio com belas paisagens, boas energias e momentos mágicos, propícia maior proximidade e intimidade para q eles sintam-se mais a vontade e com o romantismo necessário para q ambos liberem as amarras e confiem suas fraquezas um ao outro! Este momento oportuno pode trazer revelações importantes para o bom crescimento da relação! Ou não...
    Bela descrição, Sr. Autor! Deu até vontade de fazer esta viagem!
    Bjsss!!!

    ResponderExcluir
  7. Olá,Sr.Autor!O capítulo mostrou bem que,Karla,áquela menina que se mostrou tão frágil ao fazer a caminhada,onde não chegou nem ao topo da pedra,com falta de ar e tão bem amparada por Ronnie,se mostra de uma forma totalmente agressiva e irônica.Sim,pois quis fazer um pacto com ele,desafiando-o,e desmerecendo-o como se fosse agora a mulher mais corajosa e forte que existia naquele momento.Diante deste cenário,fica mesmo a dúvida...Karla estava tramando algo contra Ronnie?Porque deixá-lo tão apavorado?Egoísmo?Então,fatos parecidos ocorrem quando pessoas resolvem se aproximarem para terem algo a mais,sem se quer ter conhecido e vivido melhor com a mesma.Enfim,pode-se afirmar que,muitas surpresas prometem surgir aos seus leitores,não é mesmo Sr.Autor?Aguardo bem ansiosa mais um desfecho de tantos mistérios.Parabéns!Bjs...

    ResponderExcluir
  8. Olá,senhor autor. Mais uma vez vc conseguiu colocar uma pulguinha atrás da minha orelha! Os dois personagens escondem segredos do seu passado. E por vários momentos deixaram isso transparecer durante a conversa e no comportamento durante esse passeio. A Karla se comportou de maneira muito estranha no alto da pedra, deixando Ronnie apreensivo com as brincadeiras na beirada do precipício, chegando até mesmo a falar que se ela caísse era para ele dizer a família dela que ela havia se suicidado. Quem em sã consciência diz uma coisa dessas durante um passeio com um namorado recente? Isso foi estranho e um pouco assustador.
    O Ronnie é uma pessoa bastante reservada e eu ainda não consegui entender sua personalidade. Já a Karla é temperamental e explosiva,mas ela tbm esconde alguma coisa. Ela deixou transparecer que já esteve naquele lugar e me pareceu que algo não muito bom aconteceu com ela ali.Mas diante do olhar interrogativo de Ronnie ela logo disfarçou e voltou ao normal. Não sei o que nos prepara o autor para os próximos capítulos, mas confesso que estou curiosa! Mais uma vez , parabéns por nos manter interessados na história!! Bjs Lilian.

    ResponderExcluir

Cansado e Velho

Minha história gira em torno de mim mesmo, — uma vida quase nas portas do delírio na mente de muitos —, com o intuito único de conti...