quarta-feira, 10 de outubro de 2018

O Pecado Capital Parte 14

                               EPISÓDIO 14 (ETÉREA)        


        Léo, meu querido Léo, venha celebrar junto a mim o seu lindo ritual.
        Mostre-me novamente tudo de bom que um dia esteve guardado em nossa vida real.
       Imaginar o seu lindo rosto não me dá nenhum trabalho,
      Lembrar das feridas que nunca fecharam é que me deixa assim, meio triste.
      Há um segredo que carrega que gostaria muito de saber:
      Que imagem de mim dentro da sua mente hoje prevalece?

     A face de Léo, com aquele sorriso surpreendente e jeitinho de gato manhoso, não sai da minha mente. Ele sempre foi uma graça! Inclusive quando ainda nem tinha ideia do nosso destino. O seu único engano foi me trair. Isso fez com que eu perdesse o encanto sincero que tinha por ele. 
       Gritos feito lamentos preenchem a memória. 
      O pior é que meu momento atual em nada me consola, afinal de contas nenhuma lei da física explicaria, por razões lógicas, o período de sofrimento, ou a existência esquisita que adotei até aqui. Imagino que seja porque existam varias versões do inferno para se viver e que de certa forma estou em uma delas. 
     Os gritos quase permanentes que ouço chegam até mim cobertos de ódio e às vezes eles duram tanto que me sinto como se estivesse me afogando em sangue. Isso parece uma ideia louca para pessoa simples como eu, mas é bem real e verdadeira, tanto que, tenho a sensação nítida, nas imagens que trago comigo, do convívio com Léo. 
     Sinto nesses lamentos interiores e intermináveis, esses mesmos que nunca dizem nada claramente e nem orientam que caminho devo tomar, um fim. Percebo que estão me acompanhando já faz um bom tempo, durante toda essa existência quase etérea a qual me submeti, para uma nova missão de vida: encontrar um rumo, que seja em dimensões conhecidas ou ocultas, mesmo por intuição. No entanto, a minha força interior não consegue dominar totalmente a mente. Em grande parte do tempo me sinto como se estivesse andando numa montanha russa pela primeira vez. E meu maior conforto são as vozes esganiçadas que nunca param de assombrar a memória. Entre tantas palavras embaralhadas distinguo uma frase solta que diz algo assim: “Você é obstinada e nunca deve parar, descubra o que de mais puro há dentro de si e finalmente encontrará a solução do que tanto busca!”. 
     O que na verdade isso quer dizer? Quais são as intuições que possuo e ainda não descobri? 
     Tudo se desmancha diante dos meus olhos enquanto mantenho flashes entrecortados do passado, e dos momentos que as intenções foram as melhores possíveis no convívio humano, e agora sou apenas uma ferramenta moldada com a consciência do ódio para descarregar num inocente. 
     Pensando reconheço que no passado nunca fui chamada de temperamental ou desorientada, porém, diante do recebimento de tanta falta de consideração, até mesmo se eu fosse a madre Teresa de Calcutá perderia as estribeiras. 
   E foi assim que comecei essa missão de peregrinação em busca do meu próprio eu, tudo inconscientemente, é claro. 
    Justamente por desconhecer, no começo, o verdadeiro peso do que havia recebido, agora que percebo claramente a intenção desse destino que me trouxe até esse quarto de hotel. Uma coisa é certa: Foi por minha escolha e de mais ninguém. Aqui consigo me sentar no canto e pensar sem ser pressentido por ele. É nessas horas que pergunto ao juiz imaginário que tenho dentro da cabeça: "Por quê passei a noite toda pensando em uma única pessoa, se tenho todo o universo infinito para desvendar? Ou por que não lembro de quase nada do que fiz quando encontrei Gustavo pela primeira vez"? 
     Por essa falta de imagens claras é que fico sem saber se sou uma criminosa à espera da polícia batendo à porta para me algemar ou uma lunática esperando Gustavo acordar para me beijar e fazer amor antes de sairmos daqui. 
     Não sei se estou agindo com mesquinharias, egoísmos e interesses espúrios, ou se como uma mulher comum em busca da felicidade, só sei que tenho certeza que encontrarei Léo em outra vida. Não me conformo em não obter qualquer resposta para as perguntas que me faço em tantas noites solitárias que dormi acompanhada. Não ter resposta me deixa totalmente desorientada e sem explicação da minha real passagem nessa vida. 
    A imaginação ainda me causa uma sensação paranoica de ilusão romântica com Léo, faz com que um lindo sorriso deslize pelo meu rosto com a lembrança forte dos primeiros dias, dias calmos que tive lado dele, dias construídos na ilusão tanto quanto essa sensação. 
     Mas é tão momentânea essa passagem, que pouco percebo a diferença que faz esse sorriso agora na relação de amor, ódio e vingança das fases distintas que nós, hipoteticamente, poderíamos ter vivido. Esse clima de amor e ódio foi aos poucos tornando outras coisas supérfluas dentro de mim, principalmente diante de uma causa maior nos períodos diferentes da vida pós-Léo. Só agora acabei notando que sempre pode acontecer de uma história traumatizante ter um final mais triste ainda, um final testemunhado apenas por Deus. 
    Uma coisa parece certa: de vez em quando é necessário dar uma de maluca, aparentar estar completamente doida diante da catástrofe iminente. Tudo porque tem vozes dentro da minha cabeça que parecem odiar gente. São vozes alertando o caráter de afastamento e evolução pela falta de um tipo de sinceridade puramente amorosa. Insistem que o mundo é um lugar horrível e os seres humanos maus. Estou certo que seja esse o verdadeiro motivo que me leva adiante nesse quarto com experiências cruéis e transformadoras - reflexo de alguma vida passada em situações que me fizeram mudar a natureza da visão ingênua das coisas. Estou agora numa visão com maior acuidade e senso de análise nos movimentos, que poderiam, ou não, ser revolucionários nessa ou em outra vida do passado.
       Na cama que descansa Gustavo germinam as sementes de uma natureza morta, elas me contaminaram e se conservam dentro de mim com o passar das horas. Essas sementes explodem e se multiplicam tão rapidamente que nem sei dizer se são da minha vida latente ou apenas bactérias e germes se expandindo em seu curso natural. Porém, sinto que nas próximas horas todas essas sementes continuarão mantendo bem claramente o objetivo a que vieram ao mundo: o de comerem e serem comidas! É o ciclo que nunca pára. Isso me faz pensar que todos têm um caminho para percorrer e com uma missão determinada a cumprir. 
    Independente da vontade de cada um, o caminho já veio traçado, mesmo que alguns, assim como eu, se rebelem contra isso. Exatamente por essa coisa existir é que determinados seres soberbos não podem ser recriminados tão severamente em suas condutas, pois, como eles poderiam saber, em sua ignorância eterna, que existe algo maior que ideologias de uma vida material? Sim, esses são aqueles que voltam de tempos em tempos, com caráter e comportamento desfigurado e se tornam nossas cruzes. São os que também tenho que buscar e trazer para junto de mim, assim como fiz com Gustavo . Eu sei que não estou definitivamente preparada, tudo porque tenho dó de mim mesma e de quem apenas observo ali deitado. E a dó que sinto é a arma que um dia Léo usou contra mim. Ele soube muito bem como manipular situações a seu favor. Então essa é uma fraqueza que não permitirei que mais ninguém saiba.
       O mundo lá fora está em movimento, algo diferente acontece nas ruas. Ruídos, buzinas, gritos de camelôs e de pregadores religiosos. Tudo para incomodar os meus sonhos. Que droga! 
     Sinto que estou despencando, caindo. Uma insegurança insuportável toma conta do meu pensamento. Imagino a queda num buraco estreito, uma queda desajeitada, o que me deixa um pouco fora de equilíbrio, a pancada no fundo é forte, eu rolo, giro no ar e alongo o corpo, apuro os ouvidos, estou no mundo etéreo novamente. Mesmo no desconforto me ajeito. De repente tudo cessa, não ouço nenhum barulho lá fora, sinto apenas o cheiro úmido da brisa da manhã. Onde estão meus amigos? Eu estou me sufocando pelos restos de carne humana podre ao meu lado. Mas a essa altura da existência já me acostumei com toda essa cena, inclusive com o fedor terrível quem vem dos córregos e dos esgotos nos dias de calor. Sinto um baque estranho de baixo para cima, bem entre as pernas, paro de me elevar. Tenho a sensação de unhas roçando minha pele dos pés à cabeça. Levanto o olhar e me fixo em uma forma estranha e distorcida, a qual me observa com olhos que brilham como se fossem os olhos de Léo. Diz: “O que acha da minha imagem, minha amiga?” Fico passada com a pergunta, pois não tenho forças para abrir a boca e responder. Ele continua: “Não precisa disfarçar sei que existem planos sendo elaborados aí dentro da sua cabecinha”. Novamente fico sem ação. Como ele poderia saber dos meus planos? Consigo articular as frases e digo: “Se já sabe dos meus planos me informe em detalhes, porque até agora não estou certa se o que você sabe é o mesmo que eu sei”. “Nada mal, nada mal...” – responde com certa frieza e prossegue: “Fui incumbido de trazer algumas informações sobre seus pensamentos que andam um pouco confusos. Sei bem o quanto é difícil relembrar o que acha que viveu com Léo.  Mas há coisas que precisa saber do seu passado, cenas que suas memórias escondem. 
     Num tempo muito antigo, que já não existe mais, você conheceu e conviveu com Léo. Vocês foram bem próximos e íntimos, no entanto, ele vinha de uma linhagem diferente da sua. Por séculos os antepassados dele circularam pelo mundo em busca de abrigo. A linhagem da família dele traz o mal na cerne da origem. Por isso que a convivência que tiveram foi traumatizante e seus sentimentos conflitantes, o que a fez se sentir sugada, é verdade. Agora existe uma dívida a ser resgatada: a dívida das mentiras e das maldades que ele impôs a você durante muito tempo. Não apenas porque você foi defraudada emocionalmente por ele e também feita de objeto, mas também porque, além dele, existem outros que a cercam e fazem o mesmo, agindo na mesma sintonia a mando do maior mentor do mal que jamais poderá ser atingido. Esse mentor foi uma cria, uma pária, do Senhor que nos guia e conduz e está presente tem todos os lugares. Você nunca soube, mas lhe foi dada uma missão divina que era descobrir as fraquezas de alguns homens com poderes atribuídos como racionais e sedutores, que nunca foram baseados no amor divino. Eles nunca puderam alcançar essa perfeição. 
     Se você tivesse agido certo no passado o universo teria ficado livre de pelo menos um deles e agradecido a você. Mas agora existe uma nova oportunidade diante de si que não pode perder. Já imaginou um universo sem dores e sofrimentos da alma? 
      Você sabe, através do seu poder intuitivo, que eles têm pontos fracos. A única chance de se libertar deles seria inverter os sentimentos que sente se tornando igual, substituindo o amor pelo interesse, a afeição pela rejeição e a admiração pelo desprezo. Acontece que esses homens são muito astutos. Eles sabem quanto tempo dura a farsa. Eles vão sugando toda sua energia por um tempo, depurando suas boas emoções enquanto você definha com pensamentos que buscam explicação. Meio morta-viva implora um pouco de amor de qualquer um que se aproxime, só assim consegue prolongar um pouco mais a vida triste que se submete, mas não tem mais jeito. Mente e corpo dominados, o fim estará próximo se não tomar uma atitude. 
     Quando a última gota de sentimento bom for finalmente arrancada, eles, do passado e presente, farão de você ossos ocos empilhados, cobertos por uma pele completamente ressecada que se esfarela com o movimento do vento”.  
     Uau!!!! Fiquei sem saber o que dizer, não me veio uma só palavra, um só pensamento...
     Continuou: “Vou lhe contar um pouco da história de Léo e do Gustavo. Eles são criaturas más em forma de homens sedutores. Seres humanos perigosos e maléficos, mas a você não podem mais atingir com encantos. Você parece vacinada e preparada para o enfrentamento. Na noite passada você fez de tudo com Gustavo, esgotou todas as energias naturais dele, mas Léo esteve todo o tempo aqui presente, você já sabe disso, eu sei que sabe. Léo empunhava o livro de horrores, estava rodeado de entidades do mal, estava presente em cada gesto, olhares e ato sexual. 
     Descubra tudo sobre Gustavo! O seu dever de proteção a chama, tenha o olho clínico. Todo cuidado é pouco, ele pode ser tão cruel quanto os outros. Lembre-se que são todos da mesma linhagem, feita por séculos e séculos de mentiras e dissimulações. Meu aviso é que jamais baixe a guarda diante de algum deles, mesmo que esteja de frente com um homem lindo de bons modos. A sua grande arma é a estratégia, assim como a arma de qualquer  um deles é a perversidade.  Eles tem o domínio porque tem algo que desenvolveram, o poder intuito da mente voltado para o mal. Eles estão num estado inferior, não podem gerar, não podem criar. 
     Para terminar vou lhe contar por onde esteve essa imagem que está diante dos seus olhos. Tem uma idade que não se pode medir e passou durante alguns séculos se adaptando à situações. Saiba que qualquer batalha que imagina ter travado comigo foi mera fantasia. São flashes de cenas de outra vida que a atormentam, por isso, recomendo, fique calma. Tenha consciência que precisa se libertar das lembranças que sufocam a alma. A grande batalha final ainda está por vir, então descanse. Logo precisará de energia para suportar a grande revelação dos seus atos. O tempo está ao seu lado, não se apresse, domine primeiramente todas suas fraquezas. O ar que respira traz conforto e continuará sendo o que a mantém viva.  Então aconselho-a que se fortaleça em seus sonhos, inspire-se com todo o amor que puder nos fluidos da natureza. Assim será conduzida ao plano que almeja. Lembre-se bem de todas palavras que gritam em sua cabeça e jamais fuja da missão para a qual foi escolhida. Você é o única que pode executá-la com perfeição. Foi determinada justamente por conhecer tão bem o inimigo e o terreno em que ele se instala. Boa sorte na finalização do seu ato”! 
      A imagem distorcida, juntamente com sua voz, desaparece, vai embora sem fazer qualquer ruído. 
     O barulho externo da rua volta com tudo. 
    A cena que vivo começa a ser explicada. A missão que foi dada continua sendo o principal objetivo. 
     Através da sua realização alcançarei a passagem para liberdade infinita, descobrindo a mim mesma espelho, para o descanso simples da alma que ficará livre das vozes que me seguem pela vida toda.
     Há um novo mundo diante de mim, é um mundo fascinante e misterioso que me deixa hipnotizada e um pouco confusa sem saber qual o próximo passo. 
      Imagino como poderei usar do espírito prático e amor divino, abrindo mão da perversidade para com Gustavo. Como seria isso? 
     Em outro momento aprendi que só com amor não deu certo, pois, o único resultado que obtive foi vir parar nesse hotel ao lado de Gustavo que dorme extenuado
     Preciso pensar melhor sobre tudo isso. 
    Bem... Toda e qualquer ação, em que plano for, é feita de detalhes numa grande colcha de retalhos - um enorme quebra-cabeças, cheio de possibilidades intrincadas, que no final adquire um único formato. 
     Eis aqui a breve noção do mistério da morte, do amor e da vida que preciso decifrar para meu próprio bem e sanidade.

       

Um comentário:

  1. Patricia Ramos Sodero16 de outubro de 2018 às 22:12

    Caro Autor...boa noite!O capítulo mostra bem como a espiritualidade pode influenciar nossas vidas.Neste caso,a de Sarah.Visível como depois de muito entrar em conflito com seu próprio EU,algo diferente acontece e,através de uma imagem que lhe é projetada por um espelho,tem a definição de como agir e finalmente colocar um ponto final no conflito PASSADOxPRESENTE.Parece que agora quer viver e ter uma vida diferente de tudo que já passou.Talvez,consertar seus erros com a família e começar a ver os homens de uma forma diferente que a faça viver de verdade um grande amor.Foi lhe mostrado,realmente,o caminho a seguir.
    Conto que fica cada vez mais emocionante em termos de reflexões e descobertas da vida.Parabéns!Bjs...

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