segunda-feira, 13 de agosto de 2018

O Pecado Capital Parte 06

                                    Episódio 6 (Desvario)
  
      Sou uma idiota! Eu insisto em mexer e revirar tudo por dentro como uma lunática. 
      Enquanto estou na penumbra meus pensamentos não parecem certos e tenho dificuldade para prosseguir, principalmente quando meus motivos nunca são entendidos e tudo o que consigo ver é uma fatia do tempo - o tempo daqueles atos insensatos de debilidade. Um tempo em que eu dizia: “Um dia vou refazer minha vida!".
      Hoje passo ponto a ponto tudo daqui, de um lugar onde tenho o que ninguém pode tirar de mim. Estou falando da relação que existe no intervalo de tempo em que me separei do Léo e desse momento que me une ao Gustavo.
     As pessoas que foram cruéis comigo no passado ficarão surpresas ao se depararem com o livramento dos meus problemas cruciais e tudo o que me motivou a ser uma nova pessoa.
       Mãe, pai e família, eu sei que pensam em mim e estão aguardando meu retorno ao lar ou esperando a notícia de um passo em falso. De qualquer forma seria bem triste. 
     Saibam que longe de vocês adquiri a prática de enfrentar o desconhecido e encarar a vida de outra forma. Não tenho mais aquele medo porque o que vivo agora me excita. E vocês... Ahhh... Vocês me provocaram com todas aquelas atitudes arrogantes e autoritárias e mais as chantagens de todo o tipo, achavam que eu era boba. Saibam que eu superei e acabei com essa insistência de vocês em me dominar. Nem que façam uma boa ação serão perdoados do que me impuseram por tantos anos. Eu adoro ser livre! 
     É muito divertido imaginar o que passou já que estão distantes. Antes de agirem assim comigo eu só pensava na mesma coisa fixamente, mas vocês me obrigaram a pensar em duas a partir de então. Agora passo minha existência inteira imaginando como calar essas vozes desprezíveis que de vez em quando aparecem na minha lembrança. 
     Nesses vôos, em que ofusco as estrelas com minha silhueta distorcida e com esse desejo desproporcional, fujo do medo e da devastação da alma. Quero que não existam mais aflições nem falsos temores. Preciso confiar. Vocês não imaginam quantas almas se pode salvar com esse comportamento. 
     O mal que vem daí não me atinge mais. Eu agora sei que vocês não são tão fortes assim. 
     Nos momentos em que estou pensando no Léo penso em vocês. Estão todos ligados aqui dentro de mim como numa simbiose interminável. 
    Quando isso acontece, no instante seguinte, as paredes ficam com aquela cruel negritude que destaca os traços vermelhos que escorrem e refletem em meus olhos. 
    Assim todos os meus pensamentos se rebelam quando me lembro da mordaça que tentaram me colocar, fazendo de mim uma mulher totalmente destruída e inteiramente impossibilitada de qualquer decisão. Unicamente com o direito de estar presa ao mundo de padrão e costumes de vocês. 
       Continuarei, mesmo sem querer, sentindo essas imagens que permanecem ocultas no tempo, como se ouvisse as vozes horrendas trazida com ecos dos cantos escuros da casa na qual passei maior parte da minha vida.
       Quando paro diante do espelho da porta do guarda-roupas desse hotel meia-boca não tenho mais corpo, não sou mais matéria-viva e vocês não poderão atingir meu fígado como antes. 
      Como será que anda a limpeza da casa de toda sexta-feira? 
     A falsidade impregnada é quase impossível de remover com esfregão? Que pena...
     É o paraíso preferido de todos que aí vivem, isso eu sei. Um lugar cheio de conforto, jóias escondidas nas gavetas com trancas, danças juninas com a família reunida. Em destaque os sorrisos falsos estampados nos rostos daqueles que repartem a dor da aparência e da falsa modéstia. 
    Contem-me uma coisa: Quando saem mundo afora, com seus narizes empinados, ainda se aproveitam para ignorar os cachorros largados e os menos favorecidos? Continuam comprando a admiração das pessoas com seus diplomas, carros luxuosos e saldo bancário?
       Meu Deus! Quanto arrependimento eu carrego por não ter conseguido expressar tudo o que pensava de vocês! Por medo de punição nunca pude falar uma letra sequer dessa existência cinzenta e da expressão exagerada que carregam. 
     Vocês já sabem que agora não pertenço mais ao mundo que criaram, não me submeto ao rito do sofrimento psicológico, porém, mesmo assim temos uma história para contar de parte a parte, uma história triste que envolve a mim, a família, Léo e Gustavo.

     -  Ahhh... Que conversinha besta. Não tem mais o que fazer? Como tenho pena de você... Você é fraca e patética. 
     - Olha aqui Léo... Quem você pensa que é para me questionar assim? 
 - Como você é boba! Depois de anos continua a mesma idiota de sempre. 
 -    A mesma? Não. Não mesmo! – olhando a imagem do rosto dele na cortina branca – Diga-me você, seu canalha, por que nós não continuamos sendo um casal normal e tivemos que nos manter saindo escondidos como se fossemos namorados, sem sermos?
     - Por causa deles!
     - Não seja injusto. Você que me largou e foi correr atrás daquela vagabunda!
     - Você nunca quis se libertar da escravidão para dividir o mesmo pão comigo, lembra?
     - Ainda não era o momento! Você nunca soube planejar as coisas direito.
     - Então, já que deixou o momento passar, agora deite-se com aquele que está ali e pense em mim. Abra bem as pernas e na H vá fechando quando já estiver com tudo dentro. Do mesmo jeitinho que fazíamos e você adorava. 
     - Não! Você não vale nada!
     - Eu a conheço muito bem. Você aprendeu direitinho novas lições durante nosso tempo e fazia questão de dizer que tinha uma boceta normal que gostava de uma boa foda. Contava-me histórias exageradas e muito fantasiosas, que no fundo, eram relatos mal disfarçados dos seus desejos do passado com outros homens. Um dia, no canto da última fileira da sala de cinema, quando você usava um vestido colado, chegou ao ponto de pegar meu dedo indicador para enfiar pela beirada da calcinha até onde coubesse, só para conferir o quanto estava molhada e ainda era bem apertada. Quando consegui tirar a mão dali, você chupou e lambeu todos os dedos devagar. Em seguida trouxe meu pescoço para perto e me beijou com a boca melada enquanto com uma das mãos procurava meu pau duro que já estava estourando a braguilha. Botou "ele" para fora e começou a manipula-lo de um jeito como se quisesse que a cabeça dele saltasse diretamente para dentro da sua boca e a enchesse de porra. Vi tudo aquilo como normal e atribuí a situação ao seu desejo incontrolável de sentir sensações diferentes em lugares públicos.   
   - Filho da puta! Eu odeio a mim mesma por um dia ter estado com você em qualquer lugar. Sei muito bem o que quer de mim. Quer que eu fique louca e que não tenha mais força de vontade para nada nessa vida. Quer tudo aquilo que mais zombou o tempo todo: minhas fraquezas por você. 
   - Eu? Não...  Nada disso. Acho que você deveria arrumar outro homem. Não esse que está ali deitado. Outro cara que te fizesse engordar um pouco porque você está puro osso e pele. Assim você fica mais indefesa que uma criancinha e nem aguenta foder gostoso como a gente fodia. Por acaso perdeu o jeito e o jogo de cintura?
   - E daí? Isso não é da sua conta!
   - Bem, você não acha que é bom ter um amigo quando se precisa dele? Olha eu aqui. Aproveita! Ninguém vai muito longe sozinho... Escute com carinho, você nem imagina o que um homem bom poderá fazer por você algum dia.
   - Vá embora! Saia daqui! Não aguento mais isso!
   - Vou sim. Mas antes me diga onde está seu orgulho? Você não tinha orgulho? Não era a mulher que sabia de tudo da minha vida? Bela merda! Você descobriu o que queria e está assim agora!
   - Suma daqui! Vou fechar os olhos e você desaparecerá num estalar de dedos.
   - Isso! Feche os olhos e lembre-se que aquele que ali dorme e espera sua disposição para uma boa transa, jamais será capaz de lhe dizer palavras tão belas que, tenho certeza, você jamais esquecerá. 
     Esse aí é incapaz de escrever e declamar um poema tão interessante quanto aquele que fiz para você na noite do dia dos namorados; aquela vez que você desligou o telefone de manhã e desapareceu por dois dias. Lembra?
    - "Sarah, por trás dos seus doces lábios de pétalas de rosa tem seus dentes como se fossem engrenagens perfeitamente alinhadas e escovadas. Também possui uma linda bunda arrendondada e ajustada centímetro a centímetro.Tem o gracejo de uma alma vazia que se ergue pouco a pouco como a balburdia de macacos tagarelas no alto das árvores. 
     O ressoar de suas palavras e gemidos constantes ultrapassam as frestas de portas e janelas, tudo é levado para longe durante o sono tão profundo quanto o de um molusco. Sarah, gelada como um monumento, permanece intacta com sua genitália exposta ao público como uma flor noturna que desabrocha numa noite de geada. 
     À beira do abismo permanece em pé com os lábios cerrados, sussurrando palavras como poeira no nevoeiro da madrugada. A Sarah Rodriguez talvez esteja agora no banco de trás de um táxi se masturbando discretamente, ouvindo o tique taque do coração e as propostas indecorosas do motorista. 
     Sarah, a serpente fabulosa, feita inteiramente de desejos e paixões, caminha para a fogueira ardente com a boca cheia de chiclete. Magnífico é o seu andar. É o andar leve de quem já esteve na lua ou pisando nas brasas do inferno. 
     Ela segue o caminho em que tudo continua flutuando rumo à sombra através do nevoeiro que cega a todos. E no escuro e frenético nada da sua alma vazia permanece a minha ausência. Isso deixa um sentimento saturado de desalento em mim.  
     Em seus doces lábios de pétalas de rosa residem os últimos resíduos da brisa do litoral e da maré de lama que tomou conta de tudo em sua atemporal inocência mimada".

    - Diga se não é um poema maravilhoso feito exclusivamente para você numa data especial?
    - Vai se foder!        
   
     Olho em volta, paro e observo. 
     Existem coisas imponderáveis nesse mundão de Deus. 
    Alguém me admira?  
    Creio que apenas o Gustavo! 
    Eu admiro e amo ele também? Não sei... 
    Isso é perigoso. 
    Léo me excitou demais o tempo todo fazendo desafios e dando opinião. Quero esquecer... 
    Estou cheia de ficar sozinha, sem alguém que me faça companhia pelo menos algumas horas. Eu sei que Gustavo está sempre disponível para aquilo que gosto mais de fazer. Mas não parece satisfatório quando ele precisa descansar. 
      Lembrarei as novidades e tantas coisas importantes que nos envolvem. Mesmo que ele continue dormindo, ainda assim, poderemos trocar muitas palavras. Ele sempre me estimulou a ser uma ouvinte e confidente compreensiva. Deve ser esse o grande motivo da sua atração por mim.
     Eu estou quebrando uma regra com ele, mas é apenas um cisco no universo. Talvez seja esse o mistério que ainda nos una nesse quarto. 
     Quando passeamos no clube eu gosto de vê-lo à beira da piscina. Na transparência da água a sua pele se destaca pela brancura, mas com alguns pontinhos quase imperceptíveis de sardas. Quando ele sobe do mergulho o reflexo do sol bate em seus ombros molhados, fazendo as gotas brilharem como um arco-íris. Aquela cena produz em mim uma sensação de alegria interior. Os seus músculos, de exímio nadador, tomam destaque, então ele vem e pula no piso de concreto como se fosse impulsionado por uma força invisível. A sua saída da água poderia durar horas na minha observação, seria o momento para eu pensar em tantas coisas loucas dentro da piscina... 
     Nós tínhamos todo o tempo do mundo e, no entanto, eu ia perdendo um pedaço de mim a cada vez que ele fazia o seu voo. Mas eu sabia que era o momento para escrever em definitivo o meu nome em sua existência. E naquele momento, olhando da borda da piscina, eu me alegrava que fosse tudo assim. 
     Nunca tínhamos muita dificuldade nos caminhos retos, o que pegava mesmo eram as curvas das nossas motivações interiores. Durante muito tempo eu cheguei a pensar que ele não existia de verdade. Cheguei a duvidar que ele tivesse um corpo, um nome, uma profissão e até que fosse um perfeito exemplar do sexo masculino. Mesmo com todas as minhas lamúrias e angústias ele me fazia acreditar que as memórias tristes do passado iriam se apagando aos poucos. Ele nem sequer imaginava que pequenos problemas tornam-se grandes confusões quando se tenta reconstruir uma velha história em outro lugar e com outra pessoa. Esse era meu caso. Caso perdido!
    Quando eu percebia que isso acontecia comigo, eu me imaginava olhando para ele com os olhos de outra personalidade, alguém com o qual ele não tivesse qualquer intimidade e nem soubesse do tipo de sensibilidade com a vida ou comprometimento com o passado. Uma personalidade comum como tantas outras que poderiam andar num shopping center ou fazer da vida um hobby para viajar por mar, terra ou água. Alguém que apenas olhasse e buscasse algum prazer em seu visual. Isso sem qualquer esforço ou observação mais apurada. Alguém que encontrasse um descanso descomprometido através do apenas pensar e curtir. 
     Imagino o quanto seria difícil para ele diferenciar eu de eu mesma. Talvez só se colocando em meu lugar por algum tempo. Não que eu necessariamente desejasse isso para quem quer que fosse. Afinal não é fácil ser despojado dos sonhos, das ideias e formas como seriam colocadas em prática numa vida que já se foi há tempos.  
     Hoje existe entre nós uma espécie de murmúrio e troca de olhares certeiros quando o diálogo se esgota por cansaço. É isso que nos move e cria a interação. 
    Olha só que coisa mais engraçada que me ocorreu agora: Eu consigo pensar em tudo isso com racionalidade. Eu existo e não existo, eu sou e não sou. Tenho cabelos pintados, rosto pálido, olhos fundos, uso uma máscara pregada o tempo todo e respiro ofegantemente ao passar o olhar pelos cantos. 
     Do nada, sinto o cheiro de café entrando por debaixo da porta. Estou diante de um halo de vapor que sobe e some. 
     Engraçado como a minha vida tem uma série de rituais repetidos freqüentemente.      Na bandeja plástica há biscoitinhos recheados com goiabada, pão francês, manteiga, geleia, açúcar, adoçante, frutas de época e  2 copos de suco de laranja. O café recém-passado veio no bule e o leite na caneca.        
      Esses flashes repentinos custam a satisfazer minha nostalgia.
      Tudo volta a ficar calmo de um instante para outro enquanto Gustavo dorme imóvel debaixo do lençol. 
    Eu me mexo da posição estática, dou dois passos, viro e finalmente encontro um lado confortável para apreciar os primeiros raios de sol que entram pela janela. 
     A imagem do Léo some de vez.
         Não há mais vozes e nem um lindo homem saindo da piscina. 
        Agora é o silêncio, somente o silêncio da minha alma vazia que cala esses lábios de pétalas de rosa e se esforça para seguir em frente mantendo a cabeça erguida. 

                                                                                      (Continua)

2 comentários:

  1. Querido você deixa bem claro neste episódio que sua personagem se sentia acoada com cobranças do passado, isso acontece sim, e com o tempo a gente aprende que temos que nos ouvir lá no fundo do coração o que queremos.Pessoas surgem em nosso caminho e a cada encontro um aprendizado. Abraços

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  2. Patricia Ramos Sodero6 de setembro de 2018 às 00:57

    Olá,Sr.Autor!Neste capítulo,fica claro para nós,leitoras,que Sarah era do tipo"ovelha negra da família".Saiu totalmente do padrão que seus pais queriam em seu desenvolver.Na verdade,uma menina que foi criada para ser mestrada,e que optou pelo caminho de descobertas e aventuras.Conheceu Léo,que a seu ver,era o homem perfeito para ter uma vida em comum.Ao passar do tempo,chega-se a conclusão que entre tantas tentativas de término,a química e o pulsar da alma eram mais fortes.Podia colocar um ponto final e,após alguns dias,o fogo ardia novamente.Mas,devido a tantas influências da família,creio que foi a principal causa da separação,e hoje,ela viver em meio a conflitos com a própria consciência,com Gustavo,que para os que a cercam,consideram o ideal.
    É,Sr.Autor...O conto continua a crescer cada vez mais...Muito bom!Agora tenho a certeza que quero o mais rápido ler os capítulos que virão.
    Bjs e até lá...

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