sábado, 1 de dezembro de 2018

O Pecado Capital Parte 17

       Episódio 17 (Quimera)    

     Eu me sinto tão estranha, Léo. Eu preciso conversar com Gustavo sobre tudo o que está se passando aqui. Você me ajuda? Eu preciso que ele ouça minha história de família. 
     Ai, Gustavo, você me ouve? Tem alguém aí? Poxa vida... Eu fico tão nervosa só em pensar se fui tomada por um demônio no momento em que me ponho a contar coisas da minha família, especialmente por que eu sempre amei todos eles. É  verdade que meu pai soube disfarçar muito bem que seguia o viés da doutrina autoritária da filosofia maçônica, mas isso não me incomoda tanto agora. 
     
     Essa forma de encarar a vida talvez o tenha tornado um narcisista de mão cheia. Eu não diria que ele tenha virado um beócio fundamentalista, mas suas atitudes sempre foram muito estranhas em relação às pessoas de fora, - em instantes ele poderia ser sociável e benevolente ou rude ao extremo - parecia ter fases de oscilação de humor. Ele guarda com muito cuidado alguns livros em italiano e outros em português, sobre Licio Gelli e Silvio Berlusconi.  Um dia, olhando assim por cima, percebi que se tratava de alguma coisa relacionada com a influência da P2, Loja Maçônica Propaganda Due, em escândalos políticos e religiosos de repercussão mundial. Escritos que relatam muitos podres de gente poderosa do meio religioso, político e artístico de todos os continentes; destacando Itália, Inglaterra, França e Brasil. Retirei aleatoriamente um dos livros da estante e me veio à mão "Em nome de Deus - David Yallop". Dei uma passada de olho e achei o tema interessante. Puxei um banquinho e me acomodei para ler algumas páginas - acabei por mais de uma hora mergulhada naquela história sórdida de conspiração e assassinato do Papa João Paulo I. Depois fiquei pensando nas dezenas de viagens mal explicadas que meu pai fez à Europa, Estados Unidos e países da América do sul. Tenho medo que ele faça parte de alguma associação espúria envolvida em conspirações e assassinatos, e que esse envolvimento possa algum dia prejudicar minha mãe e eu. Melhor bater na madeira três vezes e nem pensar muito que ele tem uma vida secreta e, muito menos, por que ele quer que nos mudemos daqui, o quanto antes, para Ilha Comprida.
     
      Por falar nisso, quando, um dia na praia, o Léo citou o detalhe de faltar o vinho para acompanhar o peixe na brasa, imediatamente me lembrei de uma passagem que meu pai sempre dizia à mesa, - quando minha irmã ainda estava entre nós - para assim justificar o seu apreço por vinhos. O pensamento completo era mais ou menos esse: " Dizem-se os filhos da Luz, e pretendem transformar homens bons em Homens melhores. Segundo o Rito Escocês Antigo e Aceito, que assenta em três pilares – Sabedoria, Beleza e Harmonia percorrem o caminho que os leva ao grande Arquiteto do Universo desde tempos imemoriáveis".
         Nunca entendi o que essa passagem tinha a ver comigo ou com vinho. Só depois de muito tempo compreendi que se tratava de um rito sobre banquete, valores sociais e familiares. Disciplina na vida para trilhar o caminho certo e alcançar objetivos. Por isso que em todo almoço em família, com todos nós à mesa, ele escolhia uma garrafa e olhava fixamente para ela por alguns instantes. Em seguida citava pausadamente as palavras: "...sabedoria, beleza e harmonia..." - e servia nossas taças - em primeiro lugar a da minha mãe, em segundo a da minha irmã, é claro!   

      Mas, o que me deixava irritada de verdade era o aparente desconhecimento que minha mãe demonstrava de tudo. Ela me confundia com esse dom da abnegação. Nós sempre fomos rivais na maior parte do tempo, ou firmes aliadas no que interessava a ambas. Mas a união durava pouco e logo brigávamos outra vez e eu era obrigada a me aquietar. Em relação à minha irmã era a mesma coisa. As comparações que meus pais faziam entre nós me incomodavam demais. Eu cheguei ao meu limite. Só depois de muito tempo compreendi que os problemas, ou alegrias que tive por ela ou com ela, eram não por causa dela ou de nossas diferenças, eram resultado da minha própria atitude. Percebi que o meu comportamento inconstante colaborou para a difícil solução dos problemas que tivemos e do apoio que ela me deu no momento certo. Eu fui burra durante muito tempo! Em vez de tratar as coisas de forma adulta desde o início, fui deixando que se complicassem cada vez mais. Como se ainda fosse adolescente, eu não conseguia admitir os meus próprios erros e me colocava num pedestal inatingível. Eu culpava os outros por minhas falhas e carências. Eu me tornei agressiva, sempre na defensiva, principalmente com uma autodefesa verbal exacerbada por motivos que eu sabia não eram justos. Mas, ainda assim, precisava culpar alguém para que eu não fosse malquista ou rotulada como fraca.  
     
      Eu acredito que esse meu jeito tem a ver com o tempo que passei ao lado do Léo. Ao final do relacionamento a minha autoestima estava no chão. Com o passar dos meses, após o rompimento, fui me recuperando. Acabei usando o efeito contrário em excesso. Fui de um extremo a outro e demorei para encontrar o equilíbrio. A minha autocrítica era extremamente positiva na argumentação a meu favor e completamente negativa de quem discordava de mim. Isso atrapalhou minha imagem perante às pessoas. Explica-se desta forma o motivo da falta de boa convivência em qualquer ambiente em que eu estivesse. 
   
      Se no tempo em que namorei o Léo ele não fazia nenhum esforço para que eu me sentisse boa o suficiente, depois dele passei a me sentir importante demais para deixar alguém dominar novamente minha vontade, meu corpo e minha mente. Eu passei a pensar e agir com esse lema: "Jamais farei o que não quero fazer!". Por isso, lamento as coisas ruins que fiz a você, Gustavo. Você nunca seria capaz de saber verdadeiramente como eu me sinto por causa disso. Acho que você nunca saberia nem se estivesse em meu lugar... E, muito menos saberia por que essas coisas aconteceram sem controle ou por que chegamos até aqui nesse quarto há tantas horas, e o dia já nasceu há tempos e nada aconteceu para acalmar meu ímpeto. Você está melhor sem mim, não está Gustavo? Todos dizem que muitas vezes um fica melhor sem o outro. Nem te conto os nomes que você receberia lá em casa se chegássemos agora. Todos te desprezam ou acham que você não é pessoa digna nem de piedade, justamente por ter se envolvido comigo depois de tudo o que passei com o Léo. Fui chamada de louca várias vezes por todos eles, pela entrega tão intensa naquela furada. Eu nunca aprendi que deveria ter mantido a minha boca grande fechada!        
     Vou aliviar um pouco, porque pensar em todo esse passado, com a imagem presente de Léo nesse quarto, me revira por dentro ou me faz chorar. Aproveito o último gole de café do bule e penso um pouco mais no final de semana dos sonhos que nunca tivemos, você e eu. Abro a bolsa e me deparo com as últimas Selfies dos momentos que passamos juntos ontem;  tudo da noite de sexta-feira na qual eu parecia finalmente estar bem recuperada. Selfies só das partes boas, logicamente. Era isso que eu queria guardar para sempre na memória quando descrevesse em detalhes nossos momentos juntos. Torcendo que existiria saudade nos dias subsequentes ao nosso encontro final e que esses demorariam a passar. Como eu odeio ter me entregado a você! No entanto, tinha que tentar e parar tudo para refletir, mas eu não queria que fosse assim.
     
      Eu sei que deveria ter me controlado, mas agora é tarde. Acabamos jogados no fundo do poço. Esquecidos num quarto de hotel. 
       Ainda dá tempo que algo seja feito para mudar o destino, o meu destino, pois o seu já foi escrito a partir do primeiro minuto que entrou aqui comigo.
     Difícil fazer a descrição dos motivos que, ao começarem, podem parecer longos e no decorrer intermináveis - talvez seja pela ansiedade que a ocasião me provoca. Toda vez é assim! Fico imaginando, sonhando na verdade, querendo que as horas passem rapidamente e eu possa correr logo para os braços da liberdade. É uma eternidade a espera, um castigo!
    Só de pensar o meu corpo já começa sentir, antecipadamente, arrepios das sensações que só eu sei me proporcionar. E, em outros tempos, quando eu tinha vícios, tudo era mais complicado e se arrastava, o tempo parecia passar em câmera lenta. E, enfim, a hora tão esperada chegava. Mas, eu sempre me continha na introspecção de manter os sentimentos restritos sem fazer alardes - sem revelações comprometedoras. E, meio sem saber por que, eu sentia que você - com sua peculiar ironia - fazia o mesmo.
    
    Os momentos ao seu lado foram mágicos! Parecia que o mundo todo desaparecia e só nós existíamos. Acontecia uma inexplicável reação química quando a nossa pele se tocava. A energia, vibração, ou seja lá o que for, percorria o meu corpo como a corrente elétrica pelo emaranhado de fios por trás das paredes das casas. E a inquietante sensação que me invadia, logo depois do prazer, tenho certeza, era tal e qual um curto circuíto (acho que se encostassem uma lâmpada no meu corpo nessa hora, ela acenderia no máximo de sua luminosidade).
     Ah, Gustavo, você atiça em mim a síndrome das pernas agitadas, que já era bem frequente em minhas noites solitárias antes do Léo. E quando estamos juntos essa sensação se transforma na síndrome do corpo agitado - uma agitação incontrolável invadindo meu corpo e eu não sabendo como parar. Parece que esse tipo de fenômeno começou assim que nossos olhos se acharam no momento do primeiro encontro. Lembro que, assim que você chegou, minhas mãos foram atraídas pelas suas como imã, numa necessidade frenética de sentir o toque, a energia e o calor que vinham de você. Aí, a minha mão boba começava a procurar qualquer parte sua, na necessidade imediata de sentir pele com pele, e você resmungava sorrindo: "Lá vem você!" Eu achava graça e respondia: "...da próxima vez eu apareço com as mãos amarradas, aí você vai ver como o meu carinho faz falta..."
     
     Seguimos noite adentro por horas , como numa viagem, e completamente loucos chegamos ao destino. E, quando finalmente a noite silenciou, os nossos corpos se juntaram; a sensação que eu tive era que assim as coisas deveriam permanecer para sempre, pois a conexão foi perfeita.
     Nesses momentos eu desejava que o tempo parasse, para vivermos entrelaçados e nos alimentando do êxtase emanado dos nossos corpos incendiados pela chama da paixão.  A cada movimento, no toque de mãos, de lábios ou de língua, iam se materializando gemidos (principalmente os meus) e quando os seus chegavam aos meus ouvidos, eu simplesmente delirava um pouco mais.

      
     Inúmeras tentativas após a exaustão nos arremessou para o lado - corpos inertes e quase sem fôlego -, além disso, eu ainda tomada pelos choques involuntários, que aos poucos iam se acalmando, relaxando e me fazendo cair no sono - com um leve sorriso no rosto. Quando amanheceu, - ainda sonolenta e deitada de bruços - eu acordei imaginando que poderia ter  o seu peso sobre o meu corpo e o seu membro duro praticamente todinho dentro de mim. Os seus movimentos poderiam começar suaves e preguiçosos, com jeito de quem acaba de acordar, mas aos poucos poderiam se tornar precisos e profundos. Assim eu sentiria a sua presença máscula e teria a mais absoluta certeza de que tudo estaria mesmo acontecendo além do sonho quando você me puxasse pelos quadris. Você logo teria de acelerar o ritmo e quando eu pedisse que parasse você pararia, e deixaria "ele" lá no fundo me preenchendo toda. Nessa hora eu exerceria uma leve pressão "nele" e fecharia um pouco as pernas até que gozássemos juntos. Então, sem sair de dentro, você me abraçaria apertado e sussurraria ao meu ouvido: "Bom dia, amore mio".
     Nas horas seguintes, quando eu verdadeiramente acordasse, apesar do corpo todo dolorido, eu me sentiria como se andasse em nuvens. Estaria livre, leve e solta, e, deveras, muito bem comigo mesma. Olharia o espelho e observaria as marcas deixadas por você em pontos estratégicos, - propositalmente, é claro! - para que a todo instante eu sentisse a sua presença e desejasse que acontecesse logo uma nova maratona tão prazerosa e intensa como essa.
      
       - Gustavo, Você não estava brincando quando disse que queria que seus amigos me conhecessem?
     - Zzz Zzz Zzz
     - Acha bom ou ruim que saibam como eu sou?
     - Zzz Zzz Zzz
     - Tá certo... Desculpe. Não é minha intenção perturbar seu sono. Mas, olha só. Eu nem deveria estar aqui com você até a essa hora. Eu não me sentia nada bem nos últimos dias. Eu vim por que gosto de estar ao seu lado. Mesmo que no primeiro momento eu diga que não quero, você sabe como eu sou.
     - Zzz Zzz Zzz
     - Você está debochando de mim?
     - Zzz Zzz Zzz
     - Eu estou apenas tentando conversar e fazer com que tenhamos uma boa convivência por aqui!
     -Zzz Zzz Zzz
    - Eu vou tentar ser mais tolerante. Juro.
     - Zzz Zzz Zzz
      - Tá certo. É assim, né...
     - Zzz Zzz Zzz
     - Acho que vou ter que descobrir um novo limite para a minha paciência. Você sabe como sou, não sabe?
     - Zzz Zzz Zzz
     - Acho que sabe, sim.
     - Zzz Zzz Zzz
      - O que está acontecendo lá no saguão do hotel? Qual o motivo da agitação? Será a polícia chegando?
     - Zzz Zzz Zzz
     - Passei de repente a não me sentir muito bem. Acho que não vou comer nada hoje. Preciso descansar um pouco. Você pode ficar em silêncio?
     - Zzz Zzz Zzz
    - Não está preocupado comigo devido ao meu mal-estar repentino?
     - Zzz Zzz Zzz.
     - Tá certo. Esquece isso. Já melhorei.
     - Vou jogar o colchão no chão e deitar. Não me acorde, por favor.
     - Zzz Zzz Zzz
     - Talvez a culpa não seja sua. Acho que não sei o que eu quero.
     - Zzz Zzz Zzz
      - Eu quero você! Mas, eu preciso mais do que ser apenas desejada por um homem. Preciso que esse homem esteja junto comigo, junto de verdade.
     - Zzz Zzz Zzz
    - Você pode me dar isso? 
     - Zzz Zzz Zzz
     - Você mentiu pra mim quando me disse que estava apaixonado?
     - Zzz Zzz Zzz
     - O que houve? Estou no escuro. Não sei de mais nada. Estou cada vez mais solitária. Não estou preparada para contar qualquer coisa agora. Fico admirada como você conseguiu me arrastar até aqui... Você sabe muito bem que eu não abro mão de conforto e bem estar.
     - Zzz Zzz Zzz
     - Você está bem? Está me julgando agora? Me dê alguma coisa, uma razão para viver.
     - Zzz Zzz Zzz
     - Estou preocupada com você. Me dê alguma coisa. Me dê algo que eu possa dar.
     - Zzz Zzz Zzz
      - Antes de sair de casa eu tive uma discussão terrível com minha mãe. Eu sei como ela é. Eu troquei apenas duas palavrinhas e foi o suficiente para ela explodir.
     - Zzz Zzz Zzz
    - Não queira descobrir como ela é! Não pretenda...
     - Zzz Zzz Zzz
     - Ela não é digna do amor do meu pai. Ela pensa que ele e eu somos palhaços... Tudo bem... Vamos deixar isso pra lá... Vou dormir no chão, não ouse mexer comigo!
-Zzz Zzz Zzz

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