quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Pios De Coruja

   

  Numa noite de setembro o céu estava limpo e a lua crescente. O seu brilho marcava revelações de um amor com muita entrega, - bem além do habitual – sem contar, as experiências imaginárias de cada um com a magia romântica do luar, que sempre parece mais encantador no alto da serra.
      A porta da entrada rangia um pouco nas dobradiças, a noite não estava fria e nem quente, parei, ainda do lado de fora, e me acostumei com a claridade mínima do lado de dentro. - "Eu gostaria da escuridão total, mas para isso eu teria de voltar e recomeçar do zero, mas me pareceu impossível na atual circunstância da vida em que preciso usar óculos". Dei dois ou três passos e me aprofundei, até marcar o meu novo ponto para uma experiência romântica cheia de novidades.
     Fitei o ambiente repleto de ideias e sugestões, fiz até a metade, porque seria pedir demais que ele estivesse tomado por todos os cantos até o teto. Descobri que o tom azul-pálido que iluminava o céu foi capaz de produzir mais loucura do que medo durante a viagem, e assim prossegui com o olhar altivo e as mãos suando.
     Parei os pensamentos por um segundo e tentei respirar fundo, mas como sempre acontece, não consegui. Senti um enorme desespero pela ansiedade do passo seguinte.
     Olhei, desta vez a porta totalmente aberta atrás de mim, parecia que a lua ficou lá longe, me convenci de que não haveria perguntas inconvenientes e muito menos picuinhas. E para falar a verdade, se houvessem, eu não saberia o que responder, porque me vi perplexo diante da mesma conclusão que sempre volta quando penso nisso: estou completamente envolvido! 
     Então me pus a imaginar como seria se eu soubesse desenhar e alguém me pedisse um retrato seu. A resposta viria  rápidamente: não conseguiria nem que fosse com traços simples. No máximo ficaria limitado a um risco, a uma simples tentativa de intenções de traçar no papel a sua imagem que me cativa. E esse pseudo-desenho que nunca existiria seria como uma espécie de arrependimento, uma declaração de que ainda não a conheci o suficiente para poder desenhar uma imagem fiel aos seus traços físicos magníficos.
      Certas coisas quando faladas dessa maneira, podem até dar a impressão de nunca termos conseguido construir um enredo consistente o suficiente para irmos além da vida comum. Mas somos criativos, isso somos, é óbvio! 
       Parece bem simples quando dito assim. Mas ainda há tantos pontos difíceis para se apoiar e ter a verdadeira convicção para acreditar que um dia ainda seja possível irmos adiante no que temos...
     Voltando ao tal desenho, digo o seguinte: além de todas as dificuldades que chegam no dia a dia, seria preciso que eu fosse dotado de uma memória poderosa para guardar tantos detalhes, ou cada particularidade dos seus trejeitos depois de tantos anos - para desenhar, riscar, rabiscar e não deixar tudo parecendo um rascunho mal acabado.
      De volta à serra: olhando de dentro do quarto para fora, o horizonte estava escuro e vazio, bem quieto e sem surpresas. No entanto, por mais estranho que parecesse, desta vez o silêncio não apenas me impacientou, como até mesmo me tranquilizou. Essa circunstância trouxe a serenidade, que por sua vez refletiu uma nova dimensão ao meu perfil de outrora, contraposto ao fundo do céu e da lua brilhante, o que fez meus olhos cintilarem com o fogo da paixão.
      Continuei assim por um bom tempo. De repente, me dei conta de que não entendia o que pensava. Voltei ao princípio e comecei de novo, mas não cheguei a um acordo comigo mesmo. Percebi então que estava muito tenso, com várias partes do corpo em contração, em especial o pescoço e o ombro esquerdo. Eu ri de mim mesmo ao descobrir o motivo do incômodo: toda a minha atenção deixara de pertencer à lua crescente maravilhosa e se voltara para você. Talvez alguém me chamasse de louco se soubesse o que eu pensei naquele exato momento. Poderia inclusive pensar que lá dentro de mim tivesse algo extraordinário ou, quem sabe, trivial, e ao acaso, me olhando de rabo de olho, houvesse algo excepcional em meus  pensamentos para ser chamado apenas de diferente. 
      Bem... Imaginei: "- Melhor deixar essas tolices de lado e parar de fazer conjecturas, me sinto cada vez mais ridículo tentando tirar conclusões definitivas sem testar as coisas antes'. Em seguida fui eu a arriscar o olhar, mas não de rabo de olho, foi firme e com um grave desvio de cabeça para a direita. Então eu a vi. Estava com os olhos fixos em mim se mantendo por algum tempo. A distância entre nós era suficiente para que eu percebesse que o seu nariz sempre teve contornos parecidos ao meu. Voltei a olhar a lua e você me acompanhou, ficamos na mesma posição por um longo instante. 
     Em seguida você se virou e tentou percorrer o corredor das minhas ideias deixadas para trás. Apontei para a escuridão e prossegui no jogo, feito uma criança encantada com o brinquedo novo que acabou de ganhar. Você arqueou-se e iniciou um sorriso. Pareceu uma coisa tão sem importância, tão boba, e de repente, sem que eu pudesse dominar, abriu-se um fluxo para lhe receber: uma trilhazinha estreita, tímida, mas capaz de fazer disparar o coração e propor à imagem desse afortunado o olhar adiante como se jamais houvesse vida antes.
       Eu, pela segunda vez naquela noite, a vi; pensativa, séria, examinando um ponto indefinido no meu semblante, explorando o corredor das ideias imediatas e os degraus das minhas memórias. Não me movi e continuei a olhar o seu perfil sutilmente questionador e passageiro. Mas novamente passou e logo chegou novos sorrisos. Ficamos perdidos um no outro, mirando como se nada mais existisse no mundo, ou como se a nossa vida se resumisse a pedaços de marshmallows no espeto parcialmente derretidos no fogo de brasas da lareira. Se alguém me pedisse uma definição menos absurda, eu não saberia como dá-la. Mas nunca deixo de pensar que o instante de olhar a lua ao seu lado, seja qual for o significado, é um desses mistérios infinitos do Universo; o qual se iguala a dois pares de olhos fixos um no outro, tentando se conhecer melhor e, pouco a pouco, se entendendo, para depois penetrar ao fundo da retina e se entregar ao prazer. 
      O movimento das mãos e lábios molhados, era como se me dissessem, fique quieto, fique aí, não diga nada, não queira nada, não pense em nada; eu adivinharei o que você precisa; deixe os detalhes por minha conta; nem sequer viva, eu farei por você; observe e sinta meus movimentos; faça com todos os seus sentidos e por sua existência inteira, estamos sob a luz da lua encantada e aquecidos com a chama da lareira. Agora você está comigo e a paz nos acompanha, a ansiedade inicial desaparecerá lentamente sob seus olhos.
       Seguiu-se um beijo longo, quase cruelmente tentador, que fez segundos parecem horas. A minha respiração foi se amainando, os pensamentos se estabilizando, ficando mais suaves, profundos, até o limite possível de lembrar que um dia, lá atrás, por um motivo tolo, o peito estava apertado.
      De repente, ela se moveu e se colocou ao meu lado, segurou a minha mão enquanto continuávamos banhados pelo calor das últimas brasas e disse:
       “Agora está tudo bem?”
      Fiz que sim com um aceno, levantamos e demos dois ou três passos à frente e ela continuou:
      “Nós comemos, bebemos e cuidamos das nossas coisas, agora vamos encarar um novo desafio? É o destino de cada um que deve ser somado”.    
      Fez-se um longo silêncio, durante o qual nos olhamos com brilho nos olhos, mas sem uma expressão definida no rosto. Ela suspirou, largou a minha mão e retornou até a porta para observar a escuridão que a lua crescente insistia em tentar iluminar. Eu passei por ela e me postei na pequena varanda, sentei-me na mureta para me perder apurando os sentidos enquanto ouvia vários pios de coruja vindo das árvores. Tentei imaginar a vida com novas modificações, novos modos de agir, anseios e movimentos. E aos poucos fui ampliando o olhar para as pequenas coisas, aquelas mesmo! As quais sempre havia sido alertado e nunca parei para observar. Dessa forma tentei chegar às maiores e depois de volta às pequenas, juntando tudo para depois separar - esperando para o que viesse desse futuro imaginário, deveras promissor, feito por um raro momento de quando alguém sente um aperto no peito e olha ao redor com atenção, absorve todas as energias e raras experiências trazidas pelo destino.  Experiências tais e quais podem apenas ser proporcionadas aos sonhadores e corajosos que se atiram. E assim podem sentir-se completos, através da magia da lua crescente de setembro, juntamente com a sonata noturna de pios de coruja que envolvem mistério, inteligência, sabedoria e conhecimento um do outro.

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8 comentários:

  1. Olha de todos que li esse foi o mais contagiante, amei. Parabéns.

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  2. Adorei esse seu texto.
    Gosto de poder imaginar pessoas, situações como vc expôs .
    A lua sempre nos remete a sonhos impossíveis., mas que podem ,perfeitamente, serem possíveis.
    Neste misturar de imagens que se formam, podemos, inclusive, sentir sensações e imaginar detalhes, que nunca passaram pelos nossos sentidos, como vc os descreveu , tão bem!
    A nossa imaginação é tão abundante, tão fecunda, que sentimos até o respirar das pessoas, o farfalhar das folhas e o perfume embriagador das flores!! Sonia

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  3. Apesar de já ter escrito que "devemos ser realistas e aceitar a situação " , você é um romântico. Hoje em dia isso é visto como piegas, idiotice, babaquice. Relações carnais, superficiais, vazias e passageiras são a prioridade. Não se doa,não se entrega e não dói. Simples. Pura besteira. Todos querem um grande amor, mesmo os que ainda não se tenham dado conta disso, ou os que tem feridas e cicatrizes que os enchem de medo de sentir de novo a meems dor, ou até parecer
    ridículos. Duro é ter coragem.

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  4. Ahh...esse texto...lindo!!
    Não importa os anos que tenhamos...as emoções são as mesmas...coração acelerado, mãos suando, pernas bambas...não importa que tenha que ser mais claro para não tropeçar em móveis ou bater no batente da porta porque a visão já não ajuda....as emoções são as mesmas...talvez até melhores porque corrigimos erros passados...o que importa é qualidade e não quantidade...e quando o sol nasce a gente poder dizer...valeu...valeu mesmo!!

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  5. Amei!..Amei!!Amei!!!. Que delícia de leitura! Que delícia poder imaginar através desse texto,tantas emoções e tantos sentimentos!!
    A nossa imaginação vai longe,cria suas próprias cenas a medida que vamos avançando na leitura!
    Podemos sentir os cheiros que o autor descreve, ouvir os barulhos e nos identificarmos com o casal descrito.Conseguimos perceber ao mesmo tempo,o romantismo,a paixão e o mistério que a noite sempre trás.
    Essa paixão que todos queremos sentir,da forma como é descrita no texto é o que nos faz continuar a viver e a buscar dias melhores.
    O romantismo e o mistério da luz da lua e da escuridão ,deu um toque todo especial ao texto. Ficou absolutamente perfeito!
    Parabéns autor mais uma vez pelo belíssimo texto. Bjs Lilian.

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  6. Conhecer alguém, da mais sutil à mais complexa particularidade, acredito q seja cm o caminho do calvário e no final sejamos crucificados, meu caro Autor! Digo isto pq a dificuldade já está em conhecermos a nós msms! É cm tentar encontrar a pessoa perfeita...
    Somos feitos de qualidades e defeitos q podem variar de acordo com os valores e vrdds na análise de cd um e, por melhores q sejamos, nunca seremos bons o suficiente para agradar sempre! Se nem Cristo agradou, imagine nós reles mortais?!...
    Mas podemos respeitar as diferenças e aproveitar aquilo q é comum e encantador um no outro, proporcionando momentos de envolvimento, entrega e cumplicidade! Seja um passeio de mãos dadas ou um fds no alto da serra junto à lareira, o importante é aproveitar o momento, aprender e entender a forma cm cd um encara e vive a vida...
    É aos poucos q se constrói um relacionamento e o cominho nem sempre será de flores! Alguns dias serão ensolarados mas as tempestades chegam às vezes; assim cm à noite na serra a lua pode estar encoberta mas existe a certeza de q ela estará sempre lá com sua magia, proporcionando raras experiências aos sonhadores e corajosos!
    Lindo txt! Parabéns!
    Bjsss!!!

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  7. Adorei o texto, muito contagiante.E ainda tendo a lua que nos traz uma busca amorosa,nos faz sonhar com a pessoa amada.Nos .leva para um cenário romântico.Aonde há sedução e magia.

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